Há cinquenta anos, Hollywood vivia um momento que parecia ao mesmo tempo apocalíptico e criativamente revolucionário. Em 1975, a indústria cinematográfica norte-americana se debatia entre o colapso do velho sistema de estúdios e a emergência de uma geração disposta a romper com todos os códigos estabelecidos. O resultado foi uma breve, mas intensa, era de ouro criativa, marcada por ousadia, escândalos, conflitos ideológicos e a sensação de que o cinema ainda poderia mudar o mundo — ou, no mínimo, confrontá-lo.
A Nova Hollywood: diretores tomam o poder
Os anos 1970 inauguraram um ciclo conhecido como Nova Hollywood, em que cineastas, e não produtores, passaram a comandar as grandes narrativas. Inspirados pelo cinema europeu e por uma atmosfera cultural turbulenta — Guerra do Vietnã, assassinatos políticos, protestos civis e o escândalo de Watergate —, esses diretores tomaram as rédeas da linguagem cinematográfica. Eram jovens, ambiciosos e desafiadores: Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Steven Spielberg, George Lucas, Brian De Palma e Robert Altman formavam o núcleo duro dessa revolução.
Eles não queriam mais filmar romances perfeitos ou finais felizes. Queriam retratar falhas humanas, marginalizados, violência, sexo, corrupção e paranóia. Suas câmeras se voltavam para o caos moral da América com uma franqueza que o cinema de décadas anteriores jamais ousara.
1975: o ano do tubarão
O ano de 1975 foi particularmente simbólico. Em junho, “Tubarão” (Jaws), de Steven Spielberg, estreava com filas nos cinemas, causava pânico generalizado nas praias e redefinia o conceito de blockbuster. O filme transformou o modelo de lançamento hollywoodiano: alta temporada, milhares de cópias, marketing agressivo, merchandising. Foi a primeira vez que o sucesso de bilheteria se tornou sinônimo de hegemonia cultural — um marco que dividiria para sempre a história da indústria.
Ao mesmo tempo, outro filme, de tom e proposta radicalmente diferente, conquistava a crítica e o Oscar: “Um Estranho no Ninho” (One Flew Over the Cuckoo’s Nest), de Milos Forman. Adaptado do livro de Ken Kesey, o filme trazia Jack Nicholson como o símbolo do inconformismo, desafiando uma sociedade institucionalizada e opressora. O longa ganhou os cinco principais prêmios da Academia (Filme, Diretor, Ator, Atriz e Roteiro Adaptado), algo raríssimo na história do Oscar — e um indicativo de que a crítica ainda valorizava o risco.
Outros títulos de 1975 comprovam a diversidade da produção: Barry Lyndon, de Kubrick, uma ode estética ao século XVIII; Nashville, de Altman, um retrato satírico da política e da música; Cães de Palha, de Sam Peckinpah, testando os limites da violência na tela. Era o auge da coragem autoral.
Escândalos, vícios e contracultura
Mas se as telas mostravam transgressão, os bastidores refletiam um caos ainda maior. A geração da Nova Hollywood também ficou marcada pelo excesso. Drogas, egos inflados, crises mentais e escândalos eram comuns. Diretores como Dennis Hopper afundaram em delírios criativos e dependência química; Roman Polanski, embora ainda prestigiado, seria em breve acusado de estupro de menor — crime pelo qual fugiria dos EUA. Marlon Brando, que já havia recusado o Oscar em 1973 por protesto contra o tratamento aos povos indígenas, era uma presença imprevisível e politicamente combativa.
A cultura de contracultura também expunha os limites do sistema de estúdios. Muitos atores (e atrizes) exigiam liberdade contratual, queriam trabalhar com cineastas independentes, e recusavam personagens convencionais. Era o momento em que a rebeldia parecia mais interessante que o sucesso.
As grandes estrelas de então
Em 1975, Hollywood via o surgimento de uma nova geração de astros e a consolidação de nomes que se tornariam eternos. Jack Nicholson, com seu sorriso anárquico, era o símbolo do anti-herói da década. Al Pacino, Robert De Niro, Gene Hackman e Dustin Hoffman representavam a virada para um tipo de masculinidade mais complexa, atormentada e realista. Entre as mulheres, Jane Fonda liderava com talento e ativismo, enquanto Faye Dunaway, Barbra Streisand, Goldie Hawn e Liza Minnelli ocupavam com firmeza um espaço que começava, lentamente, a se abrir para protagonistas femininas não-convencionais.
Ainda assim, o sexismo reinava: diretoras eram quase inexistentes, roteiristas mulheres raras, e atrizes com mais de 40 anos viam suas opções minguarem. A revolução feminina no cinema ainda estava engatinhando.
O mundo em colapso, refletido na tela
Hollywood em 1975 também reagia ao ambiente político. A queda de Richard Nixon e o fim oficial da Guerra do Vietnã em abril daquele ano criaram uma atmosfera de desconfiança e desencanto. Filmes paranoicos, como Todos os Homens do Presidente e Rede de Intrigas, não apenas refletiam a crise de confiança nas instituições — eram produtos diretos dela. O cinema passou a ser veículo de denúncia, dúvida e resistência.
Havia, no fundo, a sensação de que a América não era o que prometia — e que o cinema precisava escancarar essa mentira.
Hollywood ontem e hoje: o que mudou?
Meio século depois, Hollywood é um lugar bem diferente. A Nova Hollywood deu lugar a uma Nova Indústria: mais digital, mais diversificada, mais consciente — e mais controlada.
Os grandes estúdios foram engolidos por conglomerados (Disney, Warner, Amazon, Netflix). O streaming substituiu a sala de cinema como principal vitrine. A inteligência artificial ameaça profissões criativas. E o sucesso, hoje, depende mais de franquias e propriedades intelectuais conhecidas do que de originalidade.
Se em 1975 um filme como Um Estranho no Ninho ou Taxi Driver podia ganhar milhões, hoje seria provavelmente uma minissérie da HBO. A figura do diretor autoral foi substituída por showrunners e executivos de IP (Propriedade Intelectual). A arte do risco cedeu espaço ao algoritmo da certeza.
Mas há também conquistas: as mulheres e pessoas racializadas têm mais espaço, o assédio começou a ser denunciado com seriedade após o movimento #MeToo, e há um esforço crescente por representatividade. A rebelião de 1975 plantou sementes que, décadas depois, começam a florescer.
Um espelho partido
Hollywood em 1975 era, ao mesmo tempo, um reflexo e uma distorção do mundo real. Seus filmes podiam denunciar o sistema, mas seus bastidores muitas vezes o reproduziam. Era uma fábrica de sonhos que flertava com o pesadelo — mas que, nessa tensão, produziu algumas das obras mais poderosas da história do cinema.
Hoje, os sonhos são mais calculados, os escândalos mais digitalizados, e os riscos mais diluídos. Ainda assim, persiste a pergunta que inquietava aquela geração: o que o cinema deve ser — entretenimento ou espelho? A resposta, talvez, continue mudando a cada nova revolução.
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