George e Bertha Russell são, talvez, o casal mais fascinante e moralmente ambíguo de The Gilded Age. Não podem ser chamados de vilões, tampouco de mocinhos. São protagonistas implacáveis, estrategistas por excelência, dispostos a qualquer coisa para manter o lugar que conquistaram à força no topo da sociedade novaiorquina. Ao contrário dos aristocratas do “velho dinheiro”, os Russells não herdaram nada: construíram seu império ferrovia por ferrovia, baile por baile, escândalo por escândalo — e isso é parte de seu fascínio. Enquanto muitos os admiram, poucos confiam neles completamente, e ainda menos conseguem prever suas jogadas.

George, inspirado no verdadeiro magnata Jay Gould, é um industrialista duro, mas nem sempre cruel se seus filhos são o tema. Seu amor por Bertha é evidente e talvez seja a única âncora emocional genuína que o personagem tem. Mas esse amor não o impede de agir com frieza no mundo dos negócios, onde manipula, ameaça e compra silêncios com a mesma facilidade com que assina um contrato. Lembremos que um homem tirou a própria vida ao esbarrar com a praticiddade vingativa de George e mais do que nem derramar uma lágrima, George deu de ombros para a tragédia.
Já Bertha, interpretada com precisão glacial por Carrie Coon, é o retrato da ascensão social da mulher que não aceita os limites impostos pelo nascimento. Filha de imigrantes irlandeses — algo que ainda a persegue nos bastidores —, ela construiu sua persona pública com determinação, luxo e astúcia. Sua ambição não é vaidosa, é existencial: Bertha sabe que, na América da Gilded Age, uma mulher como ela só é respeitada se for temida.
A terceira temporada promete aprofundar essa tensão entre fachada e origem, com a chegada da irmã de Bertha, figura que ameaça reabrir as feridas que ela tentou enterrar sob diamantes e tapeçarias francesas. A simples presença de uma parente que carrega a mesma memória social rejeitada por Bertha promete abalar sua couraça e, talvez, forçá-la a confrontar o que renunciou para ascender. Nesse sentido, o passado da personagem não é apenas uma sombra: é uma bomba-relógio emocional e política.

Ao mesmo tempo, o casamento de Bertha e George — sólido à primeira vista — dá sinais de rachaduras profundas. A disputa em torno dos filhos, especialmente Gladys, já explicitou visões divergentes sobre o que significa “proteger” alguém. Para George, proteger é permitir liberdade dentro de um limite razoável. Para Bertha, é controlar cada aspecto da vida do outro para evitar qualquer risco. Enquanto George é capaz de tudo para crescer sua fortuna e influência política, Bertha foca em conseguir amizades e casamento vantajosos para os filhos, especialmente, Gladys.
Essa interferência é o ponto central que transforma Bertha em “vilã” e a coloca não apenas em oposição aos filhos, mas ao marido, que, estranhamente, quer que eles casem bem, mas também por amor.
Outra diferença fundamental tornou-se ainda mais visível com a chegada de Enid Winterton, uma adversária inesperada e poderosa. Ex-Funcionária que escalou posições com a mesma ferocidade de Bertha, Enid não só desafiou sua rival no plano social, mas ousou flertar com George, criando um vórtice de insegurança emocional que Bertha não está acostumada a sentir. Pela primeira vez, ela foi confrontada com a possibilidade de não ser a mulher mais estratégica da sala.

George, por sua vez, não cedeu aos avanços de Enid, mas tampouco os denunciou prontamente. Sua omissão teve o peso de uma traição — não carnal, mas simbólica —, e reconfigurou a dinâmica de confiança entre os dois. A imprensa especializada já especula que o casal poderá se separar, não por falta de amor, mas por divergência de princípios. Há uma tensão latente entre eles, um distanciamento crescente que os roteiristas devem explorar com ainda mais profundidade agora que Bertha se vê encurralada por forças externas e internas.
Outro ponto de inflexão que se aproxima é o romance entre Larry Russell e Marian Brook. Embora a série ainda não tenha confirmado se os pais de Larry se oporão formalmente, é difícil imaginar que Bertha — que enxerga os relacionamentos como alianças políticas — acolheria uma jovem sem dote, sem linhagem e sem status. Marian representa tudo o que Bertha desprezou para subir na vida: idealismo, fragilidade, sentimentalismo. George talvez simpatize mais com Marian, vendo nela traços de honestidade e dignidade que lhe lembram valores antigos. Mas sua lealdade a Bertha será testada, principalmente se ela insistir em reverter o romance do filho. A tensão entre um pai que deseja ver o filho feliz e uma mãe que exige que ele se case estrategicamente pode expor, mais uma vez, as fissuras do casal Russell.


Esse possível embate se insere em um contexto maior de instabilidade. Bertha está sob ataque: sua rival Enid não recuou, sua filha ameaça fugir da rota imposta, sua origem volta a assombrá-la com a chegada da irmã, e seu casamento cambaleia sob o peso das omissões. No centro desse furacão, ela tenta manter a postura, o vestido perfeito, a palavra precisa. Mas por quanto tempo se sustenta uma fachada, quando o alicerce começa a ruir?
Na terceira temporada, The Gilded Age não oferecerá aos espectadores um conto de fadas sobre ascensão social. Em vez disso, promete desmascarar as contradições internas de um casal que chegou ao topo sendo mais esperto, mais rápido e mais frio que os outros. George e Bertha Russell não são heróis nem vilões. São sobreviventes. E é justamente essa zona cinzenta que os torna tão interessantes. Eles não agem por bondade, mas por conveniência. Não confiam, mas se toleram. Não cedem, mas calculam. E quando finalmente cedem, o fazem por uma razão que lhes sirva — nem sempre pela mais nobre.

Se a terceira temporada seguir o que se desenha, veremos a implosão de uma fachada ou a reinvenção de uma aliança ainda mais poderosa. Veremos uma Bertha confrontada com o passado, um George pressionado a escolher entre status e sentimentos, e dois filhos tentando escapar da lógica de transações que rege a família. O casamento dos Russells, sua fortuna, sua imagem pública e seu legado estão todos em xeque. O jogo é alto. E ninguém joga melhor que eles. Mas, como toda era dourada, talvez essa também esteja prestes a revelar suas rachaduras debaixo da superfície polida.
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