Demorou mais de quatro décadas, mas chegou. Tom Cruise, um dos últimos grandes astros de cinema à moda antiga — daqueles que se constroem na tela grande — finalmente será reconhecido pela Academia com um Oscar honorário. A estatueta será entregue no dia 16 de novembro de 2025, durante a cerimônia do Governors Awards em Hollywood, junto a homenagens a Debbie Allen, Wynn Thomas e Dolly Parton. Aos 63 anos, Cruise entra, enfim, no panteão oficial de Hollywood — não pelo papel de um filme específico, mas pela soma, pelo conjunto de uma obra que desafiou modismos, crises e gravidade.

E a verdade é que, para quem acompanha sua trajetória, esse desfecho era previsível. Há anos já se desconfiava que o “primeiro” Oscar de Cruise viria mesmo de forma honorária — um prêmio por insistência, por permanência, por serviço prestado ao cinema como instituição. Mas há também, nesse tipo de homenagem, um peso ambíguo. É um reconhecimento, sim, mas com menos brilho que a estatueta competitiva. É o Oscar que se dá quando já não se espera mais que venha outro. A Academia, que tantas vezes ignorou Cruise quando ele arriscava mais, opta agora por premiá-lo quando ele já venceu no único palco que realmente importa: o da memória popular. Outros, como ele, só receberam reconhecimento assim, incluindo Cary Grant.
Na justificativa oficial, a presidente da Academia, Janet Yang, destacou a “incrível dedicação de Cruise à comunidade cinematográfica, à experiência teatral e à comunidade de stunts”, reconhecendo não apenas seu trabalho diante das câmeras, mas sua cruzada pessoal em defesa do cinema como arte coletiva e espetáculo físico. É o reconhecimento de uma missão pessoal que ele abraçou há anos: manter vivo o tipo de cinema que se assiste com os olhos arregalados e o coração acelerado — e não com distração num celular. Em outras palavras, é merecido.
Cruise é o raro caso de um ator que começou com charme juvenil em Negócio Arriscado (1983), explodiu como símbolo cultural em Top Gun (1986) e, ao invés de se acomodar, buscou profundidade em trabalhos dramáticos como Nascido em 4 de Julho, Jerry Maguire e Magnólia — todos rendendo indicações ao Oscar. Nunca venceu. Mas sempre manteve a mesma obstinação obsessiva. E foi ela que o levou a reinventar o blockbuster, agora como produtor e protagonista da franquia Missão: Impossível, na qual ele se pendura em helicópteros, pula de prédios e pilota aviões de verdade, insistindo que o corpo do ator também é narrativa. Ele não atua em cenas de ação. Ele vive a ação. E quer que você, sentado na poltrona do cinema, sinta isso.


Essa teimosia virou militância durante a pandemia: enquanto os estúdios cederam ao streaming, Cruise segurou Top Gun: Maverick por dois anos, insistindo que só estrearia nos cinemas. Ele estava certo. O filme salvou o verão americano de 2022, arrecadou quase US$ 1,5 bilhão e ainda foi indicado ao Oscar de Melhor Filme, com Cruise nomeado como produtor. Era o cinema clássico voltando das cinzas com aviões supersônicos e emoção genuína. Um blockbuster que combinava tecnologia de ponta, atuação carismática e respeito pela tradição. Era tudo que a indústria precisava — e nem sabia.
Sua história em Hollywood, no entanto, nunca foi uma linha reta. O envolvimento com a Cientologia, o divórcio com Nicole Kidman, a famosa entrevista no Oprah Winfrey Show pulando no sofá para comemorar seu noivado com Katie Holmes, o vídeo institucional vazado da igreja, as críticas públicas à psiquiatria e a recusa em ceder ao sistema de estúdios fizeram com que muitos duvidassem de seu equilíbrio. Houve uma fase, nos anos 2000, em que Cruise virou quase uma piada, e os convites rarearam. Mas ele jamais se escondeu. Produziu, insistiu, pulou do penhasco — literalmente. Missão: Impossível – Efeito Fallout e Acerto de Contas são monumentos a esse compromisso radical com o cinema físico. Nas palavras de um dublê veterano, “ninguém no planeta faz o que ele faz, aos 60 anos, por amor ao público”.
Sua filmografia também não é uniforme — e isso é um mérito. De Entrevista com o Vampiro a Vanilla Sky, de Minority Report a Colateral, de O Último Samurai a No Limite do Amanhã, Cruise alternou drama, ficção científica, ação, comédia, suspense. Trabalhou com grandes diretores: Kubrick, Scorsese, Michael Mann, Spielberg, Paul Thomas Anderson. E sobreviveu a todos os modismos — da ascensão das franquias à revolução digital, do culto à personalidade aos escândalos da era das redes. No meio disso tudo, se tornou uma marca.

Importa dizer: este prêmio não é um troféu de consolação. É consagração. E chega num momento em que a Academia finalmente reconhece o que ele representou: uma ponte entre o cinema de autor e o cinema de massa, entre a estrela clássica e o performer que se arrisca, entre o glamour e a entrega visceral. Ele é, talvez, o último ator de ação do velho mundo que ainda acredita em rolos de filme, em tela gigante, em calor de plateia.
Também é simbólico que este reconhecimento venha no mesmo ano em que a Academia se prepara para inaugurar, em 2026, a nova categoria de casting, e, em 2028, a aguardada categoria de stunts. Cruise sempre foi defensor feroz das equipes de dublês, coordenadores de ação, montadores e diretores invisíveis. Seu Oscar é também deles.


E se há menos brilho no Oscar honorário — se ele não carrega a glória de uma vitória na competição —, sobra nele um valor ainda mais raro: o da persistência. Este é um prêmio para quem nunca deixou de correr. Literal e simbolicamente. Para quem se jogou em penhascos, em aviões em movimento, em escândalos públicos, mas nunca abandonou o centro do quadro. E nunca traiu seu ofício.
Ao receber a estatueta dourada, Cruise confirma o que muita gente já sabia — e o que talvez ele mesmo tenha previsto: que o reconhecimento viria, ainda que tarde, porque sua história é maior que qualquer controvérsia. É, afinal, a história de alguém que viu o cinema mudar — e decidiu não mudar com ele. Decidiu correr mais rápido. Mais alto. E continuar filmando.
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