Gente, precisamos falar de Aidan Shaw. Por tantos anos considerado o “homem perfeito que Carrie trocou por Mr.Big”. Será mesmo que era tão “perfeito”?
Aidan Shaw entrou no universo de Sex and the City na terceira temporada da série original, apresentado como o completo oposto de Mr. Big. Um marceneiro charmoso, tranquilo, “boa praça”, supostamente maduro e emocionalmente disponível — tudo aquilo que, à primeira vista, pareceria ideal para Carrie Bradshaw. Era quase um sonho fabricado: o homem que constrói móveis, adora cachorros, quer casar, ter filhos e viver uma vida “normal”. Só que o pacote, embalado como um prêmio de estabilidade emocional, escondia camadas mais complexas — e, para muitas fãs, profundamente problemáticas.
Aidan era dono de uma loja de móveis rústicos e feitos à mão, tinha seu próprio negócio, um cachorro (Pete) e uma vibe earthy, quase granola, que contrastava com o glamour neurótico de Carrie. Era o cara que queria sair do barulho da cidade, viver longe da loucura nova-iorquina e plantar raízes — literalmente. E é aí que começam os problemas: Aidan não amava Carrie como ela era. Ele amava uma ideia dela. Ou melhor: queria uma versão de Carrie que ele pudesse “melhorar”. Mais sobre esse padrão à frente, mas notem: assim como Carrie queria mudar Big, Aidan queria mudar Carrie. Por que?

O arquétipo do homem que quer moldar a mulher
Desde o início, Aidan impõe mudanças: ela tem que parar de fumar, tem que aceitar o cachorro dele, tem que querer um lar com cerca branca no interior. Ele se posiciona como o “homem saudável” em contraponto ao “tóxico Mr. Big”, mas, na prática, é controlador, passivo-agressivo e emocionalmente manipulador. Seu discurso é de afeto e segurança, mas sua atitude é de um moralista sutil que tenta remodelar a mulher por quem se diz apaixonado.
Há um lado humano onde ele é coerente. Quando descobre que Carrie o traiu com Big, o ressentimento nunca se dissolve completamente — mesmo depois que ele a perdoa, o relacionamento vira um campo minado de testes e armadilhas emocionais: ele volta, mas cobra; diz que confia, mas pune. Chega ao ponto de fazer Carrie assinar um contrato para garantir que ela não vá traí-lo de novo. Ele propõe casamento como uma forma de consolidar um domínio, não como um ato de liberdade amorosa. Ela aceita — e logo devolve o anel.

Reação das fãs: o “nice guy” que não é tão nice
Durante anos, Aidan dividiu opiniões entre os fãs: para algumas, era “o homem certo, mas no tempo errado”; para outras (como você e um crescente número de críticas feministas contemporâneas), ele sempre foi um lobo em pele de cordeiro. Sua figura foi idealizada como o “homem bonzinho”, mas sob essa fachada havia alguém que não aceitava Carrie em sua complexidade, sua independência e seus desejos. Em comparação, Big — com todos os seus defeitos — nunca tentou moldá-la. Ele a amou em sua totalidade, e sua evolução foi visível: ele passou de egocêntrico relutante a um parceiro comprometido que, ao final, estava lá por ela, exatamente como ela era.
Que essa trajetória de Big seja incoerente e irreal são outros 500. Aqui há um ideal romântico complexo que foi vendido como o ideal por séculos: a do amor impossível que demanda mudanças essenciais de personalidade. A toxidade que está na frase que marcou Sex and the City na qual Carrie pede que ele diga que “ela é a única”. Isso os separa na primeira temporada, mas é o que ele finalmente declara no final da série. Não vou negar, torci e gostei do final. Mas hoje, mais vivida, entendo que ela fazia parte de um momento cultural que não é mais o que queremos para as mulheres de hoje e do futuro. E nesse contexto, tampouco Aidan é a alternativa.

O retorno em And Just Like That: pior que antes
Se a trajetória de Aidan já era duvidosa na série original, seu retorno em And Just Like That é quase um desastre narrativo. Agora um homem de sessenta anos, divorciado, pai de três filhos, ele reencontra Carrie e imediatamente mergulha em um novo ciclo com ela. Mas o que poderia ter sido um reencontro maduro entre duas pessoas que viveram, sofreram e evoluíram, vira um roteiro de autoajuda adolescente.
Primeiro, ele se recusa a pisar no apartamento onde ela vive porque ele o faz voltar a um passado doloroso. E não é uma questão figurativa: ele realmente não põe o pé no imóvel o que faz Carrie se desfazer do único lugar onde sempre se sentiu segura e completa. E o que ela faz? Ela vende o apartamento para encontrar outro onde possa viver com Aidan. Não há esforço dele econômico nesse investimento, nem mesmo na hora de escolher o novo lar. Não seria um sinal vermelho? Tem mais.

