Quando uma criança desaparece: histórias que pararam o mundo

Histórias de desaparecimento de crianças causam mais do que comoção — elas abrem uma ferida ancestral, um trauma que perpassa culturas, épocas e geografias. Não é apenas sobre segurança pública ou justiça: é sobre aquilo que mais tememos perder — a inocência, a continuidade, a ideia de futuro.

Por que essas histórias nos tocam tanto?

Do ponto de vista psicológico, o desaparecimento de uma criança não representa apenas a perda de uma vida — ele aciona gatilhos ancestrais. A figura da criança simboliza a pureza, o futuro, a continuidade. Quando uma criança desaparece, não é só o indivíduo que se perde: é o elo com a esperança coletiva que se rompe.

Freud associaria esse pavor ao trauma primitivo da perda e do desamparo, enquanto Jung talvez o enxergasse como o arquétipo da “criança divina” sendo violado, algo que desequilibra a ordem psíquica. Para os adultos, esse medo atinge em cheio o instinto protetor. Para a sociedade, abre feridas culturais — como a impotência diante do mal e o questionamento da eficácia das instituições.

A comoção, a repetição midiática, a obsessão por pistas ou teorias refletem, em parte, a tentativa desesperada de restaurar algum controle. Como se encontrar o paradeiro da criança fosse restaurar também a fé na ordem do mundo.

A infância como símbolo: o que está em jogo quando uma criança some?

Poucas tragédias humanas provocam tamanha comoção quanto o desaparecimento de uma criança. Entre o medo coletivo, o impulso de proteção e o fascínio sombrio do mistério, casos emblemáticos atravessam séculos — dos príncipes medievais na Torre de Londres ao rosto de Madeleine McCann projetado em painéis de aeroportos. Não é só uma vida que se perde ou silencia: é a ilusão de segurança que desmorona.

Essa comoção, embora pareça moderna, remonta à história mais profunda da construção do poder, da realeza, da identidade familiar — e mais tarde, da mídia e da opinião pública.

Os príncipes na torre: o desaparecimento que moldou a Inglaterra

Em 1483, os jovens príncipes Edward V, de 12 anos, e seu irmão mais novo, Richard, Duque de York, de 9 anos, filhos do falecido rei Edward IV, foram levados à Torre de Londres supostamente para proteção e preparação da coroação de Edward como rei. No entanto, o que se seguiu foi um golpe político.

Seu tio, Richard, Duque de Gloucester, inicialmente nomeado como Lorde Protetor, declarou posteriormente que o casamento de Edward IV era inválido e que seus filhos eram ilegítimos. Com essa alegação, Richard assumiu o trono como Richard III. Pouco depois disso, os dois meninos desapareceram da Torre. Nunca mais foram vistos publicamente.

Na época, rumores se espalharam de que os príncipes haviam sido assassinados para garantir a permanência de Richard III no poder. Diversas teorias foram levantadas ao longo dos séculos: que eles foram mortos por ordem de Richard, por outros rivais como Henry Tudor (que se tornaria Henry VII), ou mesmo que um deles sobreviveu em segredo.

Em 1674, durante reformas na Torre de Londres, foram encontrados os restos mortais de duas crianças escondidos sob uma escada. O rei Charles II ordenou que fossem enterrados na Abadia de Westminster como sendo dos príncipes, mas nunca foi feita uma análise conclusiva — e até hoje não se sabe ao certo quem eram. A possibilidade de testes de DNA modernos permanece controversa, em parte por envolver sepulturas reais.

O desaparecimento dos príncipes é central na lenda obscura de Richard III, cuja imagem foi fortemente influenciada pela peça homônima de Shakespeare, escrita cerca de 100 anos após os eventos, que o retrata como um vilão ambicioso e assassino.

O caso dos Príncipes na Torre continua a fascinar o público por seu enredo de poder, inocência perdida e mistério sem solução. É frequentemente citado como um dos primeiros e mais famosos desaparecimentos infantis da história registrada, com grande repercussão política e cultural que ecoa até os dias de hoje. Um mistério nunca foi solucionado em 542 anos.

O “crime do século”: o sequestro do bebê Lindbergh

Quase 450 anos depois, outro caso abalaria o mundo: o sequestro e assassinato do bebê de Charles Lindbergh, o herói da aviação americana.

Em 1º de março de 1932, Charles Augustus Lindbergh Jr., filho do famoso aviador, foi sequestrado de seu berço e logo viraria notícia mundial. O bebê tinha apenas 20 meses quando desapareceu de seu quarto na casa da família em Hopewell, Nova Jersey.

