A terceira temporada de The Gilded Age parece determinada a seguir o roteiro da história real que a inspira — até o momento em que decide não fazê-lo. Bertha e Gladys Russell, interpretadas com precisão milimétrica por Carrie Coon e Taissa Farmiga, formam uma das duplas mais fascinantes da série: uma mãe obcecada por ascensão social e uma filha pressionada a obedecer. Até aqui, a trajetória das duas ecoa com clareza a de Alva Vanderbilt e sua filha, Consuelo — um dos casos mais notórios de coerção materna da elite novaiorquina do século 19. Mas atenção para o spoiler que Farmiga deixou escapar em uma entrevista: no episódio 6 desta temporada, algo muda. Bertha cede. Gladys vence. E nós nos perguntamos: isso vai durar? Ou é apenas mais uma jogada no xadrez de Bertha Russell?

O precedente histórico: Alva e Consuelo
Alva Vanderbilt foi uma das figuras mais ambiciosas de sua geração. Quando percebeu que os velhos ricos de Nova York desprezavam a recém-feita fortuna dos Vanderbilts, traçou um plano audacioso e fez um baile onde quem ficou de fora da lista de convidados transformou a festa no evento do ano (temporada 1 de The Gilded Age). Depois, comprou a briga das óperas (temporada 2), mas há algo onde a série se afastou. Alva e William se divorciaram e isso fez com que Alva – a parte traída – perdesse todo status que suou para alcançar. Para reverter o quadro, mais uma vez foi ousada: usou o casamento da filha para forçar a aceitação social.
Consuelo, então com 18 anos, foi obrigada a se casar com o Duque de Marlborough, em uma cerimônia que selava a entrada dos Vanderbilt na nobreza europeia. Consuelo não queria o casamento. Estava apaixonada por outro homem. Chorou no altar. Mas a pressão de Alva foi implacável — e pública.

Décadas depois, Consuelo revelaria em sua autobiografia o trauma que viveu. E Alva, já envolvida com o sufrágio feminino, faria uma confissão tardia: “Eu nunca deveria ter forçado aquele casamento.” A reconciliação entre mãe e filha viria, mas tarde demais para desfazer os danos.
A atriz Carrie Coon defende, parcialmente, o princípio de Alva que Bertha usa na série. “Esse é o seu único trabalho. Esse é o seu único outlet para usar suas habilidades intelectuais, para suas ambições. Bertha não é permitida na sala de trabalho. Ela diz isso a George. Ela poderia ter sido uma senadora ou uma CEO, mas ela é relegada a essa esfera [de cuidar dos filhos]. Então o seu trabalho é fazer com que seus filhos se casem bem, para que eles possam fazer o próximo passo. Ela está ensinando-os a ter mais poder e influência do que eles. Ela é muito ambiciosa para eles, porque é tudo o que ela é permitida fazer”, argumenta.
Bertha e Gladys: espelhos e distorções
The Gilded Age não esconde sua inspiração nessa história. Bertha Russell é, desde a primeira temporada, uma força da natureza — determinada a colocar sua família no topo da pirâmide social, não importa o custo. Gladys, por sua vez, é a jovem bela e rica cuja principal utilidade é se tornar a moeda de troca em alianças matrimoniais. A tensão entre as duas cresce a cada temporada. Bertha esconde pretendentes, manipula bailes, isola a filha. E Gladys, até agora, resiste sem sucesso.
Pior, ela conta com a ajuda do pai, mas pode se decepcionar. “George vê o que está acontecendo, mas não pergunta as perguntas certas”, explicou Morgan Spektor. “Bertha é capaz de marcar argumentos lógicos e morais contra a posição de George. E também, provavelmente, para ser justo, George não pensou muito e fez a decisão de querer a filha se casar por amor, mas os tipos de coisas que a Bertha traz para a discussão, ele não tinha considerado”.
Mas o episódio 6 da terceira temporada introduz uma rachadura significativa nesse espelho. Bertha, pela primeira vez, não escolhe o que considera mais vantajoso para a filha, mas o que a faz feliz. É um gesto pequeno, mas radical. É a primeira vez que a série dá margem para que especulemos que essa história não repita o destino trágico de Consuelo. Será mesmo?

