Quando, no clássico The Great Gatsby, F. Scott Fitzgerald descreve seu protagonista vestindo um terno rosa, o detalhe não passa despercebido. Nick Carraway, o narrador, registra a cena com uma pontada de julgamento: Gatsby havia se esforçado tanto para parecer um cavalheiro, mas agora aparecia com “um terno rosa” — uma cor que, aos olhos da sociedade da década de 1920, comprometia sua seriedade, sua masculinidade e até sua posição social. O terno rosa, naquele contexto, não era só uma peça de roupa; era um símbolo de excesso, inadequação, artificialidade. E, ao mesmo tempo, de romantismo desesperado. Afinal, Gatsby se veste assim para impressionar Daisy.

Essa cena diz muito sobre a forma como o rosa foi — e ainda é — codificado culturalmente. Por muito tempo associado ao feminino, ao frívolo ou ao infantil, o rosa precisou lutar por espaço no guarda-roupa masculino. Mas a história não começa assim.
O rosa já foi masculino
Nos séculos 17 e 18, especialmente na Europa aristocrática, o rosa era cor de poder. Em retratos da corte francesa e inglesa, nobres e reis, como Luís XV, usavam casacos, meias e coletes rosa adornados com rendas, ouro e bordados elaborados. Era uma cor quente, ligada ao vermelho — e, portanto, associada à virilidade, ao erotismo e ao prestígio. O rosa não era visto como frágil, mas como sofisticado.
A mudança veio com o século 19. A ascensão da moral vitoriana, das distinções rígidas entre os papéis de gênero e da nova burguesia urbana transformou o vestuário masculino em algo mais sóbrio e funcional. Com isso, o rosa foi sendo relegado ao universo do feminino.
Curiosamente, até os anos 1920, não havia uma associação definitiva entre rosa e meninas. Nos Estados Unidos, catálogos de roupas infantis ainda recomendavam rosa para meninos — por ser mais “vivo” — e azul para meninas, mais “delicado”. Só nas décadas de 1940 e 1950, com o crescimento da indústria da moda infantil e da publicidade, a divisão se cristalizou: rosa para elas, azul para eles.

O preconceito moderno
No século 20, o rosa passou a ser visto como um traço de feminilidade, afetividade ou, muitas vezes, homossexualidade. Nos ambientes masculinos tradicionais — escolas, exércitos, escritórios — era impensável que um homem sério se apresentasse em rosa.
Essa associação foi explorada até por regimes autoritários. No nazismo, homens homossexuais eram marcados com triângulos rosa nos campos de concentração. Isso deixou uma ferida cultural duradoura, reforçando o tabu em torno da cor como sinal de “desvio”.
Mesmo na cultura pop, poucos se arriscavam. O rosa era símbolo de excentricidade, usado apenas por personagens cômicos ou ousados, como Elton John e Prince — ambos em contextos de glamour extremo ou teatralidade queer.
A retomada: dos anos 2000 ao “Barbiecore”
Foi só nos anos 2000 que o rosa começou a voltar ao guarda-roupa masculino com mais força. A figura do “metrosexual” — homem urbano, vaidoso e antenado — começou a incorporar tons rosados em camisas polo, tênis e acessórios. Mas ainda era uma tendência tímida, não exatamente subversiva.


A virada mais significativa veio na segunda metade da década de 2010, quando o rosa deixou de ser apenas um detalhe e voltou com protagonismo. A alta-costura deu os primeiros sinais: desfiles da Gucci sob direção de Alessandro Michele trouxeram ternos de alfaiataria em rosa pastel e fúcsia, resgatando uma elegância andrógina e barroca.
Em paralelo, a cultura se movia: o debate sobre masculinidade tóxica ganhava espaço, e as novas gerações já não viam problema em expressar sensibilidade estética por meio da cor. O rosa voltou a ser desejável — não como fetiche, mas como declaração de liberdade e estilo.
A explosão definitiva veio com o fenômeno Barbiecore, entre 2022 e 2023, puxado pelo marketing e o impacto cultural do filme Barbie, de Greta Gerwig. Pela primeira vez em décadas, o rosa dominava vitrines, tapetes vermelhos e timelines — e os homens estavam totalmente incluídos na festa.


Celebridades que vestem rosa sem medo
Hoje, o terno rosa — e o rosa em geral — já não é tabu. Tornou-se símbolo de estilo, irreverência e autoafirmação. Alguns dos homens mais influentes e estilosos do mundo o adotaram como parte natural do seu repertório visual.
Elvis Presley, no seu auge, apareceu de rosa, mas nas última décadas a cor voltou com tudo. No cinema e nas premiações, atores têm usado rosa com uma confiança que surpreende. Brad Pitt é um dos adeptos. Ele chamou atenção em 2022 ao surgir com um terno de linho rosa e saia combinando na estreia de Trem-Bala, em Berlim. A escolha era clara: mostrar que masculinidade e suavidade não se excluem. Desde então rosa tem sido sua cor constante.
Timothée Chalamet, camaleônico na moda, também vestiu rosa em diversas ocasiões — de smokings pastéis em Cannes a peças transparentes em editoriais, sempre rompendo limites com charme. Jared Leto, colaborador de longa data da Gucci, é presença constante em visuais rosa vibrantes, do cetim aos metálicos, fundindo moda e performance.

Ryan Gosling, durante a divulgação de Barbie, adotou o rosa como estética e personagem. Vestiu-se com veludo, cetim e alfaiataria cintilante, tornando-se a personificação do novo Ken até no Oscar. Já Andrew Garfield optou por tons mais discretos, como rosa queimado e salmão, modernizando o clássico com um toque romântico. Billy Porter, ícone queer e político, eleva o rosa a níveis teatrais — com capas, vestidos e híbridos de smoking — transformando-o em cor de luta, visibilidade e poder.
No universo da música, Harry Styles é talvez o rosto mais emblemático do rosa nos anos 2020. Em capas de disco, editoriais da Vogue e figurinos de palco, ele mistura o rosa com pérolas, babados e alfaiataria leve, encarnando uma nova masculinidade afetiva. Lil Nas X eternizou um look de cowboy rosa choque no Grammy de 2020 e, desde então, usa o rosa como linguagem queer, pop e debochada. Bad Bunny, gigante da música latina, também explora o rosa em clipes, campanhas e desfiles — fundindo sensualidade, cultura urbana e liberdade criativa.
Até no esporte o rosa ganhou espaço. O piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton veste rosa com frequência, seja em ternos elegantes ou conjuntos esportivos de luxo. Para ele, é uma forma de mostrar que o atleta contemporâneo pode (e deve) ser estiloso. O jogador Neymar Jr., estrela do futebol global, também surgiu em campanhas vestindo rosa, misturando o tom com tatuagens, correntes e streetwear, ajudando a popularizá-lo entre os mais jovens.
Rosa: de tabu a tom de poder
Hoje, o rosa deixou de ser “cor de menina” para se tornar símbolo de estilo, liberdade e sofisticação. O preconceito ainda existe, mas perdeu força diante da avalanche de homens públicos que usam o rosa sem medo — e, muitas vezes, com orgulho.

O que o rosa representa agora é confiança estética e autonomia narrativa. Ele pode ser romântico, sexy, irônico, dramático ou elegante — depende mais de quem o veste do que da cor em si. Se antes homens evitavam o rosa para não parecer frágeis, agora o vestem para provar que não têm nada a provar.
E se Gatsby usava seu terno rosa tentando desesperadamente caber em um mundo que o rejeitava, os homens de hoje vestem rosa para dizer, com estilo, que o mundo já não dita mais as regras.
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