Ellie e Abby: Contrastes em The Last Of Us

Não faço parte do grupo de críticos de Bella Ramsey em The Last Of Us porque sempre considerei a desbocada e eterna adolescente Ellie um tanto chata, antes mesmo do jogo chegar às telas da TV.

Ellie Williams sempre teve uma personalidade complexa, marcada por uma mistura de força, vulnerabilidade e um senso de humor ácido.No jogo, ela é uma adolescente que, apesar de ter crescido em um mundo pós-apocalíptico, ainda guarda uma certa ingenuidade e curiosidade sobre o que era o mundo antes do colapso. À medida que a narrativa avança, no entanto, ela se transforma em uma personagem resiliente e independente, sem perder sua essência humana. Sua capacidade de enfrentar adversidades, como os infectados e a perda de pessoas queridas, é uma das suas características mais fortes. Ao longo do tempo, Ellie se torna mais determinada, disposta a proteger aqueles a quem ama e a lutar pela sobrevivência em um ambiente extremamente brutal.

No primeiro jogo, Ellie é uma garota que depende de Joel, mas logo se revela uma parceira forte e capaz de enfrentar desafios com coragem. Em The Last of Us Part II, vemos uma Ellie mais madura, que, marcada por perdas profundas, se vê consumida pela busca por vingança e, eventualmente, por um processo de autoconhecimento. Ainda assim, Ellie é a-do-ra-da pelos fãs do jogo, que tinham grande expectativa para vê-la nas telas.

Desde que a HBO MAX anunciou Bella Ramsey para o papel os céticos se pronunciaram. Há diferenças notáveis entre as duas versões, principalmente em como a personagem é retratada. A enventual docilidade de Ellie, que usa piadas como uma maneira de lidar com a dor e o caos ao seu redor não teve uma tradução equiparada no ar. Bella, que está fazendo um grande sotaque americano, não tem veia cômica e traz uma Ellie mais introspectiva e sensível. Embora ela ainda tenha alguns momentos de irreverência, o sarcasmo de Ellie não é tão proeminente quanto no jogo. Bella interpreta uma Ellie com mais vulnerabilidade emocional, o que reflete o tom dramático e realista da série, que explora de forma mais profunda o trauma que ela carrega. Mas isso vai fazer ainda mais falta à frente.

Até agora, Bella teve alguns escudos importantes, em especial o do carismático Pedro Pascal, que interpretou Joel. Sua morte, esperada por quem conhecia o jogo, foi “antecipada” para o início da temporada para 1) lidar com o Spoiler inevitável e 2) proporcionar a entrada (e temporária saída) de Abby Anderson (Kaitlyn Dever).

Abby é mais do que antagonista de The Last of Us e mesmo que os fãs também tenham reclamado de Dever no papel – a personagem no jogo é musculosa e mais agressiva – ela tem empatia para a virada de jogo que virá na terceira temporada, quando ela passa a ser a protagonista e reverte a narrativa para revisarmos tudo que testemunhamos na segunda temporada com outros olhos.

A série manteve a virada do jogo: Abby é introduzida como a antagonista que busca vingança e mata Joel cruelmente, mas, à medida que a história se desenrola, os jogadores começam a entender a motivação por trás de suas ações, levando-os a questionar sua moralidade.

Revi toda parte de Abby e juro: Kaitlyn Dever vai virar o jogo. SPOILERS! A temporada interrompe justamente quando a vida de Abby está para mudar. Ela está com a cabeça tranquila por ter matado Joel, mas o resto do grupo não. Todos o consideravam um monstro, mas a brutalidade de sua morte foi divisiva para os amigos e Abby vive a consequência disso.

Vemos que ela e Owen estão separados, mas nos flashbacks acompanharemos a jornada inversa de Abby em comparação à Ellie. Abby tinha um pai e um propósito, mas perde tudo quando Joel o mata. Sua juventude foi focada em se preparar para lutar e matar. Em uma missão pessoal de localizar Owen, que está decepcionado com tudo e quer ir para a Califórnia, ela esbarra com os Serafitas e é salva por Lev e sua irmã, em um gesto de generosidade que desarma Abby e muda sua vida.

Lev foi expulso de casa porque sua mãe não o aceita como trans e Abby se sensibliza, desenvolvendo um vínculo de amizade e proteção que provavelmente será um ponto-chave na série também. Lev representa a redenção de Abby, o que a humaniza e oferece uma forma de cura para sua dor.

A terceira temporada deve terminar na mesma cena da segunda, com outra visão. Será na quarta e última que o confronto entre as duas personagens será inevitável. Aí, o ponto crucial é que Ellie, em sua busca incessante por retribuição, pode acabar se tornando a vilã da história. Seu apego ao trauma de Joel, que a define e a consome, a coloca em rota de colisão com uma Abby que, apesar de ter sofrido muito, parece ter alcançado uma clareza emocional. A história de Abby, com seus sacrifícios e escolhas dolorosas, coloca Ellie em uma posição desconfortável. O público, que inicialmente se alinha com Ellie, pode começar a se identificar mais com a jornada de Abby — uma mulher que perdeu tudo e ainda assim tenta proteger o que restou de sua humanidade.

Uma Ellie introvertida não é páreo para uma Abby. Não é por falta de talento de Bella Ramsey, mas, um problema da personagem mesmo. No final, será fascinante ver como a série vai aprofundar esses contrastes. A empatia de Abby, sua disposição para a mudança e sua busca por um recomeço com Lev, contrastam com a postura mais rígida e traumatizada de Ellie. O confronto final entre elas provavelmente será uma das maiores batalhas não só físicas, mas emocionais e ideológicas da série. E, quem sabe, talvez o público se encontre mais ao lado de Abby, que, apesar de sua violência, é uma personagem que representa a possibilidade de mudança, enquanto Ellie, na sua obsessão, pode ser vista como alguém que se perdeu no caminho da vingança.


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