“Acho que ela (Gladys) se arrepende da mãe por uma boa parte da temporada, mas no final, Bertha realmente ajuda-a a alcançar, no momento presente, a felicidade“, disse Tassia Farmiga em uma entrevista.
É redenção? Ou estratégia?
A grande dúvida que paira é: Bertha mudou ou apenas adiou sua vitória? Carrie Coon, em sua performance magistral, nunca entrega totalmente os sentimentos da personagem. Bertha pode muito bem estar cedendo apenas temporariamente, em um gesto de contenção para ganhar a confiança da filha antes de dar o golpe final. Ou pode, genuinamente, estar descobrindo que o amor por Gladys é mais forte do que a vontade de vencer o “jogo” social.
Taissa Farmiga, em entrevistas, já indicou que Gladys está começando a entender os limites da própria liberdade. Sua rebeldia ainda é infantil, ensaiada, e pode ser facilmente absorvida por uma mãe que joga a longo prazo. O que parece vitória pode ser, no fundo, apenas mais uma armadilha, afinal, como ela mesma diz, Gladys é privilegiada, ingênua, quer viver pelo amor e pela felicidade, mas não sabe como o mundo funciona. Isso é o oposto da mãe, que veio do nada e construiu tudo.

“Não há muito o que Gladys pode fazer. Ela está em uma posição em que há muitas expectativas da sociedade, dos seus pais, dos seus amigos. Todo mundo vem e diz, você tem que fazer isso, isso é a coisa certa para fazer. E ela se sente perdida”, a atriz comentou.. “Há muito pouco o que você pode fazer quando está contra Bertha e George Russell. São duas pessoas que são muito ambiciosas e veem o caminho para frente, e esse é o caminho. Elas criam as regras e os direitos. E eu acho que a Gladys fica atrapalhada na onda e ela só tem que ir com isso”, continuou.
O mais revelador veio em seguida: “Eu acho que ela se ressente da sua mãe por uma boa porção da temporada, mas para o fim, ela consegue sua liberdade. Graças a Bertha. Bertha vem e mostra como manipular as situações em que ela está para fazer Gladys mais feliz pela primeira vez, genuinamente, no momento presente. Bertha sempre está pensando em um futuro feliz, e no episódio 6, Bertha e Gladys têm uma conexão, Bertha realmente a ajuda alcançar, no momento presente, a felicidade”.
Uau. O que será?
O que The Gilded Age pode fazer de diferente?
Se Julian Fellowes e Sonja Warfield decidirem seguir o caminho histórico, o arco já está traçado: Gladys será forçada a um casamento que não deseja, sofrerá em silêncio e, talvez décadas depois, consiga algum tipo de reparação simbólica. Mas se a série quiser realmente romper com o passado — e com as expectativas do espectador informado — há espaço para reviravoltas mais corajosas.

O momento de entendimento entre mãe e filha pode ser o início de uma nova dinâmica. Gladys pode conquistar a agência que Consuelo nunca teve. Bertha pode descobrir que o amor maternal não é fraqueza, mas outra forma de poder. Ou, ao contrário, a suposta conciliação pode ser um falso alívio antes da tempestade final, uma maneira de preparar o terreno para o golpe derradeiro — seja um casamento forçado, seja uma traição emocional mais cruel.
O que diferencia The Gilded Age de uma simples dramatização histórica é justamente sua liberdade de se desviar. E talvez o que há de mais interessante na temporada atual seja essa tensão: o espectador sabe o que aconteceu com Alva e Consuelo, mas não sabe se Bertha e Gladys vão repetir o roteiro.
Uma mãe que ama demais
Bertha Russell não é apenas uma antagonista de sua filha — é também seu espelho deformado. Gladys quer liberdade, mas ainda não entende o preço que ela exige. Bertha sabe o preço — e talvez, em algum nível, queira poupá-la. É possível que, ao contrário de Alva, Bertha perceba o erro antes de cometê-lo. Mas é igualmente possível que o amor de Bertha continue sendo, como diz Harry Richardson sobre Larry, “um amor que sobrevive às restrições”. E talvez esse amor inclua a restrição da própria filha.

Gladys, por sua vez, precisa crescer para enfrentar a mãe em pé de igualdade. Seu desejo por autonomia ainda soa ingênuo — e a série pode usar esse conflito para mostrar não apenas a emancipação de uma jovem mulher, mas também a dificuldade real de ser livre em uma sociedade que educa suas filhas para agradar.
O ponto de virada
Seja qual for o caminho escolhido, o episódio 6 planta uma semente de ruptura. Pela primeira vez, vemos a possibilidade de que Gladys não seja apenas uma Consuelo reencenada — mas uma nova mulher, com direito à escolha. E Bertha, ao ceder, revela que seu coração pode ser tão estratégico quanto ambicioso.

Se The Gilded Age quiser ir além da reconstituição histórica, este é o momento. O espelho está trincado. Resta saber se ele vai se estilhaçar — ou refletir algo novo.
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