Costumo brincar que ainda bem que parei de dançar alguns anos de ter visto Alessandra Ferri pela primeira vez, quando ela ainda era praticamente uma adolescente no Royal Ballet de Londres, descoberta por Kenneth McMillan. E ainda bem que estive viva para vê-la desenvolver uma linda carreira, abrindo novos caminhos e eternamente nos encantando com sua perfeição.
Nascida em Milão, em 1963, e desde muito jovem revelou um magnetismo que a colocaria entre as grandes artistas da dança do século 20 e além. Formada na Royal Ballet School de Londres, ela foi rapidamente acolhida pela companhia britânica, onde já se destacava não apenas pela técnica refinada, mas por uma qualidade dramática pouco comum em bailarinas de sua idade. Aos 19 anos, foi promovida a primeira bailarina — um feito que logo atraiu a atenção de ninguém menos que Mikhail Baryshnikov, então diretor artístico do American Ballet Theatre, que a convidou para os Estados Unidos. Ali começaria uma das fases mais emblemáticas de sua trajetória.


No ABT, Ferri consolidou sua reputação como intérprete visceral. Em papéis como Julieta, Manon, Marguerite e Giselle, ela não apenas dançava — ela vivia. Seu corpo era um instrumento de expressão total, moldado por uma técnica de alto rigor, mas sempre a serviço da emoção e da narrativa. A colaboração com coreógrafos como Kenneth MacMillan e Roland Petit reforçou esse traço marcante: Ferri era, acima de tudo, uma atriz da dança, capaz de transmitir com o olhar e os gestos mais sutis toda a ambiguidade de uma personagem. Igualmente é preciso citar sua parceira lendária com outro Deus da dança, o argentino Julio Bocca. Do nível de Fonteyn e Nureyev.
Após décadas de carreira nos maiores palcos do mundo — da Scala de Milão ao Royal Ballet, passando pelo Metropolitan de Nova York — Ferri anunciou sua aposentadoria em 2007. Mas, como tantas vezes aconteceu em sua vida, o tempo não lhe impôs limites. O “retorno” se deu alguns anos depois, em 2013, em colaborações com Wayne McGregor, Martha Clarke e outros criadores contemporâneos que exploraram sua maturidade artística como elemento central da cena. Ferri, aos cinquenta e poucos anos, continuava desafiando estereótipos da dança clássica, não como exceção exótica, mas como um novo paradigma de beleza e intensidade.
Mais do que uma lenda da técnica, Alessandra Ferri se tornou sinônimo de entrega. Seu legado não está apenas em gravações memoráveis ou nos papéis que eternizou, mas na ideia de que a dança é uma arte do presente — e o presente pode ser infinito, se o intérprete souber habitá-lo por inteiro. Com sua presença delicada e feroz, ela provou que o tempo não é inimigo do artista. Ao contrário: pode ser um de seus maiores aliados.
Auguri, Alessandra!
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
