Austen e Woolf: Um Diálogo Através do Tempo

Em 1924, foram publicadas novas edições dos seis clássicos de Jane Austen, e ninguém menos do que Virginia Woolf — ainda trabalhando em Mrs. Dalloway, que seria lançado no ano seguinte — escreveu uma resenha sobre a relevância da obra da escritora, que sofria críticas e comentários de escritores (homens) que debatiam sua genialidade.

Precisa e emocionante como sempre, Woolf, com elegância e ironia, responde a esse histórico de críticas condescendentes ou limitantes feitas a Jane Austen por escritores e estudiosos do século 19 e início do 20. Logo de início, ela aponta para um clube literário masculino que “protege” Austen, mas a partir de um lugar conservador, paternalista e quase doméstico, como se ela fosse apenas uma autora graciosa, correta, delicada — e, portanto, “segura”.

No ensaio, ela contesta a ideia — que até hoje encontra eco — de que Austen escrevia apenas sobre a vida doméstica, sobre casamentos, pequenas vilas, assuntos “femininos” e “menores”. Muitos críticos da época diziam que seus livros eram elegantes, mas triviais.

Woolf destaca também a supervalorização de seu “estilo” em detrimento de sua visão de mundo porque — ainda hoje — Austen é muitas vezes celebrada como “a perfeita estilista”, sem o devido reconhecimento da ironia, do subtexto crítico e da profundidade de suas observações sociais e emocionais.

Claro, há também a misoginia presente no tom condescendente ou protetor de muitos críticos homens, que tratavam Austen como uma “senhorita talentosa”, um gênio domesticado, que se encaixava bem no ideal vitoriano de feminilidade: contida, inteligente, mas sem perigos, paixões ou ousadia.

Mais ainda: Woolf zomba, com inteligência, da comparação desfavorável com autores “sérios”, como George Eliot, que eram vistos como mais filosóficos ou profundos por tratarem de temas mais amplos ou trágicos. Woolf ironiza isso ao dizer que “seria interessante investigar o problema do nariz de George Eliot” — ridicularizando como até a aparência física interferia no julgamento da obra literária de uma mulher.

Ela subverte tudo isso ao afirmar que Austen, se tivesse vivido mais, teria se tornado uma escritora ainda mais profunda, talvez comparável a Henry James ou Proust. Ou seja, ela estava apenas no começo de um processo criativo que o tempo não deixou florescer. Woolf transforma aquela “escritora graciosa de romances de casamento” numa autora que já dava sinais de querer falar de sofrimento, do não dito, da complexidade da vida interior — justamente temas tidos como “mais nobres”.

Aqui há uma semente de outro tema que virei abordar em outra oportunidade: a influência — ou revelação — do tema de Mrs. Dalloway, a obra que Woolf escrevia em 1924 e que também abordava questionamentos presentes em Persuasão, como ela deixa claro ao imaginar “como teria sido” uma vida longa de Jane Austen. Sim, porque a resenha (que colocarei mais à frente, traduzida) não é apenas uma crítica literária, mas um encontro de duas sensibilidades femininas atravessando o tempo — uma reconhecendo na outra o que há de mais profundo, mais contido, mais íntimo e ainda assim universal.

Sim, Virginia Woolf diz coisas lindíssimas sobre Jane Austen — e com uma sensibilidade impressionante. Embora o texto tenha toques irônicos (como o trecho sobre os “25 senhores idosos que defendem sua honra como a de suas tias”), o ensaio é profundamente admirativo e revela um olhar agudo para a sutileza da obra de Austen.

Na leitura de Virginia Woolf, a virada sensível de Persuasão sugere que Austen estava se abrindo a emoções e dimensões existenciais mais amplas — quase dizendo que ali havia, finalmente, uma Jane Austen vulnerável, madura, profundamente humana. “Ela teria criado um método novo, claro e composto como sempre, mas mais profundo e mais sugestivo, para transmitir não apenas o que as pessoas dizem, mas o que deixam de dizer; não apenas o que são, mas […] o que é a vida,” escreveu. Essa frase é um verdadeiro tributo. Woolf está dizendo que Austen, se tivesse vivido mais, teria se tornado ainda maior — capaz de descrever não só o visível, mas o indizível, aquilo que pulsa por trás do comportamento humano. Uma descrição de potencial artístico raramente é tão generosa quanto essa.