Quando Carrie faz essa mudança, a vida de Aidan sofre um revés. De tudo que possa “reclamar” dele com Carrie, é inegável que ele é um pai presente e carinhoso e seu filho caçula está passando por problemas muito sérios. Ele quer estar presente até que ele se torne adulto. Não vou jogar pedra nessa escolha. Porém…
A partir daí, Aidan propõe um relacionamento sem pernoites, por causa dos filhos, depois estabelece um prazo bizarro de cinco anos sem contato. Sim, nem um telefonema, ou visita. Em tese porque o filho, Wyatt, não aceita Carrie. Podemos entrar na análise do quanto errado é o que Aidan está fazendo com o filho, mas estamos aqui para falar de Carrie. Pior: Carrie, milionária, viúva, independente, aceita tudo — como se ainda estivesse em busca da aprovação de um homem que nunca a entendeu de verdade.
O homem que dizia amar Carrie continua sem escutá-la. E a série parece não perceber o quão grotesco é esse retrato: Aidan agora é um eterno “coitadinho”, deslocado, paternal, sofrido, e ainda assim colocado como uma opção romântica válida. A ex-mulher dele liga para Carrie pedindo favores. Ele impõe limites, some, volta. E Carrie, desfigurada em sua inteligência e vivência, aceita cada migalha como se estivesse presa à ilusão do passado.

John Corbett: o ator por trás da ilusão
John Corbett sempre foi carismático. Dono de uma voz sedutora, um sorriso relaxado e uma imagem de homem “acessível”, ele fez sucesso tanto em Northern Exposure quanto em My Big Fat Greek Wedding. Sua interpretação de Aidan foi, à época, a de um homem gentil, quase doce demais — e é justamente essa suavidade que mascara o problema central do personagem. Corbett voltou em AJLT com o mesmo ar de “good guy”, mas sem a profundidade que a idade deveria trazer. Ele parece mais velho, mas o personagem não parece mais sábio — parece apenas mais indeciso, mais desconectado, mais fraco.
Que Aidan esteja ainda revivendo os mesmos problemas do passado com Carrie, é ela quem mantém o mesmo padrão em seus relacionamentos, mesmo aos 60, mesmo depois de tudo. Já revisitei os piores namorados dela ao longo da série, mas há em Aidan o mesmo problema deles.

Jack Berger: o inseguro que se disfarça de engraçado
Berger parecia, à primeira vista, um par perfeito para Carrie: escritor, espirituoso, sarcástico, charmoso. Mas a leveza inicial logo deu lugar a uma competitividade tóxica. Ele não suportava o sucesso de Carrie, suas conquistas, sua autonomia. Era o homem que se sentia ameaçado por uma mulher brilhando mais do que ele — e se escondia atrás de piadas, de desdém passivo, e de um bilhete covarde (“I’m sorry, I can’t. Don’t hate me.”).
Carrie, nessa fase, estava em plena ascensão como escritora, segura de sua carreira e de sua identidade. Berger foi um retrocesso emocional — e ela logo percebeu.
Mr. Big: o narcisista que cresceu
Big foi o primeiro e o mais duradouro amor de Carrie — complexo, imaturo, às vezes cruel, mas também profundamente transformado ao longo dos anos. Começou como o homem indisponível, viciado em controle e poder, que mantinha Carrie à margem. Mas foi evoluindo. Quando finalmente se compromete, é com convicção e aceitação. Ele nunca quis mudar Carrie. Quis tê-la por perto exatamente como ela era.
Carrie, ao longo do relacionamento com Big, passou por várias versões de si mesma: da jovem apaixonada e insegura à mulher madura e cética. Ao fim, quando se reencontram em Paris, ela já sabia o que queria — e, surpreendentemente, Big também.


Aleksandr Petrovsky: o artista que não sabe dividir espaço
O russo era um homem de mundo, sofisticado, elegante — e absolutamente centrado em si mesmo. Ofereceu a Carrie o deslumbramento de uma vida artística e internacional, mas a excluía constantemente das decisões, dos círculos e até das emoções. Ele não queria uma parceira: queria uma espectadora da própria vida. Foi um relacionamento de dissolução da identidade.
Carrie estava deslumbrada, mas exausta. Disposta a começar de novo em Paris, abriu mão de tudo por ele — e logo percebeu o erro. O momento em que ela se dá conta disso é um dos mais dignos da série original.

A diferença central com Aidan
Aidan, diferente de Berger, Big e Petrovsky, não era movido por ego ou vaidade intelectual. Sua toxicidade é mais insidiosa: ele quer a parceira moldada. Berger se sentia diminuído. Big era emocionalmente relutante. Petrovsky era egocêntrico. Aidan é o arquétipo do “homem bom” que só funciona se você se encaixar perfeitamente no molde dele — e Carrie, a cada fase, era justamente o oposto disso. Ela queria ser aceita, não redesenhada.

O mito do homem bom desmontado
Por isso, fãs de Carrie Bradshaw: Aidan Shaw é o símbolo de um arquétipo perigoso: o “homem bom” que só é bom enquanto você seguir o que ele espera de você. Ele não grita, não trai, não explode — mas mina lentamente a individualidade da parceira.
A série And Just Like That erra feio ao ressuscitá-lo como uma opção romântica séria, sem explorar com profundidade o que essa relação realmente significa para uma mulher como Carrie. No fundo, em seu luto ao perder Big, Carrie quis o conforto de um relacionamento dolorido que a impede de lidar com o presente, mais ainda, com seu futuro. Sem surpresa está quase irreconhecível, apagada.
No fim, o que vemos não é amor — é nostalgia. E, como a própria série prova, viver de nostalgia raramente traz algo de verdadeiramente bom.
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