Naquela noite, a babá encontrou uma escada apoiada na janela do quarto do bebê, que estava trancada por dentro. A criança havia sumido, e ao lado da janela, um bilhete exigindo um resgate em troca da vida da criança.

A notícia causou uma comoção global. Charles Lindbergh era uma celebridade por ter realizado o primeiro voo solo transatlântico sem escalas, e o desaparecimento do filho mexeu profundamente com a opinião pública, trazendo à tona o medo coletivo com o crime contra crianças.

Durante meses, os pais seguiram todas as instruções dos sequestradores, que pediam uma quantia de 50 mil dólares em resgate — uma fortuna na época. No entanto, em maio de 1932, o corpo da criança foi encontrado enterrado a poucos quilômetros da casa, indicando que ele já havia morrido antes do pagamento do resgate.

As investigações se concentraram em Bruno Richard Hauptmann, um imigrante alemão que foi preso em 1934. Ele foi acusado de sequestrar o bebê e matar Charles Jr. Hauptmann negou as acusações, mas evidências como dinheiro do resgate encontrado em sua posse e marcas nas tábuas da escada usada no sequestro levaram a um julgamento altamente midiático.

O julgamento, transmitido para todo o país, foi uma das primeiras coberturas criminais em massa na história da mídia americana, influenciando a percepção pública do caso. Hauptmann foi condenado à morte em 1935 e executado na cadeira elétrica em 1936.

No entanto, o caso deixou muitas dúvidas e teorias da conspiração ao longo das décadas — questionamentos sobre a real culpa de Hauptmann, possíveis cúmplices e até acusações de manipulação midiática. O caso também resultou na criação da “Lei Lindbergh”, que endureceu as penas para crimes de sequestro nos EUA.

Quando a mídia entra na história: Etan Patz e as crianças no leite

Em 25 de maio de 1979, Etan Patz, um garoto de apenas 6 anos, desapareceu misteriosamente enquanto caminhava sozinho pela primeira vez até o ponto de ônibus perto de sua casa no bairro de SoHo, em Nova York. Era o início de uma transformação na atenção pública e governamental sobre crianças desaparecidas nos Estados Unidos.

Etan morava com seus pais e irmãos, e naquele dia sua mãe o acompanhou até a esquina da rua, onde ele deveria pegar o ônibus para a escola pela primeira vez sem supervisão adulta. Quando o ônibus chegou, Etan não estava mais lá. Ele simplesmente desapareceu.

O caso causou enorme repercussão e foi um dos primeiros a receber ampla cobertura da mídia americana. Sua foto foi espalhada em cartazes, programas de TV e jornais, gerando uma onda de solidariedade e uma crescente preocupação com a segurança das crianças.

A busca por Etan durou anos. Por muito tempo, o caso permaneceu um mistério, sem pistas concretas. Sua mãe, que havia sido alertada por especialistas para não deixar a criança andar sozinha tão cedo, transformou sua dor em ativismo, tornando-se uma das primeiras grandes vozes na luta pelos direitos das crianças desaparecidas.

O caso só teve um desfecho judicial quase 30 anos depois, em 2012, quando Pedro Hernandez, um ex-funcionário de uma loja de doces próxima ao bairro, confessou ter sequestrado e assassinado Etan Patz em 1979. Hernandez afirmou que tinha um distúrbio mental e que o crime foi motivado por um impulso violento.

Em 2015, Hernandez foi condenado por assassinato em segundo grau e atualmente cumpre prisão perpétua.

O desaparecimento de Etan Patz marcou uma virada na legislação americana. Foi o primeiro caso de uma criança desaparecida que teve sua foto divulgada em um pacote de leite, ajudando a popularizar a busca pública por crianças desaparecidas. Também foi crucial para a criação do National Center for Missing & Exploited Children (Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas), fundado em 1984, que se tornou referência na proteção e investigação desses casos.

Além disso, o 25 de maio, data do desaparecimento de Etan, foi declarado o Dia Nacional da Criança Desaparecida nos Estados Unidos.

Madeleine McCann: o caso mais midiático do século 21

Em 3 de maio de 2007, Madeleine McCann, uma menina britânica de 3 anos, desapareceu misteriosamente enquanto estava de férias com sua família na Praia da Luz, em Portugal. O caso rapidamente ganhou atenção global, transformando-se em uma das maiores buscas por crianças desaparecidas da história recente.

Madeleine estava hospedada com seus pais, Kate e Gerry McCann, e seus dois irmãos gêmeos, em um apartamento de um resort de férias no Algarve. Na noite do desaparecimento, enquanto os pais jantavam em um restaurante próximo junto com amigos, a menina dormia no apartamento com os irmãos. Os pais faziam check-ins frequentes para verificar as crianças, mas ao voltarem pela última vez, encontraram o quarto de Madeleine vazio.

