A missão musical: a história do tema de Missão: Impossível

Antes mesmo de Tom Cruise correr por telhados, saltar de aviões ou escalar arranha-céus, Missão: Impossível já era um fenômeno — e boa parte desse impacto vinha de sua música. O tema composto por Lalo Schifrin, em 1966, não é apenas um dos mais icônicos da TV e do cinema. É uma peça que redefiniu o som da espionagem pop, desafiou padrões rítmicos e se tornou um hino instantâneo de tensão, inteligência e ação. A música de Missão: Impossível não soa apenas como suspense: ela soa como uma máquina funcionando, como engrenagens mentais girando com precisão.

Lalo Schifrin e a missão de criar o impossível

Nascido em Buenos Aires, o maestro e pianista Lalo Schifrin já era conhecido nos círculos do jazz e da música de cinema quando foi convidado por Bruce Geller, criador da série Mission: Impossible, a compor a trilha sonora. O briefing era claro: queriam algo moderno, marcante e diferente de qualquer tema de espionagem anterior. O universo da série era high-tech para a época, com espiões especialistas em disfarce, operações precisas e enredos quase matemáticos. A música precisava refletir esse espírito.

Schifrin respondeu com uma peça em compasso 5/4 — uma ousadia estrutural, especialmente na TV. O compasso ímpar gera um efeito de leve desequilíbrio, como se algo estivesse sempre um passo à frente do ouvinte. “Usei o 5/4 porque queria um ritmo que sugerisse algo fora do comum, algo que não se resolvesse de forma previsível”, explicou Schifrin em entrevistas posteriores. O tema principal se alterna entre frases em 5/4 e passagens em 6/8, com acordes dissonantes e uma orquestração que une metais explosivos, bongôs, linhas de baixo sincopadas e pausas dramáticas. Em suma: é música de espião com cérebro.

Schifrin também compôs diversas peças incidentais para a série, muitas delas derivadas ou fragmentadas do tema principal, o que criou uma coerência sonora inovadora para a televisão da época. Não era apenas uma vinheta de abertura, mas uma linguagem musical própria para o universo da IMF (Impossible Missions Force).

Reconhecimento e legado

O tema foi indicado ao Grammy e ao Emmy, e imediatamente entrou para o panteão das trilhas mais reconhecíveis da cultura pop, ao lado de The Twilight Zone, James Bond e Batman. A abertura da série, com os rostos dos agentes intercalados a cenas de ação enquanto a música tocava, criou uma estética que seria copiada por décadas.

A assinatura sonora de Schifrin foi tão forte que resistiu à passagem do tempo e ao renascimento da franquia no cinema. Mesmo com novas trilhas compostas a cada filme, o tema original nunca foi abandonado — apenas reinterpretado. Isso faz dele não apenas um sucesso, mas um caso raro de longevidade musical em Hollywood.

A reinvenção nos cinemas: Cruise, ação e remix

Quando Tom Cruise e o diretor Brian De Palma lançaram Missão: Impossível nos cinemas, em 1996, havia uma missão dupla: modernizar a franquia e respeitar o legado. A trilha sonora ficou a cargo de Danny Elfman, conhecido por suas parcerias com Tim Burton, mas o estúdio sabia que o público esperava ouvir os famosos acordes. A solução foi recrutar dois membros da maior banda da época para uma versão paralela: Larry Mullen Jr. e Adam Clayton, do U2.

A versão de 1996 modernizou o tema com batidas eletrônicas, loops, sintetizadores e baixo marcante, criando um remix dançante que se tornou um sucesso por si só. Lançada como single, a música alcançou o topo das paradas em diversos países e foi acompanhada de um videoclipe estilizado que mesclava imagens do filme a uma performance minimalista dos músicos. Para uma nova geração que não conhecia a série dos anos 60, o tema agora soava como algo fresco, moderno e cool — e, ainda assim, era fiel à melodia de Schifrin.

A evolução nas trilhas sonoras: de Zimmer a Balfe

Cada filme da franquia teve um novo compositor e, com ele, uma nova abordagem para o tema. No geral, os músicos mantiveram a melodia principal intacta, mas variaram no arranjo, nas texturas e na instrumentação.

  • Missão: Impossível II (2000) teve a trilha assinada por Hans Zimmer, que deu ao tema uma pegada mais roqueira, com guitarras distorcidas, percussão pesada e uma levada quase tribal em alguns momentos. Zimmer também compôs faixas originais com vocalizações dramáticas, refletindo a estética exagerada do filme dirigido por John Woo.
  • Missão: Impossível III (2006) marcou o retorno ao estilo mais orquestral com Michael Giacchino, que reverenciou Schifrin com arranjos mais próximos do original, mas modernizados. Giacchino também compôs temas emotivos associados à vida pessoal de Ethan Hunt, algo que começava a ganhar mais destaque na narrativa.
  • Em Protocolo Fantasma (2011), Giacchino retornou e trouxe mais ação rítmica, especialmente nas sequências em Dubai e no Kremlin, com o tema de Schifrin fragmentado em pedaços quase percussivos, pontuando cenas com energia.
  • Missão: Impossível – Nação Secreta (2015) e Efeito Fallout (2018) trouxeram Joe Kraemer e depois Lorne Balfe para a batuta. Balfe, discípulo de Zimmer, levou o tema a um nível de sofisticação sinfônica, com elementos corais, batidas graves e uma intensidade que espelha o crescimento épico da franquia.
  • Em Dead Reckoning – Parte Um (2023), Balfe expandiu ainda mais o tema com variações em piano, sequências de tensão crescentes e inserções eletrônicas discretas, preparando o terreno para uma conclusão emocional e grandiosa (que, ironicamente, ainda não veio, devido ao adiamento da Parte Dois).

Por que ainda funciona?

O segredo da longevidade do tema está em sua elasticidade melódica e rítmica. A melodia principal é simples, mas sofisticada; a estrutura é memorável; e o ritmo em 5/4 continua desafiando o ouvinte. Ele pode ser orquestrado, remixado, desconstruído ou apenas insinuado — e ainda assim reconhecido em segundos.

Além disso, o tema de Missão: Impossível representa algo raro: uma identidade sonora instantânea. Enquanto outras franquias trocam trilhas, estilos e tons a cada década, Missão: Impossível se ancora em um som que serve como sua assinatura. A cada novo filme, a expectativa de ouvir a batida familiar é parte do ritual — como o acender do pavio na abertura, ou a contagem regressiva da fita que vai se autodestruir.

Missão cumprida

Em mais de cinco décadas, o tema de Lalo Schifrin atravessou gerações, estilos e formatos sem perder sua relevância. É estudado em cursos de música, remixado em raves, citado em comédias, e ainda emociona plateias no cinema. Ele é, ao mesmo tempo, um artefato da Guerra Fria e um símbolo do entretenimento moderno.

Se a franquia continuar além de Tom Cruise, é incerto quem assumirá a liderança da IMF. Mas uma coisa é certa: a missão musical está garantida. Porque basta uma nota — e todos já sabem que a ação vai começar.


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