A história do letrista Lorenz Hart, que morreu em 1943 aos 48 anos, de pneumonia tens tons trágicos irresistíveis para um belo drama. Tanto que Richard Linklater, reunido mais uma vez com Ethan Hawke, está fez sucesso em Berlim com seu filme, Blue Moon, que rendeu o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante para Andrew Scott. Sim, já se fala de Oscar para Hawke em 2026, mas chegaremos lá. Por que filmar em 2025 a história de um alcóolatra falecido há 82 anos? Certamente muitas gerações nunca ouviram falar nele!

Sim, verdade. Nem mais os americanos lembram quem Lorenz Hart foi, mas suas músicas constam como uma das mais atemporais, regravadas e adoradas do planeta, pérolas como Bewitched, The Lady Is A Tramp, My Funny Valentine, Manhattan, I Could Write A Book, It Never Entered My Mind, My Romance, Little Girl Blue, Where or When, Thou Swell, Ins’t It Romantic e, claro, Blue Moon, apenas para citar algumas. Poucos escreviam “rejeição amorosa” e melancolia com a precisão de Hart, batizado pelo dramaturgo Jerome Lawrence como “o poeta laureado do masoquismo.” Sagaz, romântico, ritmado, e preciso, Hart escrevia sobre os sofredores e vulneráveis, algo que refletia sua própria personalidade.
Porém, mais do que um poeta atormentado, Hart era um homem intenso, ciente de seu talento e jamais disciplinado pelo sucesso. Sua parceria com o compositor Richard Rodgers (no filme de Linklater interpretado por Scott), transformou os dois em estrelas, com 20 anos de sucessos na Broadway e Hollywood. Mas enquanto Hart, por consequência de seu acoolismo praticamente pára no auge, Rodgers mais tarde seria elevado à lenda quando passou a trabalhar com Oscar Hammerstein III (Simon Delaney). E é basicamente essa virada que marca a história do filme Blue Moon.
O talento e os tormentos de um poeta da dor
Lorenz Hart nasceu no Harlem, Nova York, sendo o mais velho de um casal de imigrantes judeus. Foi com o pai que Lorenz seu irmão descobrem o teatro e os musicais, mas foi apenas quando um amigo em comum com Rodgers, quando eles estudavam na Universidade de Columbia, que a vida do letrista mudou.

Juntos, Rodgers e Hart escreveram música e letras para nada menos do que 26 musicais da Broadway, com uma parceria de mais de 20 anos marcada por grande amizade, mas desgastes irreversíveis por conta da dependência crescente de Hart pela bebida.
No filme, toda essa trajetória precisa ser conhecida de antemão pois ela foca na noite de estreia de Oklahoma!, o musical que Hart se recusou a fazer e marcou a separação da dupla. O letrista, aliás, morreria poucos meses depois.
Se no início tudo era empolgação e felicidade, logo as personalidades díspares dos dois entrou na equação. Hart era “incontrolável”, suas festas lendárias duravam dias, ele dormia até meio-dia, acordava de ressaca e voltava a beber em seguida. Desaparecia por dias, era encontrado ferido na rua e assim seguia ao ponto de alegarem que mesmo presente, raramente estava lá. Para Rodgers, onde disciplina era tudo, trabalhar com Hart passou a ser desesperador. Mas eles se gostavam, com uma fusão criativa onde às vezes as letras vinham antes da melodia e às vezes ao contrário, mas nunca demorava.
Um adeus precoce e uma vida marcada pela solidão
Quando chegaram à 1942, houve a cisão. Eles foram contratados para um musical que viria ser Oklahoma!, mas Rodgers exigiu que Hart parasse de beber. Ele se recusou assim como recusou a proposta do musical. Saiu porta à fora e Rodgers buscou Hammerstein para substituí-lo. Nascia assim a dupla mais significativa dos musicais da Broadway, colaborando por 16 anos (até a com a morte de Hammerstein em 1960), com clássicos como A Noviça Rebelde (The Sound of Music), O Rei e Eu, South Pacific e Carrossel, entre outros.
Blue Moon se concentra na noite de estreia de Oklahoma! imaginando Hart indo parabenizar Rodgers na festa do elenco. Ali desfilam histórias e mágoas, dando ao público um relance da complexidade de Lorenz Hart. E pela primeira vez será esclarecido o que mais tarde ficou evidente: Hart era secretamente gay, embora tenha vivido casos de amor mal resolvidos com mulheres, em particular Elizabeth Weiland (Margaret Qualley).

Hart e Rodgers ainda viriam escrever seis novas canções para a reestreia de A Connecticut Yankee, mas ele nem chegou à primeira noite de apresentação. Depois de desaparecer por dois dias, foi encontrado – bêbado – na sarjeta de um bar em pleno inverno. Foi levado para o hospital, mas morreu de pneumonia apenas dois dias depois. Rodgers ficou arrasado com a sua morte.
Críticos e biógrafos ressaltam o complexo que Lorenz tinha sobre sua aparência, que o tornava, segundo ele dizia, “impossível de amar”: era baixinho (menos de 1m 60) e calvo. Sua inteligência e simpatia faziam nada disso ser relevante, por isso é que também acreditam que sua fama de voyeur era apenas um eufemismo ou proteção de amigos que não queriam falar de sua homoafetividade.
A cinebiografia e o impacto no Oscar 2026
Apenas cinco anos depois da morte de Hart, Hollywood já apostou em uma cinebiografia: Minha Vida É Uma Canção (Words and Music). Estrelado por Mickey Rooney como o letrista, a versão de sua morte é quase que um ato de desespero depois de ser rejeitado pela mulher que amava. Blue Moon certamente não vai por esse caminho.
Quem já viu o filme reclama – e muito – da escolha de Ethan Hawke para interpretar Lorenz Hart. O ator é alto e longe de estar calvo, mas a maquiagem pesada e truques de câmera são usados para “disfarçar”. E sua atuação, todos dizem, está espetacular. Sem esquecer o prêmio de Andrew Scott.


Mesmo com o Oscar 2025 a uma semana de acontecer, os especialistas já estão mapeando a próxima galera que tem alguma chance e Blue Moon sai na frente por reunir Hawke (que já foi indicado), Scott (um favorito que deve ser indicado) e o próprio Richard Linklater, que já foi indicado cinco vezes. Curiosamente, ele está no meio da adaptação do musical de Stephen Sondheim, Merrily We Roll Along, que quer gravar como Boyhood: ao longo de muitos anos. No elenco ele conta com Paul Mescal, Ben Platt e Beanie Feldstein. Atenção: ele quer repetir o que fezem Boyhood então espera-se que leve uns 20 anos com o projeto. Por isso, por hora é tudo sobre Blue Moon.
A história de Lorenz Hart é, acima de tudo, um retrato da genialidade marcada pela dor, do talento que transcende o tempo e da vulnerabilidade que ecoa em suas letras. Blue Moon não apenas resgata sua trajetória, mas também reaviva seu legado para uma nova geração que pode não conhecer seu nome, mas certamente conhece suas canções. Se Ethan Hawke e Richard Linklater conseguirem capturar a alma do letrista com a mesma intensidade que ele vertia em suas palavras, o filme tem tudo para ser um dos grandes destaques da próxima temporada de premiações. Afinal, como prova a própria Blue Moon, há algo de eterno na melancolia transformada em arte.
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