Jennie Jerome: A Inspiração Real de Lizzy Elmsworth

A grande diversão da hora para quem acompanha The Buccaneers e The Gilded Age é descobrir as histórias verdadeiras por trás das séries. Sim, ambas tomam emprestados elementos que parecem fictícios, mas são mega reais.

Isso porque quando Edith Wharton concebeu The Buccaneers, seu romance inacabado sobre jovens americanas buscando ascensão social através de casamentos com nobres ingleses, ela não apenas criou personagens vibrantes e dramáticos: traçou um retrato ficcional da chamada “invasão americana” à aristocracia britânica no final do século 19. Entre essas personagens, Lizzy Elmsworth se destaca como uma figura silenciosamente marcante — e também como uma das mais diretamente inspiradas por uma mulher real: Jennie Jerome, que se tornaria Lady Randolph Churchill e mãe de Winston Churchill.

A associação não é aleatória. Ambas — Lizzy e Jennie — nasceram nos Estados Unidos em famílias de “novo dinheiro” e enfrentaram o preconceito da elite britânica ao cruzarem o Atlântico com o objetivo, declarado ou não, de conquistar títulos, status e aceitação em uma sociedade altamente estratificada. Mas enquanto Jennie Jerome entrou para a história por seu charme político, inteligência e escândalos, Lizzy Elmsworth foi apenas coadjuvante no livro, mas vem ganhando espaço na série da Apple TV+, ironicamente, em um arco controverso e intenso.

A Jennie real

Jennie Jerome nasceu em 1854, filha de um financista nova-iorquino. A mãe, ambiciosa e determinada, levava a família a temporadas em Paris e Londres em busca de conexões com a alta sociedade europeia. Aos 20 anos, Jennie conheceu Lord Randolph Churchill e casou-se com ele em apenas três dias. A união foi tudo menos tranquila: marcada por infidelidades mútuas, escândalos sociais e intrigas políticas. Apesar disso, Jennie desempenhou papel crucial na vida pública do marido e, depois, na carreira do filho Winston, com quem mantinha uma relação intensa e estratégica.

Jennie era conhecida por sua beleza incomum, mas também por sua inteligência afiada e domínio dos códigos sociais britânicos, mesmo sendo constantemente lembrada de suas origens americanas. Sua vida foi marcada por perdas — incluindo a morte precoce de Randolph — e por reinvenções constantes, tendo se casado mais duas vezes com homens mais jovens. Mesmo à margem, ela sempre orbitou o poder.

A Lizzy ficcional

Lizzy Elmsworth, no livro de Wharton, compartilha dessa origem americana e do desejo, muitas vezes forçado por circunstâncias familiares, de se inserir no mundo aristocrático britânico. Embora não ocupe tanto espaço narrativo quanto outras bucanheiras — como Nan e Jinny St. George ou Conchita Closson —, ela é retratada como inteligente, astuta e emocionalmente perceptiva. A famosa frase do romance — “Lizzy Elmsworth was not a good-tempered girl, but she was too intelligent to let her temper interfere with her opportunities” — encapsula esse equilíbrio entre ambição e contenção que marca sua trajetória.

Na série da Apple, Lizzy ganha corpo e protagonismo, sobretudo por meio de um arco sombrio e doloroso: o abuso sofrido por Lord Seadown na primeira temporada e suas consequências emocionais silenciosas. Ainda que os roteiristas tenham se afastado radicalmente da obra de Wharton — a ponto de transformar Lizzy em amante do Duque Theo, uma escolha bastante discutível —, o núcleo emocional da personagem se mantém fiel à inspiração histórica: uma jovem mulher tentando sobreviver (e se afirmar) em um universo que exige muito, mas acolhe pouco.

Outras inspirações reais

A construção das personagens de The Buccaneers está profundamente enraizada em figuras históricas da “Dollar Princess Era”, quando dezenas de herdeiras americanas casaram-se com membros da nobreza britânica. Uma das mais emblemáticas foi Consuelo Vanderbilt, filha de Alva Vanderbilt. Rica, bela e educada com o objetivo de se tornar uma duquesa, Consuelo foi forçada pela mãe a se casar com o Duque de Marlborough. Detestava o marido e a vida imposta, mas cumpriu o papel à risca — até se divorciar e reconstruir sua identidade como filantropa e autora de memórias. Sua trajetória ecoa fortemente na de Nan St. George, especialmente na segunda temporada da série.

Outra figura crucial é Mary Leiter, filha de um magnata de Chicago e futura Lady Curzon. Cultíssima e sensível, Mary viveu com intensidade a pressão da corte britânica e indiana. Seu casamento com George Curzon, vice-rei da Índia, a colocou como figura central do poder colonial britânico, mas também a expôs ao isolamento e exigências que marcaram sua saúde e sua liberdade. Mary pode ser vista como uma possível fonte para a personagem de Jinny — bela, cobiçada e presa a um casamento que promete mais para a sociedade do que para o coração.

Entre o romance e o revisionismo

A nova adaptação de The Buccaneers claramente toma liberdades com o texto e com os contextos históricos que o inspiraram. Em alguns momentos, isso gera cenas tocantes, especialmente quando o foco está nas feridas invisíveis de Lizzy. Em outros, sacrifica profundidade em nome do drama — como no caso do triângulo Theo-Nan-Lizzy, que arrisca esvaziar a complexidade emocional de todos os envolvidos.

Ainda assim, há algo de fascinante nessa tentativa de revisitar, com lentes contemporâneas, o que Edith Wharton apenas começou a escrever. Lizzy Elmsworth, mesmo desfigurada por decisões de roteiro, permanece como uma ponte entre a ficção e a história real — um lembrete de que, por trás de cada “princesa do dólar”, havia uma jovem tentando se reinventar num mundo de regras rígidas, julgamentos silenciosos e oportunidades disfarçadas de armadilhas.


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário