A liberdade criativa na franquia de James Bond: perigo ou esperança?

Como publicado no Correio do Estado, Caderno B+

O “pai” de James Bond, o espião inglês da MI6 que tem o codinome de 007, é o escritor Ian Flemming, que criou o personagem inspirado em sua própria vivência trabalhando para a Inteligência britânica. O cinema logo abriu o olho para levá-lo para as telas e nessa briga de direitos, quem passou a ser “dona” da marca foi a família Broccoli, devido a uma série de eventos envolvendo a adaptação cinematográfica dos romances. Fleming não teve visão do que criou e com isso vendeu os direitos do que imediatamente veio a ser um fenômeno global.

Ao longo desse mais de seis décadas, houve quem quisesse tentar algo paralelo (o filme fracassado com Sean Connery, em 1983), e até criar personagens parecidos, mas, o “verdadeiro” Bond era insuperável.


Avançando no tempo, a MGM era a distribuidora internacional da franquia e o estúdio foi comprado pela Amazon Prime Video, por mais de 6,5 bilhões de dólares, a plataforma já estava imaginando spin-offs, séries, e outros produtos explorando a popularidade de Bond, mas

esbarraram com a “zelosa” Barbara Broccoli, que tinha a palavra final para tudo e a que mais usava era “não”.

Em dezembro de 2024 as tensões extrapolaram o teto, os embates acalorados incluíram a decisão dela de guardar o último filme, No Time To Die por dois anos para que ele estreasse no cinema (eram tempos de pandemia), o que irritou profundamente o dono da Amazon, Jeff Bezos. Barbara que se recusava aceitar que chamassem a franquia de “conteúdo” ou que fizessem estudos de “cálculo de risco” para selecionar o próximo 007 (levando em conta os números) passou quase a ser uma Blofeld (o inimigo de Bond) de saias. Estava insustentável.

Por isso o próprio Bezos esfregou sal na ferida no dia 20 de fevereiro, quando na negociação final, a plataforma tirou o controle artístico dos Broccolis. A primeira pergunta que ele postou no X? Quem o público quer como James. Uma provocação agressiva e direta à Barbara que defendia um desconhecido para o papel.


Essa “licença para matar” que a Amazon MGM ganhou é uma faca de dois gumes. Ao longo dos anos, ninguém pode negar que Barbara foi extremamente eficiente em cuidar de James Bond de forma que nunca o desgastou e manteve os fãs antecipando suas aventuras com a mesma paixão por diferentes gerações. Adaptar 007 – um machão tóxico e agressivo no contexto de hoje – não é uma tarefa fácil e aqui estava o nó com os novos executivos. Por outro lado, não sei se gosto do que a Disney fez com Star Wars, receio o que a Warner está para fazer com Harry Potter e definitivamente questiono como a MAX tem usado o universo de George R. R. Martin e não gosto do que aAmazon fez com O Senhor dos Anéis em Anéis de Poder. Não apenas eles agora podem mudar a essência de James Bond (em seu último filme ele já não era mais 007 e a posição era de uma mulher), como agora teremos séries sobre sua juventude, spin off de outras personagens e tudo isso pode poluir mais do que acrescentar à marca. James é James, deveríamos deixar por aí…

Dito tudo isso, a solução do impasse significa que o jejum está mais perto do fim. Já se passaram três anos que vimos No Time To Die, no qual não apenas nos despedimos de Daniel Craig como testemunhamos Bond ser morto em uma explosão, na melhor das hipóteses o próximo filme chegaria aos cinemas em 2027: quase uma década depois de terem gravado No Time To Die. Está mais do que na hora, não é?

Portanto se até agora as bolsas de apostas em nomes de atores britânicos jovens proliferam a cada ano, finalmente poderemos levá-las mais a sério. O post de Bezos sinaliza que eles buscarão aprovação antecipada do público e os dois nomes mais fortes do momento são Josh O’Connor (o eterno Charles jovem de The Crown) e Harry Dickinson (de Babygirl).

Se a mudança de controle sobre James Bond representa um novo fôlego ou um risco para a franquia, só o tempo dirá. A história já provou que 007 é um ícone resiliente, mas a forma como a Amazon MGM conduzirá essa nova era pode definir se Bond continuará relevante sem perder sua essência ou se será diluído em uma onda de produções excessivas e desconectadas de seu legado. O entusiasmo das apostas sobre o próximo ator no papel mostra que o público ainda se importa—mas será que os novos responsáveis pelo agente secreto mais famoso do cinema saberão respeitar essa lealdade? Espero que sim, porque, no fim das contas, James Bond sempre volta. Resta saber se voltará da maneira certa.


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