Difícil escutar Damien Rice sem sentir o mundo desacelerar. Carinhosamente o apelidei de “o homem mais feliz do mundo” (só que não, claro).
O cantor e compositor irlandês virou sinônimo de intensidade emocional desde que surgiu no cenário musical internacional, no início dos anos 2000, com canções que soam como confissões sussurradas — cruas, íntimas e muitas vezes dolorosas. Sua voz frágil, quase trêmula, parece vir de um lugar onde não há defesas, apenas a entrega radical ao que quer que esteja doendo. E talvez seja por isso que ele se tornou um artista cultuado, especialmente entre os que enxergam a música como espaço de vulnerabilidade e contemplação.

Damien Rice nasceu em 1973, na pequena cidade de Celbridge, na Irlanda, e começou a carreira em uma banda chamada Juniper, que tinha um estilo mais alternativo e experimental. Frustrado com a direção comercial que o grupo seguia, ele largou tudo e viajou para a Toscana, onde viveu recluso, cultivando vinhedos, tocando em pequenos bares e escrevendo músicas que depois dariam origem ao seu álbum de estreia solo. Foi dessa fase quase ascética que nasceram as joias de O, lançado em 2002 — um disco que chegou tímido, mas se transformou em sucesso mundial.
O grande ponto de virada veio com o uso da faixa The Blower’s Daughter na abertura do filme Closer – Perto Demais (2004), de Mike Nichols. A canção, com seu refrão hipnótico I can’t take my eyes off of you, tornou-se instantaneamente reconhecível e carregou o impacto emocional do longa, que também era uma dança de olhares, silêncios e rupturas amorosas. Foi a porta de entrada para milhões de ouvintes descobrirem o resto do repertório de O — músicas como Cannonball e Delicate entraram em trilhas sonoras, séries de TV e playlists de corações partidos pelo mundo. O disco vendeu mais de dois milhões de cópias e colocou Rice no radar de premiações, como o Shortlist Music Prize, além de render indicações ao BRIT Awards.
Mas a fama nunca pareceu confortável para ele. Conhecido por evitar os holofotes, Rice sempre deu prioridade à honestidade artística. Sua parceria com a cantora Lisa Hannigan — cuja voz etérea contrapontuava a dele de forma sublime — chegou ao fim de forma abrupta e dolorosa, pouco antes do lançamento do segundo álbum, 9 (2006). O disco manteve o tom confessional, mas com arranjos mais sombrios e letras que revelavam feridas abertas: Elephant, Accidental Babies e Rootless Tree são retratos de um artista em fricção com o próprio passado.

Após uma longa pausa, que incluiu trabalhos voluntários com ONGs e viagens pelo mundo, Rice lançou My Favourite Faded Fantasy em 2014, produzido por Rick Rubin. Menos acústico e mais orquestrado, o disco trouxe composições de fôlego, como It Takes a Lot to Know a Man e I Don’t Want to Change You, sem perder a delicadeza nem o senso de melancolia que sempre o definiram. Desde então, ele tem se mantido recluso, realizando turnês esporádicas e participações pontuais, como a gravação da trilha de Songs Inspired by the Film Roma, de Alfonso Cuarón, em 2019.
Em 2025, Damien Rice permanece fiel à sua trajetória avessa ao estrelato. Recentemente, completou uma turnê intimista pela Oceania, com apresentações marcadas pela emoção crua e ausência de pirotecnia. Em um de seus shows na Nova Zelândia, comentou que está em processo de composição e gravação — sem dar prazos ou promessas. E é isso que o mantém tão relevante: enquanto muitos artistas se preocupam em permanecer nas paradas, Rice se preocupa em permanecer verdadeiro. Ele escreve sobre o amor com um senso de fracasso, de arrependimento, de beleza efêmera. Suas letras não são só românticas; são existenciais. E quem escuta, muitas vezes se vê ali — não idealizado, mas despido, real.
Ao lado de outros mestres da dor sutil como Nick Drake, Elliott Smith e Jeff Buckley, Damien Rice ocupa um espaço raro: o de quem não precisa lançar discos com frequência para seguir tocando almas. Enquanto o mundo corre, ele observa. E transforma o silêncio em música. Aqui uma playlist com seus maiores sucessos.
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