Em uma galáxia onde heróis costumam ser relutantes, mártires ou idealistas, Luthen Rael surge como uma exceção brutal: um homem que escolheu conscientemente sacrificar tudo — inclusive sua alma — para construir algo maior do que ele.
Interpretado com maestria por Stellan Skarsgård, Luthen é o motor invisível por trás do nascimento da Aliança Rebelde, um conspirador elegante, frio, meticuloso e implacável. Ao contrário de figuras como Cassian Andor, Leia Organa ou até mesmo Mon Mothma, que lidam com dilemas morais e conexões afetivas, Luthen opera no subterrâneo da revolução. É um herói detestável — e detestado. Mas a rebelião deve tudo a ele.

Um novo arquétipo em uma galáxia antiga
Desde seus primeiros filmes, Star Wars se construiu sobre arquétipos universais: o jovem escolhido, o sábio mentor, o cavaleiro nobre e os vilões grandiosos. Mas em Andor, surge uma figura que desafia todas essas categorias, talvez o personagem mais eticamente complexo já apresentado na franquia: Luthen Rael.
Luthen não é apenas um mentor ou conspirador. Ele é um arquiteto da rebelião que sacrifica a própria alma para garantir que outros possam um dia caminhar livres sob o sol. E o faz em silêncio, desprezado, isolado, como um mártir cínico que não acredita em salvação pessoal, apenas em resultados.
O homem por trás do disfarce
Luthen Rael vive entre dois mundos: é o antiquário elegante de Coruscant, vestindo pelucas, joias e sorrisos irônicos para a elite imperial — e, ao mesmo tempo, o maestro oculto de uma rede de sabotadores, espiões e mártires. Ele orquestra mortes, manipula aliados, acende revoltas — e, em nenhum momento, hesita. Essa duplicidade se torna ainda mais palpável graças à interpretação de Skarsgård, que literalmente veste dois personagens em um: o sofisticado vendedor de artefatos e o revolucionário endurecido.
Veremos que Luthen, que assumiu a nova identidade depois de ter sido um sargento no Império e se revoltado com o que viu e teve que fazer. Frio, calculista, paranoico, ele usa e descarta as pessoas e tudo isso por um único motivo: ele sabe o que está em jogo. Sabe que uma rebelião feita de boas intenções está fadada ao fracasso. É ele quem antecipa o que os demais só entenderão tarde demais. É ele quem vê o Império por dentro e percebe que só a sujeira pode derrotar a sujeira.

Em sua atuação, Skarsgård não interpreta um vilão — mas um homem que abandonou qualquer desejo de ser amado. Seu rosto não busca compaixão. Sua voz não suplica compreensão. Ele não quer ser salvo. E o que o torna devastador é que ele tem razão.
O ator revelou que aceitou o papel por confiar no criador Tony Gilroy. O ator sueco ficou fascinado pelo fato de Luthen ser um personagem com um “conflito entre fazer o certo e estar disposto a matar por isso”. Para ele, Luthen remete a figuras ambíguas como Che Guevara, membros da RAF (Rote Armee Fraktion) e até mesmo George Washington. A grandeza do personagem está exatamente nessa tensão moral.
Um revolucionário sem rosto nem perdão
Diferente de Cassian Andor, que ainda trilha seu caminho de consciência, Luthen já cruzou todos os limites. Não há pureza em sua causa, tampouco consolo. Ele está disposto a tudo — inclusive sacrificar centenas de aliados para preservar um espião infiltrado. Ele manipula Saw Gerrera, usa Mon Mothma, recruta Cassian sob ameaça de morte e envia jovens idealistas como Karis Nemik para a morte com frieza calculada.
Luthen não busca glória. Ele não se vê como herói e tudo que nasce da semente que plantou e regou com sangue trouxe a liberdade às pessoas.

“Queimei minha vida por um nascer do sol que nunca verei”
O momento mais icônico da primeira temporada de Andor — e um dos grandes momentos de toda a saga Star Wars — é o monólogo de Luthen no episódio 10. Quando Luthen é confrontado sobre o que ele sacrificou pela causa ele responde.
“Eu queimei minha vida por um nascer do sol que sei que nunca verei. Eu fiz minha mente ser um solitário espaço de ódio. Eu condeno meu coração ao frio. Eu compartilho meus sonhos com fantasmas.”
É Shakespeare dentro de Star Wars.
Esse discurso não é apenas uma confissão — é uma autópsia em tempo real. Luthen se desfaz ali diante de nós. Ele sabe que jamais será lembrado, jamais será redimido, e que o mundo pelo qual luta não terá espaço para alguém como ele. Mas luta assim mesmo.

