Em tempos de histórias contadas em no máximo quatro temporadas, mesmo quando são do patamar de House of the Dragon, a longevidade de You justamente na plataforma adepta de vida curta como a Netflix é de fazer coçar a cabeça. Até a terceira temporada, a série que acompanha o psicopata Joe Goldberg (Penn Badgley) eleger, perseguir, conquistar e descartar suas vítimas funcionou maravilhosamente, mas a quinta – e última – é apenas a repetição das fórmulas que não apenas não surpreendem, como nos preparam para o que vai acontecer, com pouquíssimas – e forçadas – “surpresas”.

A narração em off tenebrosa e irônica de Badgley é ainda o maior segredo da série: ele consegue tirar leite de pedra, traz sutileza à sua interpretação e é apavorante como todos insistem em subestimar um assassino tão violento e perigoso como Joe, o que é o ponto principal da série. N mais, para causar mudanças, mortos sobrevivem ao impossível e o drama se estica por longos 10 episódios. O problema é que, como as vítimas de Joe, começamos obcecadas por vê-lo pagar pelo que fez e ainda rimos quando se safa da Justiça. Até quando?
Inacreditavelmente depois de deixar rastros de sangue e suspeitas em Nova York, Los Angeles e Londres, Joe volta à Manhattan rico, famoso e criando o filho que abandonou agora que está casado com a herdeira corporativa Kate (Charlotte Richie). Tudo está bem até que não, e a entrada de Bronte (Madeline Brewer) na vida do assassino só confunde as coisas. Caso não tenha assistido às quatro temporadas anteriores, vai perder muitas citações, mas nenhuma faz realmente diferença.
Com temas tão atuais e relevantes, You tinha tudo para ser de igual ou melhor que Dexter, mas se perde em clichês. Penn Badgley segura o quanto pode o papel paradoxal de herói e vilão, mas só consegue chegar até certo ponto. E assim, nos despedimos com aquela sensação de que ficou tempo demais no ar…
Desde que You estreou, em 2018, a série conquistou uma legião de fãs fascinados — e assustados — pela mente obsessiva de Joe Goldberg. O que muitos talvez não saibam é que a história nasceu nas páginas dos livros da escritora Caroline Kepnes, que, com uma escrita ácida e perspicaz, nos apresentou esse protagonista tão carismático quanto perturbador.

O primeiro livro, Você (You, 2014), acompanha Joe como gerente de livraria em Nova York, onde se apaixona (ou se obsedia) por Beck, uma aspirante a escritora. Já Corpos Ocultos (Hidden Bodies, 2016), o segundo volume, segue Joe até Los Angeles, em busca de um novo começo e, claro, de um novo amor. Em Você Me Ama (You Love Me, 2021), ele tenta se reinventar mais uma vez em Bainbridge Island, agora interessado por uma bibliotecária chamada Mary Kay DiMarco. E, mais recentemente, For You and You Only (2023) continuou a trilha de sangue e sedução que ele deixa por onde passa.
A série da Netflix, embora inicialmente bastante fiel aos dois primeiros livros, tomou rumos próprios a partir da terceira temporada — o que permitiu que Joe se transformasse não apenas em um stalker, mas em uma metáfora perversa da nossa busca por conexões em tempos digitais. Ao longo das temporadas, You também fez questão de rechear sua narrativa com referências literárias marcantes, de Crime e Castigo a Frankenstein, refletindo as ambições intelectuais e morais de seu protagonista-narrador.

Agora, com a confirmação de que a 5ª temporada será a última, You deu um desfecho ao arco de Joe — um personagem que tentamos entender, justificar ou condenar, mas que sempre nos mantinha assistindo, página a página, cena a cena. O fim de um ciclo, tanto para a adaptação quanto para a jornada interna desse anti-herói moderno que nos obrigou a encarar o lado sombrio do amor, da obsessão e da autoimagem.
Em sua última reviravolta, nos despedimos de Joe com uma narrativa corrigida para chamar atenção para as armadilhas no mundo real para predadores como ele. Alguns, que não tem a mesma queda final.
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