Nos últimos anos, assistimos a uma crescente valorização das mulheres nas telas, em papéis que antes eram predominantemente masculinos. A busca por representações femininas mais complexas e ativas nos levou a um fenômeno interessante: as atrizes e o público feminino clamam por personagens femininas que, além de exercerem papel de liderança, também se envolvem em batalhas físicas intensas, muitas vezes empunhando espadas. Esse desejo foi claramente expresso por Emma D’Arcy, atriz que interpreta Rhaenyra Targaryen em House of the Dragon, que pediu que sua personagem, originalmente não descrita como lutadora no livro Fogo & Sangue de George R. R. Martin, tivesse uma espada e participasse ativamente das batalhas da próxima temporada. O pedido foi atendido, gerando discussões sobre a compatibilidade dessa decisão com o universo de Game of Thrones e a natureza da personagem.

Essa demanda por mulheres empunhando espadas não é um fenômeno isolado. Ao longo dos anos, diversas personagens femininas passaram a representar o anseio de um público que deseja ver figuras femininas poderosas e destemidas, que não se limitam apenas ao papel de donzelas em apuros. No entanto, essa mudança tem gerado tanto elogios quanto críticas, evidenciando os prós e contras de transformar mulheres em guerreiras e combatentes.
O Apelo das Guerreiras
O desejo de ver mulheres empunhando espadas está ligado a um anseio legítimo por representações mais realistas e variadas. Durante muito tempo, as personagens femininas em obras de fantasia eram limitadas a papéis passivos. Elas eram donzelas, figuras de amor ou sacrifício, ou mesmo poderosas rainhas em castelos distantes, mas raramente mostravam uma habilidade ativa em combate. O público feminino, especialmente, busca mais do que uma representação passiva: quer ver mulheres como figuras multifacetadas, que são tão complexas e completas quanto seus homólogos masculinos.
O exemplo de House of the Dragon com Rhaenyra Targaryen é um reflexo desse desejo. Na história original, Rhaenyra não é descrita como uma guerreira, mas sim como uma monarca ambiciosa e com um grande senso de liderança. No entanto, a decisão de permitir que a atriz demandasse um papel mais combativo faz sentido, dado o contexto atual de representatividade. Mulheres hoje em dia querem se ver em personagens que não apenas sejam poderosas de uma maneira intelectual ou política, mas também físicas e combativas. Isso reforça a ideia de que, em um mundo de fantasia, as mulheres podem ser tanto líderes quanto guerreiras.
A Dinastia Targaryen e a Tradição de Guerreiras
A casa Targaryen, famosa por sua linhagem de dragões e sua conexão com a guerra, tem algumas figuras femininas que se destacaram no campo de batalha. Muitas das Targaryens eram conhecidas por seu sangue guerreiro, e algumas delas, inclusive, empunhavam espadas com grande habilidade. Em House of the Dragon e em outras obras do universo de As Crônicas de Gelo e Fogo, vemos um grande interesse em destacar as mulheres da casa Targaryen como figuras ativas e decisivas na história de Westeros.
Um exemplo é Princess Rhaenys Targaryen, que em Fogo & Sangue é descrita como uma mulher habilidosa e corajosa. Embora ela não fosse especificamente uma guerreira que lutava com espadas, sua força estava na maneira como comandava e se posicionava durante a Dança dos Dragões. Ela pilotava seu dragão, Meleys, com grande destreza, e foi uma das mulheres que lutou ferozmente durante a guerra civil Targaryen. Sua ação direta em batalha, apesar de não envolver o combate corpo a corpo, a coloca como uma das figuras femininas mais poderosas da história dos Targaryens, desafiando a ideia de que as mulheres precisavam se limitar a papéis de consorte ou governante passiva.


