Mountainhead: Uma comédia sombria sobre a masculinidade moderna

Embora impossível falar de um sem citar o outro, Mountainhead não é uma continuação espiritual de Succession, tampouco um novo épico televisivo. É um projeto menor, rápido, escrito em poucas semanas por Jesse Armstrong — mas ainda assim contundente, carregado de farpa, sátira e uma espécie de desesperança elegante diante do poder contemporâneo. É como se ele precisasse purgar os últimos resquícios dos Roys para dar lugar aos novos monstros: bilionários da tecnologia, herdeiros do Vale do Silício que falam em “cura do câncer de informação” enquanto lançam ferramentas de deepfake que incendeiam o mundo. Se Succession era sobre o colapso de uma dinastia, Mountainhead é sobre homens que já nasceram pós-colapsados — só que ricos demais para perceber.

Embora não seja uma continuação direta, Mountainhead é uma espécie de primo distópico, condensando em pouco menos de duas horas a mesma energia corrosiva que fez da saga dos Roys um retrato pungente do poder, mas agora deslocada para o território assustar e atual dos bilionários do Vale do Silício decidindo, entre drinques e delírios, o destino do mundo. E deles mesmo, claro. Só que é como estar preso por duas horas com quatro versões menos interessantes de Roman Roy, sem acesso ao trauma que humanizava sua crueldade.

A ação se passa quase toda numa casa de luxo em Utah, onde quatro amigos (ou seriam cúmplices?) se reúnem para um fim de semana de poker e vaidade. O grupo, que forma uma espécie de fraternidade informal chamada “os Brewsters”, é um desfile de arquétipos masculinos do poder moderno: o CEO sociopata Venis (Cory Michael Smith, excelente), que lidera a Traam, uma rede social tóxica no estilo 4chan; Jeff (Ramy Youssef), o inventor ético porém egóico de uma IA supostamente redentora; Randall (Steve Carell), um financista em negação sobre sua própria mortalidade; e Hugo, apelidado de Souper (Jason Schwartzman), o mais “pobre” dos bilionários — com apenas nove dígitos no banco.

A estética é fria e minimalista, refletindo tanto o isolamento físico dos personagens quanto seu narcisismo absoluto. Eles se enxergam como os únicos verdadeiros habitantes do planeta; o restante da humanidade, como diz o próprio Venis, são NPCs — figurantes programáveis num jogo que eles comandam. Tanto pela proposta estética como narrativa, o filme é uma espécie de teatro filmado, e bem que poderia ter sido uma espécie de O Iluminado de bilionários tech mesclado com os elementos dramáticos de Glenglary Glen Cross, de David Mamet. Mas não é.

Armstrong sabe que é impossível fugir das comparações com Succession, e em certos momentos até as acolhe. O desprezo de Venis pela tragédia que provocou lembra Lukas Matsson; Souper, com sua autopiedade bilionária, ecoa Tom Wambsgans dizendo ser “o anão mais alto do mundo”. Mas onde os Roys ainda mantinham laços familiares, mesmo que corroídos, os Brewsters de Mountainhead não têm nem isso: são apenas machos alfa performando amizade enquanto disputam quem tem a maior fortuna — literalmente escrevendo seus patrimônios no peito, como troféus de carne. E depois querendo eliminar um ao outro da forma mais brutal e absurda possível.

A crítica da Variety aponta com precisão o foco de Armstrong: não uma análise estrutural do poder, como fazia em Succession, mas uma exposição do vazio emocional e moral desses homens “quebrados por dentro”, que buscam imortalidade digital, negam a morte com transumanismo e fogem de qualquer responsabilização — como Venis ao minimizar sua criação catastrófica com um tweet de “fuuck” com duas letras U. É uma farsa, uma sátira que beira o grotesco, e por isso mesmo funciona: o riso vem antes da empatia, a denúncia antes da tentativa de explicar.

O filme se permite absurdos e alegorias (como a festa orgiástica de Hester, a namorada ausente de Jeff) sem perder a mira no seu alvo: o niilismo de uma elite que se acredita transcendental. Não há tempo, nem intenção, de aprofundar relações ou construir arcos emocionais. E Armstrong parece ciente disso: faz de Mountainhead um filme autoconsciente de seus limites, mas também de sua acidez. A crítica social está toda ali — nas piadas, nos silêncios, nos jargões desumanizados de quem trata genocídio como efeito colateral de inovação.

Se não alcança o impacto emocional de Succession, Mountainhead ainda assim é preciso no retrato do poder pós-moderno: solitário, risível, grotesco — e, talvez por isso, invencível.


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