Garbage em Transição: A Luz que Surge em Meio à Escuridão

Garbage passou pelo Brasil há pouco mais de um mês, em um show onde revisitou os sucessos de uma trajetória de 32 anos de estrada. Para fãs, uma apresentação impecável e deliciosa. Curiosamente não aproveitaram a ocasião para apresentar novo material, algo que muitas bandas fazem quando estão trabalhando no álbum novo. Daí minha curiosidade aguçada para saber “o que perdemos”. Bastante, pelo que se percebe na primeira rodada do álbum Let All That We Imagine Be the Light.

A banda americana foi formada em 1993 por Shirley Manson, Butch Vig, Duke Erikson e Steve Marker e se destacou no cenário do rock alternativo ao unir elementos de grunge e eletrônico, criando uma sonoridade única que virou sua assinatura. O álbum de estreia, Garbage (1995), foi recebido com aclamação crítica e rapidamente eles se tornaram emblemáticos. Ao longo dos anos, a banda lançou uma sequência de trabalhos importantes, como Version 2.0 (1998), Beautiful Garbage (2001), Bleed Like Me (2005), Not Your Kind of People (2012), Strange Little Birds (2016) e No Gods No Masters (2021), consolidando seu espaço na música com uma mistura de intensidade sonora e letras que abordam questões pessoais e sociais.

Depois de um hiato de quatro anos, com problemas de saúde da vocalista, em 2025 o Garbage lançou seu oitavo álbum de estúdio, Let All That We Imagine Be the Light, que representa uma mudança em relação ao tom mais crítico e político do álbum anterior. Neste novo trabalho, a banda aposta numa mensagem mais esperançosa e construtiva, buscando transmitir força e positividade em tempos difíceis. Shirley Manson, vocalista e figura central do grupo, revelou que o processo criativo foi profundamente influenciado por sua experiência pessoal, incluindo uma cirurgia de substituição de quadril que a deixou temporariamente debilitada, o que afetou sua escrita e trouxe uma nova perspectiva para as músicas. Gravado em estúdios variados, incluindo o próprio quarto de Manson, o álbum mistura guitarras pesadas, sintetizadores densos e a voz emotiva da cantora, criando faixas como “There’s No Future in Optimism” e “The Day That I Met God”, que exploram temas de resistência, empoderamento e busca por significado.

Let All That We Imagine Be the Light marca uma nova fase na trajetória da banda, trazendo um trabalho que, à primeira audição, pode surpreender pelo contraste com o tom mais esperançoso. A recuperação da cirurgia de quadril de Manson deixa uma marca sensível nas letras, que trazem uma busca por resiliência, cura e renovação. É um trabalho que, apesar do cenário sombrio do mundo contemporâneo, aposta na possibilidade de luz — não como um clichê vazio, mas como um gesto ativo de resistência e reconstrução.

Musicalmente, o álbum caminha por uma variedade de texturas que mesclam guitarras cortantes, sintetizadores atmosféricos e batidas pulsantes, criando um ambiente sonoro que ora remete ao rock alternativo clássico da banda, ora experimenta com eletrônica e atmosferas mais etéreas. Essa diversidade é um ponto forte, pois permite ao ouvinte transitar entre momentos mais intensos e outros quase meditativos, como em “The Day That I Met God”, faixa que se destaca pela combinação de vocais delicados e camadas instrumentais densas.

No entanto, a produção do álbum, apesar de geralmente equilibrada, apresenta algumas escolhas que podem não agradar a todos os fãs mais tradicionais. Em certos momentos, a busca por uma sonoridade mais “clean” e polida parece suavizar a crueza e o impacto emocional que fizeram de Garbage uma banda tão icônica.

Liricamente, o álbum se distancia do tom satírico e crítico que permeou boa parte da discografia anterior, adotando uma linguagem mais direta e reflexiva. É uma jornada interior, onde Manson explora medos, dúvidas e esperanças com uma vulnerabilidade que enriquece o trabalho, ainda que possa soar menos provocativa para quem prefere o sarcasmo e o tom combativo que caracterizavam os trabalhos anteriores.

Assim, é um álbum que dialoga com um momento de transição pessoal e artística, oferecendo um respiro e uma nova perspectiva sem perder a identidade. É um convite para olhar para dentro em meio ao caos externo, uma busca por luz que, embora nem sempre radical, é profundamente sincera e necessária. Para fãs que acompanham a banda desde os anos 90, pode ser um desafio ajustar as expectativas, mas para aqueles dispostos a embarcar nessa nova fase, o álbum oferece recompensas na riqueza de sua sonoridade e na honestidade de seu discurso.


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