Rhaenyra Targaryen, como mencionamos, é outra personagem que, embora originalmente descrita mais como uma governante ambiciosa e determinada, é um reflexo da tradição guerreira das Targaryen. Embora seu envolvimento em combate fosse principalmente estratégico, sua ascensão ao trono e sua luta pela coroa em um mundo dominado por homens mostra a complexidade de seu caráter, onde a luta física, o uso de dragões e a guerra política se entrelaçam.
O Caso de Arwen em O Senhor dos Anéis
No entanto, nem todas as mudanças são bem recebidas. Quando, no primeiro filme de O Senhor dos Anéis, Arwen, personagem interpretada por Liv Tyler, assume uma postura mais ativa na luta, especialmente na cena da defesa do jovem Frodo contra os Nazgûl, gerou críticas de uma parte do público. Arwen, nos livros de J.R.R. Tolkien, é uma elfa cuja principal contribuição para a história está no amor por Aragorn e nas escolhas feitas em relação ao seu futuro. A adição de uma cena de luta para Arwen foi vista por alguns como uma tentativa de forçar uma masculinização da personagem, algo que não estava presente na obra original.
O público, na época, argumentou que, embora fosse um esforço para fortalecer a personagem feminina e dar-lhe uma ação mais relevante, isso comprometeria a autenticidade da narrativa. Esse debate reflete o dilema das adaptações: é aceitável transformar personagens para que atendam às expectativas do público moderno, ou essas mudanças diluem a essência do material original?
Seja como for, com o sucesso do primeiro filme Peter Jackson e Phillipa Boyens conseguiram autonomia e deixar a personagem mais próxima dos livros.

Por outro lado, Éowyn, mulher de Rohan, faz o que Arwen quase fez nos filmes: se torna uma verdadeira guerreira. Ela luta na batalha dos Campos de Pelennor e derrota o Rei Bruxo de Angmar, uma das figuras mais poderosas de O Senhor dos Anéis. A batalha de Éowyn, escondida atrás de uma armadura masculina, tornou-se uma das cenas mais emblemáticas do gênero de fantasia. Éowyn quebra as barreiras de seu papel tradicional como mulher, provando sua coragem e habilidade com a espada. Isso exemplifica como o público, especialmente o feminino, busca ver mais do que a típica donzela ou figura passiva: quer ver heroínas que não apenas desafiam o destino, mas que também têm a capacidade de lutar por seus próprios ideais.
Na série Os Anéis de Poder, Galadriel é apresentada como uma figura muito mais ativa no campo de batalha. Ela é mostrada como uma guerreira determinada, que busca vingança contra o Senhor das Trevas, Morgoth, após a destruição de seu reino e a morte de seu irmão. Ao contrário da sua representação nos livros, onde ela é uma personagem que já atingiu um alto grau de sabedoria e serenidade, na série ela é uma jovem mais impetuosa e cheia de energia, tomando parte em várias batalhas e confrontos físicos.


Embora a série tenha licença criativa para expandir e adaptar a história, essa mudança na personagem de Galadriel gerou debates entre os fãs e estudiosos da obra de Tolkien. Alguns consideram que essa versão de Galadriel é uma adaptação para tornar a personagem mais acessível ao público moderno, mostrando uma heroína mais ativa e combativa, algo que se alinha com a demanda por personagens femininas fortes em produções contemporâneas. Outros, no entanto, acreditam que essa abordagem foge da essência da Galadriel dos livros, que é uma figura de calma, sabedoria e poder espiritual, em vez de uma guerreira física
Daenerys em Game of Thrones
Outro exemplo interessante é Daenerys Targaryen, que, em Game of Thrones, se torna uma das figuras centrais da trama, mas de uma maneira bastante diferente. Ela não luta fisicamente com espadas, mas com dragões e estratégias militares. Daenerys é uma personagem que é, sem dúvida, poderosa e destemida, mas sua força não vem do combate direto, e sim do controle de poderosos recursos e da habilidade de manipular e comandar exércitos. Isso gerou um interessante contraste com outras personagens femininas da série, como Brienne de Tarth, que, ao contrário de Daenerys, realmente empunha uma espada e participa ativamente dos combates, assim como Arya Stark, que vira uma assassina treinada.
Daenerys, ao longo da série, enfrenta uma batalha constante entre sua humanidade e sua ascensão ao poder. Seu envolvimento com dragões, portanto, representa um poder mítico, que se opõe à força física convencional. Essa diferenciação é interessante porque mostra que nem toda personagem feminina precisa ou deve ser uma guerreira com espada, mas sim pode encontrar sua força em outras formas de poder. A única imagem da Rainha empunhando uma espada, sem exatamente saber o que fazer com ela, foi de um improviso da atriz Emilia Clarke na batalha contra o Night King. Derrubada de Drogon e cercada de zumbis, ela pega uma espada para tentar se defender, mesmo sem jeito. Foi salva por Jorah Mormont, que perde a vida para que ela sobreviva.

