Freud: O homem que escavou a alma moderna

Para os apaixonados ou interessados em Psicanálise, hoje é um dia marcante pois é o dia do aniversário de Sigmund Freud, o pai da ciência da alma. Nasceu em 6 de maio na cidade de Freiberg, então parte do Império Austro-Húngaro (hoje Příbor, na República Tcheca), em uma família judia de classe média, desde cedo ele demonstrou uma inteligência incomum, destacando-se nos estudos e interessando-se particularmente por línguas, literatura e ciências naturais. Aos 17 anos, ingressou na Universidade de Viena para estudar medicina, e ali começou a trilhar o caminho que o levaria a se tornar uma das figuras mais influentes — e controversas — da história da cultura ocidental.

Inicialmente envolvido com pesquisas em neurologia, Freud passou a se interessar pela mente humana de forma mais ampla, especialmente pelos distúrbios que hoje chamamos de psíquicos. A partir de suas observações clínicas e influenciado pelas ideias de Jean-Martin Charcot e Josef Breuer, desenvolveu o método da associação livre e formulou as bases da psicanálise, um campo completamente novo para a época. Seu grande divisor de águas foi a obra A Interpretação dos Sonhos (1899), onde propôs que os sonhos são expressões do inconsciente e introduziu conceitos como o recalque, o complexo de Édipo e os mecanismos de defesa. Para Freud, o inconsciente não era apenas um depósito de memórias esquecidas, mas uma instância ativa, poderosa e cheia de conflitos, muitas vezes de natureza sexual.

No entanto, sua teoria não surgiu sem resistências — tanto fora quanto dentro do círculo psicanalítico. As ideias de Freud foram tachadas de escandalosas, reducionistas e até pseudocientíficas por seus críticos. Ainda assim, o movimento psicanalítico cresceu, especialmente após a criação da Sociedade Psicanalítica de Viena em 1908. Internamente, também enfrentou rupturas marcantes, como as de Carl Jung e Alfred Adler, que discordaram de sua ênfase na sexualidade infantil e no inconsciente como instância predominantemente reprimida.

Freud também sofreu pessoalmente: foi um fumante compulsivo por toda a vida e, a partir da década de 1920, enfrentou um câncer de mandíbula que o levou a mais de 30 cirurgias e a um sofrimento físico intenso. Além disso, sendo judeu em uma Europa cada vez mais tomada pelo antissemitismo, viu sua vida ameaçada pela ascensão do nazismo. Em 1938, com a anexação da Áustria pela Alemanha de Hitler, Freud foi forçado a deixar Viena e se exilou em Londres, onde morreria no ano seguinte, aos 83 anos, depois de pedir a seu médico que encerrasse sua vida com uma dose letal de morfina — um último gesto de controle diante do sofrimento.

O legado de Freud é imenso, ainda que controverso. Se, por um lado, muitas de suas teorias foram superadas, criticadas ou revistas até dentro da própria psicanálise contemporânea, por outro, sua influência se espalhou muito além da medicina ou da psicologia: alcançou a filosofia, a crítica literária, o cinema, a arte e até mesmo a cultura pop. Foi ele quem nos ensinou a pensar que há algo por trás da fala, que o eu não é senhor de sua própria casa, que o desejo não é transparente — ideias que hoje parecem naturais, mas que em sua época eram profundamente subversivas.

No cinema, Freud também se tornou figura simbólica e personagem literal. Um dos filmes mais marcantes sobre ele é Freud: Além da Alma (1962), dirigido por John Huston, com Montgomery Clift no papel principal, que dramatiza o início da psicanálise e sua ruptura com Breuer. Ele aparece também como personagem em obras mais leves ou fantasiosas, como Freud Além da Imaginação (2020), uma série austríaca que mistura ficção policial com traços da psicanálise, e até em Meia-Noite em Paris (2011), de Woody Allen, onde sua figura paira como uma das muitas influências intelectuais da Belle Époque. Em O Método Perigoso (2011), de David Cronenberg, é retratado por Viggo Mortensen em meio ao conflito com Jung, revelando as tensões filosóficas e pessoais que marcaram seu círculo. Sua presença no cinema reflete, mais uma vez, como Freud ultrapassou as fronteiras de sua disciplina para tornar-se ícone cultural.

Mesmo hoje, Freud continua despertando fascínio e rejeição em igual medida. Estudar sua obra é entrar em contato não só com a história da psicologia, mas com a forma como o século 20 — e nós, herdeiros dele — aprendeu a pensar sobre si mesmo. No fundo, Freud nos ensinou a desconfiar das certezas, inclusive (ou principalmente) das nossas próprias. Seu legado, portanto, não está apenas em suas teorias, mas no impulso de investigar, cavar, simbolizar — e duvidar.


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