Skarsgård contou em entrevista que repetiu esse monólogo dez vezes seguidas até atingir a tensão que buscava. “Vamos de novo”, dizia ao diretor. Ele sabia que era o momento mais importante de toda a temporada, e a entrega foi total. O resultado é uma cena que ressoa como um epitáfio antecipado — não apenas de Luthen, mas de todos os que morrem antes da vitória.
Kleya: cúmplice, herdeira ou carcereira?
Ao lado de Luthen, quase sempre nas sombras, está Kleya Marki — sua assistente na galeria de antiguidades e, como descobrimos aos poucos, sua verdadeira aliada e possível sucessora. Kleya é enigmática, fria, impiedosa. Mas há algo de íntimo e inquietante na relação entre os dois. Ela não o teme, mas também não o desafia. Parece conhecê-lo melhor do que ninguém. Isso porque, quando órfã, foi encontrada e salva por Luthen, e depois treinada por ele para alcançarem o objetivo comum de destruir o Império.

Em cenas reveladoras dos episódios finais de Andor, Kleya age com mais autoridade do que se esperaria de uma subordinada. Ela cuida da logística, executa planos, dá ordens até para Luthen. A série sugere que ela pode ser tanto sua protegida quanto sua carcereira — a única pessoa que, no fundo, sabe o quanto ele já se perdeu e o mantém funcionando como uma máquina. Quando Cassian entra na órbita de Luthen, é Kleya quem determina os próximos passos. Eles formam uma aliança que beira o fanatismo mútuo.
Um herói detestável, um símbolo necessário
Luthen é o tipo de personagem que jamais veríamos nos filmes clássicos da franquia. Em um universo onde o bem e o mal costumavam ser claramente definidos, ele surge como uma mancha, um erro necessário. É por isso que Andor é tão revolucionária: ela coloca no centro da trama não os cavaleiros ou os escolhidos, mas os que operam no lodo, os que constroem pontes que jamais atravessarão.
Luthen é odiado. Pela elite rebelde, por aliados que não o conhecem, por espiões que ele manipula como peças descartáveis. Ele é frio, calculista, paranoico. E tudo isso por um único motivo: ele sabe o que está em jogo. Sabe que uma rebelião feita de boas intenções está fadada ao fracasso. É ele quem antecipa o que os demais só entenderão tarde demais. É ele quem vê o Império por dentro e percebe que só a sujeira pode derrotar a sujeira.
Em sua atuação, Skarsgård não interpreta um vilão — mas um homem que abandonou qualquer desejo de ser amado. Seu rosto não busca compaixão. Sua voz não suplica compreensão. Ele não quer ser salvo. E o que o torna devastador é que ele tem razão.
“Não temos luxos. Não temos o luxo de pureza. De consciência. Temos que usar as ferramentas do inimigo para vencê-lo.”

O brilho sombrio de Skarsgård
Stellan Skarsgård, aos 72 anos, já havia brilhado em grandes franquias como Thor e Duna, mas é em Andor que ele entrega talvez sua performance mais densa. Seu Luthen não grita, não esbraveja. Ele pesa. Cada palavra sua tem o peso de uma escolha impossível. Cada gesto é contido, ferido, preciso.
A série construiu sets reais, como a cidade de Ferrix, e deu a Skarsgård até mesmo sua própria nave — “Faltava isso na minha carreira”, brincou ele. Mas nada brilha mais do que sua entrega emocional. Ele interpreta Luthen como um homem que já morreu, mas continua andando porque ninguém mais pode fazer o que ele faz.
Esquecimento ou redenção?
Com a conclusão da segunda temporada de Andor, vemos o grande sacrifício de Luthen, o ex-sargento do Império que se voltou contra Palpatine. Por ter feito o trabalho sujo da rebelião, não há menções, nem homenagens à ele. Mas talvez essa seja a maior fidelidade da série ao próprio personagem: permitir que ele desapareça, como queria, sem rastros, como uma sombra no porão da história.
Se Rogue One é o capítulo em que Cassian Andor se torna herói, Andor é a história de como Luthen moldou esse caminho. É ele quem encontra Cassian, quem desperta sua consciência, quem o desafia a deixar de sobreviver para começar a lutar. A rebelião não nasce de um ideal coletivo — ela nasce da mente de um homem sozinho, que age sem esperança, mas com propósito.

A maior ironia de Luthen é que ele talvez não seja lembrado. Ele é o fantasma que a rebelião finge que não existiu — mas sem o qual ela jamais teria nascido. Seu heroísmo é silencioso. Sujo. Necessário. E, acima de tudo, trágico.
Ele não verá o nascer do sol. Mas todos os outros só o verão porque ele escolheu queimar.
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