Mas a vida foi interrompida aos 42 anos, e “ela morreu ‘justo quando começava a sentir confiança em seu próprio sucesso’”, lamenta Woolf. Aqui há dor e reconhecimento. Sua avaliação foi de que é devastador que Austen tenha morrido jovem, justamente quando começava a se afirmar como autora, quando a crítica e o público enfim se voltavam para ela. É uma nota de perda — não só de uma mulher, mas de uma obra-prima que o mundo jamais conhecerá.

No fundo, o texto inteiro é um grande elogio à inteligência e à arte contida de Austen, e um tributo emocionado a tudo o que ela ainda teria dado à literatura. Woolf consegue falar da leveza e da ironia da autora sem jamais diminuí-la — ao contrário, reconhecendo o quanto de complexidade e visão de mundo estavam por trás de sua escrita discreta.

E o texto todo é comovente porque diz tanto sobre Jane Austen quanto sobre Virginia Woolf, mesmo quando esta finge apenas observar. A passagem em que afirma que “a experiência, quando séria, precisava amadurecer profundamente e ser desinfetada pela passagem do tempo antes que ela se permitisse tratá-la em ficção” é quase uma confissão indireta de Virginia sobre si mesma — sobre o processo doloroso de transmutar vivência em arte, sobretudo sendo mulher, sobretudo sendo inteligente demais num mundo que nem sempre tolerava isso.

O texto de Woolf — que não é longo — não é apenas uma leitura de Persuasão, é uma leitura do silêncio feminino, da delicadeza da empatia, da dor que observa, não grita — e por isso mesmo, marca. “Ela a vê, durante grande parte do livro, pelos olhos de uma mulher que, infeliz, tem uma simpatia especial pela felicidade e infelicidade dos outros — sobre as quais, até quase o fim, é forçada a se calar”, comenta.

O que Woolf faz aqui é desenhar a Jane Austen madura que o mundo perdeu — mas também lançar um olhar que só outra escritora genial, mulher, e atravessada por sua própria contenção e sensibilidade, poderia lançar. Não é apenas Woolf explicando Austen — é Woolf reconhecendo Austen como um espelho possível, uma irmã de alma e de ofício.

E talvez seja por isso que a crítica se transforma, aqui, em algo mais raro: uma forma de amor.

Aqui, o texto de Virginia Woolf.

Qualquer um que tenha tido a temeridade de escrever sobre Jane Austen está ciente de dois fatos: primeiro, que, dentre todos os grandes escritores, ela é a mais difícil de se flagrar em ato de genialidade; segundo, que existem cerca de 25 senhores idosos vivendo nas redondezas de Londres que se ressentem de qualquer leve crítica ao seu gênio como se fosse um insulto à castidade de suas tias.

Seria de fato interessante investigar quanto da atual celebridade de Jane Austen se deve à sensibilidade masculina; ao fato de que seus vestidos eram elegantes, seus olhos brilhantes e sua idade o oposto, em todos os aspectos do charme feminino, da nossa. Uma investigação complementar poderia analisar o problema do nariz de George Eliot — e decidir quanto tempo levará até que o perfil equino volte a estar em voga, e a Oxford Press celebre o gênio da autora de Middlemarch em uma edição tão esplêndida, tão autoritativa e tão delicadamente ilustrada quanto esta.

Mas não é apenas covardia que nos impede de comentar os seis romances desta nova edição. É impossível dizer demais sobre os romances que Jane Austen escreveu; mas talvez nunca se tenha dado atenção suficiente aos romances que ela não escreveu. Devido ao acabamento peculiar e à perfeição de sua arte, tendemos a esquecer que ela morreu aos 42 anos, no auge de seus poderes, ainda sujeita a todas aquelas transformações que muitas vezes tornam o período final da carreira de um escritor o mais interessante de todos. Tomemos Persuasão, seu último romance completo, e olhemos à sua luz para os romances que ela poderia ter escrito se tivesse vivido até os 60 anos. Não lhe invejamos, mas seu irmão, o Almirante, viveu até os noventa e um.

