Não me incluo entre os fãs de Fantasia, mas ainda assim venho assistindo a muitos conteúdos do gênero nos últimos anos, apreciando e até torcendo por eles. Igualmente, sci-fi nunca foi minha praia, mas me vi engatando com conteúdos dessa área. Talvez pelo meu ceticismo, ou pela experiência, percebi que o aparente boom de títulos — mesmo os bem-sucedidos — estava ameaçado quando o mundo “voltou ao normal”. Histórias apocalípticas ou enigmáticas começaram a esbarrar com a equação mais realista do entretenimento: o custo alto de fazer um mundo diferente não é visto como investimento recomendável para estúdios ou plataformas. O que quero dizer? Para ser cancelada, não importa se faz sucesso: se é caro, acaba.



O caso emblemático de A Roda do Tempo
O anúncio do cancelamento de A Roda do Tempo, um dos maiores investimentos em conteúdo original da Amazon Prime Video, pegou os fãs de surpresa. A temporada mais recente — com efeitos especiais elaborados — foi considerada uma excelente adaptação dos livros, e a história ainda estava longe de sua conclusão. Há muitos corações partidos por aí. É como se, aludindo à trama, as poderosas Aes Sedai tivessem perdido a guerra para os Shai’tan, os Tenebrosos, sem conseguir decifrar corretamente os sinais e as profecias.
Lançada em 2021 com um orçamento estimado em mais de 80 milhões de dólares apenas para a primeira temporada, The Wheel of Time (título original) prometia ser a resposta da Amazon ao sucesso estrondoso de Game of Thrones. Baseada na extensa série de livros de Robert Jordan, que conta com 14 volumes principais, a série precisava de fôlego e de muitas temporadas para fazer jus à complexidade do universo. Mas esse fôlego custava caro. Demais.
Um cenário complexo e indecifrável
Falei aqui no Blog, mais de uma vez, minha percepção de que o custo de produção de A Roda do Tempo, alinhado a uma história tão complexa e rasa ao mesmo tempo (desculpem os fãs!), faria difícil sua sobrevivência no momento atual. Não é por ter bola de cristal ou habilidade visionária — é só acompanhar com distanciamento mesmo.

Há cinco anos, o que parece que foi ontem, o mundo estava na encruzilhada de entrar em uma nova década marcada por redes sociais em alta, novos hábitos e etiquetas digitais — tudo alterando a forma como consumimos conteúdo. A pandemia de COVID-19 bagunçou ainda mais esse processo, isolando as pessoas, trazendo incertezas e termos paradoxais como “nova realidade” ou “novo normal”, tudo isso num momento em que a tecnologia já dominava nossas vidas.
Sem Zooms, redes sociais, aplicativos e outros meios digitais, o isolamento social teria sido ainda pior. Com a impossibilidade de circular, Hollywood “descobriu” que se todos os estúdios passassem a operar como a Netflix, poderiam ganhar dinheiro com menos risco. O streaming virou o novo eldorado, e em tempo recorde vimos fusões bilionárias (como WarnerMedia e Discovery), demissões em massa e canais lineares sendo atropelados pelas plataformas digitais. Até o cinema foi ameaçado, com alguns profetas anunciando o fim das telas grandes.
Mas, em apenas cinco anos, metade dessas previsões não se concretizou. O “novo normal” revelou-se apenas um reajuste temporário do “antigo normal”: o mundo é presencial, as pessoas não têm dinheiro para pagar por cinco assinaturas simultâneas, e produções caras, com retorno incerto, já não fecham mais a conta.



A fantasia está em baixa — e não está sozinha
Diante disso, vi o gênero que eu amo — dramas históricos — também em alta nos anos 2020s, serem sumariamente interrompidos, muitas vezes longe da conclusão de suas histórias. The Great, Becoming Elizabeth, The Serpent Queen… todas canceladas. Em seguida vieram as de sci-fi, sendo a curiosa e estranha Raised by Wolves uma das maiores vítimas. Nem mesmo a Marvel seguiu firme nos spinoffs de seus super-heróis. Star Wars anunciou The Acolyte com alarde, mas não avançou para uma segunda temporada.
Como acreditar que A Roda do Tempo chegaria à quarta temporada?


Tenho uma opinião diferente da Amazon Prime Video: teria cortado a problemática Anéis de Poder, uma vez que seu custo é o triplo e alcançou menos da metade do sucesso. Mas não tenho acesso aos números verdadeiros — é palpite de observadora externa mesmo. O fato é que há um nicho arrasado com o fim da série, deixando A Roda do Tempo no meio do conflito, sem resolução.
O streaming não morreu, mas está se adaptando
Sabemos que não houve exatamente “erros”, e é isso que nos deixa intrigados e inseguros. O pico do streaming foi curto e já acabou. O que vem pela frente?
O mercado está mudando. A era da expansão sem freios acabou. Segundo dados da Ampere Analysis, o crescimento global de assinantes de streaming desacelerou em 2024, especialmente na América do Norte e Europa. Plataformas como Disney+ e Netflix já falam abertamente sobre “otimização de portfólio” — leia-se: menos apostas ousadas, mais segurança de retorno.


Nesse contexto, considero o adiamento de Um Cavaleiro dos Sete Reinos preocupante, e a recepção morna de House of the Dragon em comparação à Game of Thrones, outro sinal amarelo. O custo de HOTD — que demanda CGI constante para os dragões — tornou-se um desafio até mesmo para a HBO Max. Eu — de novo ousando me colocar como especialista — teria contado tudo em três temporadas. Mas pelo que estamos vendo, será necessário chegar à quarta para encerrar o drama. Será que os Targaryen sobrevivem ao “dracarys” administrativo? Sem o apoio moral (e criativo) de George R. R. Martin, parece ainda mais incerto.
Duna e a miragem de um futuro sci-fi
Nem falo de Duna ou Duna: A Profecia, que também estão em cenário “árido”, como sua história. A série de TV terá uma segunda temporada, mas, a meu ver, será sua última. Já a trilogia do cinema está garantida, mas tampouco deve continuar após o terceiro longa.
A Duna de Denis Villeneuve é uma rara exceção que confirmou a regra: teve aclamação da crítica, bilheteria expressiva e uma equipe criativa de elite. Mas mesmo assim, o investimento é alto, e a Warner já sinalizou que não pretende estender indefinidamente a franquia.


O que é bom e barato, afinal?
A pergunta que fica é: o que é bom e barato, que possa nos encantar? Não é surpresa que true crime siga firme e forte. Sangue e injustiça nunca falham — e custam barato. Séries documentais como Making a Murderer, The Staircase, ou mesmo produções nacionais como Elize Matsunaga: Era uma Vez um Crime, mostram que o público continua sedento por histórias reais, com tensão dramática e impacto emocional — e que custam uma fração do que custa criar um mundo de dragões, magos ou planetas distantes.
Plataformas como Netflix e HBO Max já entenderam o recado. O futuro imediato não será construído com espadas élficas nem tronos de ferro, mas com histórias menores, intensas e — sobretudo — mais baratas.
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