As Estações Mudam, os Laços Também

Quando o filme As Quatro Estações foi lançado em 1981, tinha deixado de brincar de boneca há poucos anos. Pois é, vi o original (sobre o qual falarei em um post à parte para não alongar demais este aqui), mas era nova demais para compreender tudo o que Alan Alda capturou com tanta precisão em uma produção que foi sucesso de crítica e trazia, além dele próprio, as gigantes Carol Burnett e Rita Moreno no elenco. É um conto conhecido: amigos chegando à meia-idade e começando a questionar o que significam felicidade, casamento e recomeços.

Dividindo a história em quatro partes — alinhadas à sinfonia As Quatro Estações, de Antonio Vivaldi —, Alda se inspirou em um episódio pessoal em que julgou um amigo com severidade e depois percebeu que não só estava errado, como também que amizades atravessam suas próprias “estações”. A partir disso, escreveu o roteiro com essa noção de ciclos afetivos e emocionais.

Em 1984, houve uma tentativa de transformar o filme em série, mas eram tempos de primórdios da TV a cabo e muito antes do streaming — e o tipo de tema proposto por As Quatro Estações ainda não encontrava espaço na televisão. Ainda assim, 44 anos depois do original, a história permanece atual e relevante. Foi por isso que Tina Fey, fã declarada do filme, liderou uma nova adaptação, que se tornou um dos destaques da programação de maio na Netflix.

Fey foi sagaz ao manter o formato de série, com oito episódios (dois por estação), cobrindo quase dois anos na vida de seis amigos. Os três casais — Nick (Steve Carell) e Anne (Keri Kenney-Silver), Kate (Fey) e Jack (Will Forte), Danny (Colman Domingo) e Claude (Marco Calvani) — mantêm, há mais de 25 anos, a tradição de viajarem juntos a cada estação do ano. Tudo começa a desandar quando Nick anuncia que vai se separar de Anne, chocando os amigos, que os consideravam o casal mais feliz e apaixonado. A ruptura abala não apenas o grupo, mas o equilíbrio dentro de cada relacionamento.

O tema de casamento, divórcio e conflitos geracionais é atemporal. Mas a série atualiza os dilemas, o humor e as tensões para refletirem os tempos atuais, preservando o equilíbrio que Alan Alda alcançou entre comédia e drama — e mantendo aquele olhar afetuoso para todos os personagens, sem julgamentos. Pode parecer simples, mas não é. Nenhum dos seis é idealizado; todos têm defeitos, mas são falhas coerentes e tratadas com empatia.

Se já é difícil criar química entre casais em cena, imagine entre um grupo inteiro. Ainda assim, As Quatro Estações consegue — e com isso nos envolve rapidamente. Assim como no filme de 1981, cada episódio se passa em uma estação específica, reforçando a ideia de que as relações humanas também vivem seus próprios ciclos: de florescimento, crise, queda e reinvenção.

A participação rápida de Alan Alda — que se aposentou após o diagnóstico de Parkinson, mas atuou aqui também como produtor — é emocionante e reverente. Ele aparece como Don, pai de Anne, oferecendo conselhos melancólicos sobre o tempo e a convivência. Sua presença funciona quase como uma bênção simbólica à nova geração, conectando as duas versões. Aliás, se quisermos imaginar poeticamente, Anne bem que poderia ser filha de Jack, o personagem de Alda no original. As estações passam — para cada geração.

Por tudo isso, o novo As Quatro Estações não é apenas uma homenagem, mas uma expansão do filme original. Reflete um momento cultural de reconstrução — num mundo pós-pandemia, com amizades remendadas e relações reavaliadas —, retomando uma narrativa sobre vínculos afetivos que tentam, com mais ou menos sucesso, resistir às mudanças inevitáveis do tempo. E sem dar spoilers: quando achamos que a história vai para um lado, ela nos surpreende e segue por outro.

Vale muito assistir à série — seja numa maratona só ou aos poucos, saboreando cada estação.



Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

1 comentário Adicione o seu

Deixe um comentário