Há uma certa monotonia e uma certa beleza peculiar em Persuasão. A monotonia é aquela que frequentemente marca a fase de transição entre dois períodos distintos. A escritora está um pouco entediada. Tornou-se íntima demais das maneiras de seu mundo. Há uma aspereza em sua comédia que sugere que ela quase deixou de se divertir com as vaidades de um Sir Walter ou a presunção de uma Miss Elliott. A sátira é dura e a comédia, crua. Ela já não observa com tanto frescor os divertimentos da vida cotidiana. Sua mente não está inteiramente no assunto. Mas, embora sintamos que Jane Austen já fez isso antes — e melhor —, também sentimos que ela está tentando fazer algo que nunca tentou. Há um elemento novo em Persuasão, uma qualidade que talvez tenha feito o Dr. Whewell se entusiasmar e insistir que era “a mais bela de suas obras”.

Ela está começando a descobrir que o mundo é maior, mais misterioso e mais romântico do que supunha. Sentimos que é dela mesma que está falando quando diz sobre Anne: “Fora forçada à prudência na juventude, aprendeu o romance ao envelhecer — o desfecho natural de um começo antinatural.” Ela se detém frequentemente sobre a beleza e a melancolia da natureza. Fala da “influência tão doce e tão triste dos meses outonais no campo.” Repara nas “folhas douradas e sebes murchas.”

“Não se ama menos um lugar por se ter sofrido nele”, observa. Mas não é apenas uma nova sensibilidade à natureza que denuncia a mudança.

Sua atitude diante da vida também mudou. Ela a vê, durante grande parte do livro, pelos olhos de uma mulher que, infeliz, tem uma simpatia especial pela felicidade e infelicidade dos outros — sobre as quais, até quase o fim, é forçada a se calar. Por isso, a observação é menos voltada aos fatos e mais aos sentimentos do que de costume. Há uma emoção expressa na cena do concerto e na famosa conversa sobre a constância das mulheres que comprova não apenas o fato biográfico de que Jane Austen amou, mas o fato estético de que já não temia dizer isso. A experiência, quando séria, precisava amadurecer profundamente e ser desinfetada pela passagem do tempo antes que ela se permitisse tratá-la em ficção. Mas agora, em 1817, ela estava pronta. Exteriormente, também, uma mudança em suas circunstâncias era iminente. Sua fama crescera muito lentamente. “Duvido”, escreveu Mr. Austen Leigh, “que seja possível citar outro autor de renome cuja obscuridade pessoal fosse tão completa.” Se tivesse vivido apenas mais alguns anos, tudo isso teria mudado.

Ela teria permanecido em Londres, jantado fora, almoçado fora, conhecido pessoas famosas, feito novos amigos, lido, viajado — e voltado ao sossegado chalé do interior com um tesouro de observações para saborear ao longo do tempo. E que efeito tudo isso teria nos seis romances que Jane Austen não escreveu? Ela não teria escrito sobre crime, paixão ou aventura. Não teria sido apressada, pela insistência dos editores ou pela pressão dos amigos, a ser descuidada ou insincera. Mas teria sabido mais. Sua sensação de segurança teria sido abalada. Sua comédia teria sofrido. Teria confiado menos (como já é perceptível em Persuasão) no diálogo, e mais na reflexão, para nos revelar o caráter de suas figuras. Aqueles discursos maravilhosos que, em poucos minutos de conversa, nos dizem tudo o que precisamos saber sobre um Almirante Croft ou uma Mrs. Musgrove — esse método direto, quase taquigráfico, que contém capítulos inteiros de análise e psicologia — teria se tornado por demais limitado para abarcar tudo o que ela agora percebia da complexidade da natureza humana. Ela teria criado um método novo, claro e composto como sempre, mas mais profundo e mais sugestivo, para transmitir não apenas o que as pessoas dizem, mas o que deixam de dizer; não apenas o que são, mas (se nos for permitido o vago da expressão) o que é a vida. Teria se afastado mais de suas personagens e as visto mais como grupo, menos como indivíduos. Sua sátira, embora menos incessante, teria sido mais severa e rigorosa. Ela teria sido precursora de Henry James e de Proust — mas basta. Vãs são essas especulações: ela morreu “justo quando começava a sentir confiança em seu próprio sucesso.”


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