O desaparecimento gerou uma enorme mobilização internacional, envolvendo a polícia portuguesa, britânica e agências de segurança de vários países. A mídia acompanhou o caso de forma intensa, e Madeleine se tornou símbolo mundial das crianças desaparecidas, mas se complicou por vários fatores:

  • A investigação inicial da polícia portuguesa foi criticada por falhas, inclusive acusações de que os pais foram tratados como suspeitos.
  • Diversas teorias e suspeitos surgiram ao longo dos anos, incluindo relatos de avistamentos da menina em vários países, sem confirmação.
  • Em 2020, a polícia alemã identificou um suspeito: um pedófilo e criminoso sexual condenado chamado Christian Brückner, que estava na região na época e tem um histórico de crimes contra crianças. As autoridades alemãs acreditam que ele pode estar diretamente envolvido no desaparecimento – e assassinato – de Madeleine.

Apesar das investigações e da atenção global, o caso permanece oficialmente não resolvido, sem a localização da menina ou o esclarecimento definitivo do que aconteceu naquela noite.

O desaparecimento de Madeleine McCann expôs as fragilidades e desafios das investigações internacionais, o papel da mídia na construção da narrativa e a dor e complexidade que famílias enfrentam diante da ausência de respostas. Nem a polícia portuguesa, a Scotland Yard ou mesmo a polícia alemã conseguiram elucidar o mistério que persiste 18 anos sem resposta.

Além disso, o caso impulsionou mudanças em protocolos de busca e resposta a desaparecimentos infantis, inclusive reforçando ações para prevenção e conscientização sobre a segurança das crianças.

E no Brasil? Do caso Carlinhos ao menino Evandro

No Brasil, três casos de desaparecimento de crianças se tornaram especialmente emblemáticos.

O mais antigo é o de Carlos Ramires da Costa, conhecido como Carlinhos, que tinha 10 anos quando desapareceu, no dia 2 de agosto de 1973, na sua casa na Rua Alice, na zona sul do Rio de Janeiro. Ele era um dos sete filhos de Maria da Conceição Ramires da Costa, dona de casa, e João Mello da Costa, um industrial proprietário da indústria farmacêutica Unilabor, em Duque de Caxias.

Na noite do sequestro, Carlinhos assistia televisão com sua mãe e alguns irmãos, quando a luz da casa foi cortada. Um jovem negro, de blusa vermelha e cabelo black power, invadiu a residência, pediu a criança menor da casa (Carlinhos), trancou a mãe e irmãos no banheiro e fugiu com o menino.

Antes de sair, o sequestrador deixou um bilhete exigindo um resgate de 100 mil cruzeiros (valor bastante alto para a época). No entanto, apesar do resgate ter sido preparado pelo pai e policiais estarem no local disfarçados, ninguém apareceu para trocar o dinheiro pelo menino. Carlinhos jamais foi encontrado. Tanto a mãe como o pai foram considerados suspeitos em diferentes momentos, mas nunca acusados.

O Caso Carlinhos ainda é um enigma que envolve suspeitas de crime passional, motivos financeiros, possível crime planejado por alguém próximo, manipulações, falsas pistas e grande envolvimento da imprensa e polícia. Até hoje, o paradeiro de Carlinhos permanece desconhecido e o caso é lembrado como um dos mais intrigantes e controversos da crônica policial brasileira

Já em 1986, Pedro Rosalino Braule Pinto, conhecido como Pedrinho, foi sequestrado poucas horas após nascer, no Hospital Santa Lúcia, na Asa Sul, Brasília. A responsável pelo sequestro, Vilma Martins Costa, se passou por enfermeira e levou o bebê alegando a necessidade de exames médicos. Ela registrou a criança com outro nome, Osvaldo Martins Borges Júnior, e o criou em Goiânia, onde também havia sequestrado outra menina, Aparecida Fernanda Ribeiro da Silva, criando-os como irmãos. O caso permaneceu sem solução por muitos anos, até 2002, quando Gabriela Azeredo Borges, neta do ex-marido de Vilma, notou semelhanças entre Osvaldo e os pais biológicos de Pedrinho ao ver fotos no site Missing Kids. Após essa suspeita, a polícia foi acionada e, com exames de DNA, confirmou que Osvaldo Martins Borges Júnior era na verdade Pedro Rosalino Braule Pinto. Em 2002, Pedrinho foi reencontrado e reunido com seus pais biológicos, Jayro Tapajós e Maria Auxiliadora Braule Pinto, em Brasília.

