O balé Romeu e Julieta já se consolidou como uma das grandes obras do repertório clássico, combinando a profundidade dramática da peça de Shakespeare com a riqueza musical de Sergei Prokofiev. A primeira versão do balé foi concebida nos anos 1930, mas as coreografias que marcaram sua popularização surgiram nos anos 1960, quando John Cranko e Kenneth MacMillan criaram montagens que redefiniram a narrativa na dança.


Sergei Prokofiev compôs a trilha sonora para o balé em 1935, originalmente com um final feliz – uma decisão ousada e controversa na época. Isso porque ele dizia que “mortos não dançam”, mas pressões políticas e artísticas levaram Prokofiev a modificar a partitura para se alinhar mais à tragédia shakespeariana. A música, densa e emocionalmente expressiva, tornou-se uma das trilhas de balé mais aclamadas da história, destacando-se pelo uso de temas marcantes como a “Dança dos Cavaleiros” e os solos líricos associados aos protagonistas.
Depois da versão de Leonid Lavrosky ainda é montada e amada na Rússia, mas no oeste, nem tanto. A primeira grande versão do balé que se firmou no repertório internacional foi a de John Cranko, criada em 1962 para o Stuttgart Ballet, para Marcia Haydée e Richard Cragun. Cranko trouxe um refinamento dramático inovador, enfatizando a expressividade dos bailarinos e a fluidez narrativa. Seu trabalho influenciou diretamente a montagem de Kenneth MacMillan em 1965 para o Royal Ballet de Londres, que se tornou a versão definitiva da obra.
A versão do Stuttgart Ballet um estilo de interpretação mais visceral e emocional. Marcia Haydée tornou-se uma referência definitiva para a Julieta, trazendo uma carga dramática intensa à personagem.

A versão de MacMillan teve como grande marco a estreia de Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev nos papéis principais. Apesar da diferença de idade entre os dois – Fonteyn já estava com 46 anos –, a química intensa e a entrega emocional da dupla garantiram que a produção fosse um enorme sucesso. MacMillan enfatizou a fisicalidade da coreografia e a construção dramática detalhada, tornando o balé uma experiência imersiva. Mas nunca houve uma história tão triste e marcante como a dos bastidores da produção.
Inicialmente, o coreógrafo pretendia escalar Lynn Seymour e Christopher Gable para os papéis principais. Afinal, foi em cima deles que ele criou o ballet completo, depois que ambos fizeram muito sucesso com o pas de deux do balcão. É o tipo de parceria que faria as carreiras de ambos, mas a ganância entrou no caminho.

A montagem do ballet completo passou a ser um dos investimentos mais aguardados do Royal Ballet, que estava para embarcar para uma nova temporada nos Estados Unidos e estava atraindo muita gente para ver a parceria de Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev, a essa altura, no terceiro ano da parceria que viria a ser histórica.
Se você tem as maiores estrelas da dança no elenco, claro que quer veículos para mostrá-los e foi o empresário Sol Hurok desempenhou um papel crucial na projeção de Romeu e Julieta para públicos internacionais. Como um dos mais influentes promotores de dança do século 20, Hurok ajudou a organizar turnês que levaram Nureyev e Fonteyn ao estrelato global, garantindo que a versão de MacMillan se tornasse um marco do balé. Para ele não haveria duscussão: a estreia do novo ballet era de Fonteyn e Nureyev.
O trabalho de SOl não apenas consolidou a reputação do Royal Ballet, mas também ampliou o alcance do balé clássico nos Estados Unidos. Foi ele que interferiu de forma irreversível nos bastidores do balé. Sol bateu pé contra o fato de que a companhia queria apostar em dois desconhecidos com a obras mais inovadora e importante do acervo. Para ele era “de jeito nenhum”. A decisão gerou tensões, mas o resultado foi um dos momentos mais emblemáticos da história do balé.

Em 2025, Romeu e Julieta completou 60 anos e ainda segue fascinando novas gerações de bailarinos e espectadores, provando que sua história, quando contada pela dança, continua a emocionar como poucas obras do repertório clássico.
Em 1965, a temporada de Romeu e Julieta de Kenneth MacMillan foi extremamente lucrativa. As pessoas não apenas fizeram fila, mas dormiram em volta do quarteirão no Covent Garden na esperança de ver Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev e a estreia foi um triunfo. Havia ousadia coreográfica e psicológica, figurinos de Nicholas Georgiadis e hoje é lenda, mas a dupla recebeeu 43 chamadas de cortina para agradecer. Em Nova York não foi diferente.
Embora tivesse apenas 25 anos, Lynn já era considerada uma das mais dramáticas e vigorosas da companhia. Tanto que internamente ninguém questionou a escolha de ser Julieta. Apenas Sol Hurok, o patrocinador da turnê americana do Royal que foi contra. Ele disse a companhia poderia abrir a turnê com o ballet, mas apenas se Fonteyn e Nureyev dançassem os papéis principais. Isso era o esperado, mas Hurok insistiu que o casal mais famoso do balé participasse da estreia em Londres também, para aumentar a empolgação do público e vendesse ainda mais ingressos.

De repente, de forma esmagadora, Seymour e Gable não só tiveram a primeira noite potencialmente decisiva para sua carreira (e, portanto, todo o balé) arrancada de suas mãos, como também se viram — devido a políticas internas complexas e antipáticas — relegados ao quarto elenco.
A dupla custou a se recuperar da humilhação. Afinal, ao descobrir que estava grávida pouco antes dos ensaios, Lynn Seymour fez um aborto para poder assumir o papel. Claro que seu casamento, com o fotógrafo Colin Jones não sobreviveu tampouco. Ela e Christopher Gable sairam da companhia logo depois.
Há quem diga que a culpa não foi apenas de Sol Hurok, mas que Nureyev e Fonteyn também quiseram o destaque, ainda mais que era um veículo perfeito para a parceria que rapidamente virava lendária. Embora contrário e arrasado, Kenneth McMillan aceitou a decisão das estrelas.
Quem viu os quatro e os comparou – há um filme com Margot e Rudi e poucas imagens de Lynn e Christopher – diz que que embora incríveis, Fonteyn e Nureyev não conseguiram superar Seymour e Gable.
Ao longo desses 60 anos, Romeu e Julieta foi um veículo de grande sucesso para os maiores da dança. Além de Lynn Seymour e Margot Fonteyn como Julieta, Natalia Makarova brilhou no papel, assim como Alessandra Ferri, considerada uma das Julietas mais celebradas do final do século 20 e início do 21, famosa por sua expressividade e envolvimento emocional.


Além de Nureyev, Mikhail Baryshnikov foi um Romeu ágil e cativante, reforçando sua aura de superstar, assim como Anthony Dowell foi um dos principais Romeus do Royal Ballet após Nureyev, com uma interpretação sofisticada.
Sessenta anos depois de sua estreia, Romeu e Julieta de Kenneth MacMillan permanece uma das mais poderosas narrativas traduzidas para a dança, redefinido o papel da dramaturgia no balé clássico. Seja pela intensidade trágica de Lynn Seymour e Christopher Gable, pela química inesquecível de Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev, ou pelo lirismo de grandes nomes como Alessandra Ferri e Mikhail Baryshnikov, Romeu e Julieta continua sendo um desafio artístico para bailarinos e uma experiência arrebatadora para o público. Sua permanência no repertório global é prova de que a dança, quando aliada a uma história universal e uma música inesquecível, pode atravessar gerações sem perder a força emocional.
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