O Caso de Brienne de Tarth
Brienne de Tarth, em Game of Thrones, é outro exemplo de uma mulher guerreira, mas com uma abordagem diferente. Ela não tem a imponência de um dragão ou do carisma de uma líder política, mas sua habilidade em combate com espadas e sua lealdade inabalável a seus princípios a tornam uma das personagens mais admiradas da série. Brienne representa a mulher que luta não por ambição ou poder, mas por honra e dever. Sua presença em Game of Thrones subverte as expectativas tradicionais, e seu papel de guerreira feminina tem sido uma das mais celebradas representações de mulheres em combate na TV.
Da mesma forma, Arya Stark trilha um caminho singular como guerreira, movida inicialmente pela vingança, mas evoluindo para uma combatente altamente treinada e independente. Sua jornada, que a leva de uma jovem nobre a uma assassina letal, redefine os arquétipos femininos na fantasia. A presença de ambas em Game of Thrones subverte as expectativas tradicionais, consolidando suas figuras como algumas das mais celebradas representações de mulheres em combate na TV.


Temos outras, mas essas são as principais. No entanto, Sansa Stark se manteve coerente até o final. Mesmo na batalha contra os mortos, quando Arya entrega uma adaga de vidro de dragão ela não sabe o que fazer com ela. “Espete com o lado afiado”, a caçula ensinou. Não foi preciso, mas quase!
O Lado Negativo: Anacronismo e Autenticidade
É inegável que a crescente representação de mulheres lutando com espadas ou empunhando outros tipos de armas está ligada a um desejo genuíno de ver as mulheres mais ativas nas narrativas. Contudo, isso pode criar um descompasso com a construção do mundo e do contexto histórico ou ficcional. O caso de House of the Dragon, por exemplo, envolve uma mudança que, embora atenda a uma demanda contemporânea por mulheres empoderadas, pode ser vista como um anacronismo dentro da obra original, que descreve as personagens femininas de forma diferente. Esse é o dilema central das adaptações: ao tentar agradar a um público mais moderno e exigente, pode-se perder a essência do material original, algo que foi tão importante nas histórias como O Senhor dos Anéis ou Game of Thrones.


Além disso, a ideia de que uma personagem feminina só pode ser empoderada ou forte se estiver empunhando uma espada pode ser limitante. Existem muitas outras formas de poder e força para personagens femininas, como inteligência, liderança, coragem moral, ou até mesmo habilidades estratégicas, como mostrado em Daenerys Targaryen ou Cersei Lannister. Limitar o empoderamento feminino ao combate físico pode reforçar estereótipos de masculinidade e enfraquecer a ideia de que as mulheres podem ser poderosas de diversas maneiras.
Diversidade de Representações
A crescente demanda por mulheres empunhando espadas reflete uma mudança cultural positiva, mas também traz à tona desafios interessantes. O importante é garantir que as representações de mulheres em papéis ativos, seja com espadas ou outros tipos de poder, sejam autênticas às suas histórias e não resultem em uma simples tentativa de agradar ao público. Personagens femininas podem ser fortes e poderosas de diversas formas, e o universo das adaptações de fantasia oferece a chance de explorar essas diferentes facetas de maneira mais rica e complexa.

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