Vilma Martins Costa foi condenada em 2003 a 15 anos e 9 meses de prisão pelos crimes de subtração de menores, falsidade ideológica e estelionato. Ela obteve liberdade condicional em agosto de 2008, após cumprir um terço da pena. Atualmente, Pedro Rosalino Braule Pinto é advogado, atuando na área criminal, tendo representado clientes como o ex-jogador Robinho, condenado por estupro na Itália, e o ex-senador Aécio Neves, investigado na Operação Lava Jato. Pedrinho é casado e pai de dois filhos

Por fim, o caso mais chocante de todos, o do menino Evandro. Em abril de 1992, Evandro Ramos Caetano, de apenas seis anos, desapareceu em Guaratuba, litoral do Paraná depois de ter saído de casa para encontrar sua mãe na escola onde ela trabalhava. Ele voltou para pegar um brinquedo que tinha esquecido em casa, mas não foi mais visto. A família percebeu o sumiço e, quatro dias depois, o corpo de Evandro foi encontrado em um matagal, apresentando sinais de violência e partes do corpo removidas. A investigação rapidamente apontou para um possível ritual de magia negra, envolvendo pessoas conhecidas na região, entre elas Beatriz e Celina Abagge, mãe e filha, e outras três pessoas: Osvaldo Marcineiro, pai de santo; Davi dos Santos Soares, artesão; e Vicente de Paula Ferreira, pintor. O caso ficou conhecido popularmente como “as Bruxas de Guaratuba”.

Em 2021, gravações mostravam que os condenados haviam sido torturados por policiais para confessar o crime, provas que não foram apresentadas nos processos anteriores. Por isso, em 2023, o Tribunal de Justiça do Paraná anulou as condenações, reconhecendo que as confissões foram obtidas por meio de tortura, um marco importante para a justiça no Brasil. No entanto, até hoje, o caso não tem uma conclusão definitiva e incontestável sobre quem de fato matou Evandro.

Esses três casos não apenas comoveram o país, como também expuseram a fragilidade dos sistemas de proteção à infância e a importância de uma cobertura midiática responsável.

A dor da perda e da suspeita

Pais ou responsáveis costumam ser os primeiros suspeitos em casos de desaparecimento ou morte de crianças por uma combinação de fatores investigativos, estatísticos e culturais. Em primeiro lugar, a proximidade e o acesso diário à criança tornam essas figuras naturalmente mais visadas pelas autoridades. A lógica policial, baseada em padrões históricos e estatísticas criminais, aponta que, na maioria dos casos de violência infantil, o agressor é alguém do convívio íntimo da vítima — muitas vezes um parente direto. Além disso, os pais são as primeiras pessoas a prestar depoimentos, e qualquer contradição, por menor que seja, pode ser interpretada como indício de culpa, mesmo que decorra de trauma, estresse ou confusão emocional.

A pressão social e midiática por respostas rápidas também contribui para que a investigação se volte inicialmente aos familiares. O comportamento público dos pais — se demonstram frieza, se choram demais, se falam muito ou pouco — é constantemente julgado, ainda que o luto e o choque se manifestem de formas muito distintas entre as pessoas. Há também a influência de casos anteriores notórios em que pais ou cuidadores estiveram envolvidos, criando uma espécie de “modelo inconsciente” que reforça a desconfiança em situações semelhantes. Isso molda não só o imaginário coletivo, mas também pressiona as autoridades a investigar os familiares com mais rigor. Mas, às vezes, errar justamente por isso.

Em alguns casos, como o do menino Evandro no Brasil, a suspeita sobre os pais surgiu mesmo sem evidências concretas, e posteriormente se revelou infundada — resultado de conduções policiais duvidosas ou manipuladas. Há ainda situações em que os pais não são diretamente culpados, mas acabam envolvidos de forma indireta ou sofrem as consequências do erro investigativo. O grande desafio é lidar com a necessidade de encontrar um culpado imediato diante do horror de um crime contra uma criança.

O fascínio pelo trágico: crianças e o imaginário da pureza violada

A comoção diante do desaparecimento infantil vem de um lugar profundo — não apenas pelo sofrimento, mas pela ideia de que não deveria acontecer. Crianças são vistas como inocentes, puras, protegidas. Seu sumiço representa uma ruptura brutal com a ordem do mundo adulto.

É por isso que esses casos se tornam tão simbólicos, explorados por livros, séries, podcasts e filmes. É por isso que nos lembramos de nomes, datas, rostos. E é por isso que, mesmo passados séculos, ainda nos perguntamos: o que aconteceu com Edward e Richard? Com Madeleine? Com tantas outras crianças cujas histórias ecoam como feridas abertas.


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