Gladys Russell e Emiliana Concha de Ossa: A Arte da Feminilidade

No episódio de hoje à noite de The Gilded Age, veremos um marco simbólico na vida de Gladys Russell: a introdução à sociedade nova-iorquina de um quadro seu assinado por ninguém menos que John Singer Sargent, o pintor mais requisitado da elite da virada do século. A personagem, conhecida pelo espírito livre e pelo desejo de fugir do casamento arranjado imposto pela mãe, é retratada em um vestido branco de cetim com uma faixa e luvas verdes — imagem que evoca imediatamente a elegância sutil e penetrante de uma verdadeira musa da Belle Époque.

O detalhe curioso — e revelador — é que o modelo do vestido usado por Gladys não é uma criação fictícia do figurinista da série, mas uma réplica fiel de um traje imortalizado por Giovanni Boldini, rival estilístico de Sargent e autor de um dos mais emblemáticos retratos femininos do século 19: o da “Signorina Concha de Ossa”, pintado em 1888. E aqui, a ficção encontra a história com delicada precisão.

Emiliana Amelia Concha de Ossa: a musa sul-americana de Paris

Nascida em Valparaíso, Chile, em 1862, Emiliana Amelia Concha de Ossa era filha de um dos homens mais poderosos e visionários do país: Melchor Concha y Toro, empresário, político liberal e fundador da hoje célebre vinícola Concha y Toro, ainda ativa e referência internacional em vinhos finos. Sua mãe, Emiliana Subercaseaux, pertencia a uma tradicional família aristocrática com raízes espanholas, o que garantia à filha acesso não apenas a recursos, mas a um meio cultivado e cosmopolita.

Durante a adolescência, Emiliana foi enviada a Paris, como era comum entre as elites latino-americanas da época, para completar sua formação em artes, música e idiomas. A jovem chilena rapidamente se destacou não apenas por sua beleza exótica — longilínea, de traços delicados e gestual elegante —, mas também por sua inteligência e discrição, o que lhe abriu portas nos salões artísticos da capital francesa.

Foi nesse ambiente refinado que conheceu o pintor italiano Giovanni Boldini, já então consagrado entre a aristocracia e a alta burguesia europeia. Entre 1887 e 1889, ela posou para ele diversas vezes, mas o retrato mais célebre — o que lhe garantiria lugar na história da arte — foi o “Pastel branco” (1888), como também é conhecido o quadro da Signorina Concha de Ossa. Com dimensões monumentais (cerca de 220 x 120 cm), a obra exibe Emiliana em um vestido branco cintilante, envolta em uma atmosfera de movimento e vaporosidade, símbolo do ideal de feminilidade moderna. Exibido na Exposição Universal de Paris de 1889, o retrato foi premiado com medalha de ouro e consolidou a fama internacional de Boldini.

À direita da composição, uma figura secundária — possivelmente uma criada — observa a modelo com atenção, o que adiciona uma camada de teatralidade e status à cena.

De musa a matriarca

Apesar do destaque nos círculos artísticos de Paris, Emiliana jamais perdeu seus vínculos com o Chile. Em 1889, pouco após a consagração do retrato, casou-se com Luis Gregorio Ossa Browne, membro da elite econômica chilena. O casal retornou periodicamente ao país e manteve ligações com os negócios vinícolas da família Concha y Toro. A propriedade original da vinícola, nos arredores de Santiago, permanece ativa até hoje, inclusive como destino turístico e centro de memória histórica.

A vida conjugal, ao que tudo indica, foi estável e protegida dos escândalos públicos. Ainda assim, Emiliana manteve uma postura reservada, longe das extravagâncias das cortes europeias, o que contribuiu para que seu nome fosse aos poucos eclipsado pelas modas do novo século. Em 1905, faleceu em Lausanne, Suíça, aos 43 anos, vítima de uma infecção pulmonar, possivelmente tuberculose — um destino trágico comum a muitas mulheres de sua geração.

Ecos de Emiliana em Gladys Russell

O paralelo entre Emiliana e Gladys Russell, personagem de The Gilded Age, é mais do que estético — é narrativo. Ambas são herdeiras de grandes fortunas, filhas de matriarcas controladoras, vivendo entre o velho e o novo mundo. Ambas se destacam pela graça sutil e pelo desejo de moldar o próprio destino num universo em que o casamento era tanto contrato financeiro quanto símbolo de status. Mas acima de tudo, ambas usaram a arte como forma de afirmação social e expressão pessoal.

Na série, Gladys — que se recusa a aceitar passivamente o casamento arranjado por Bertha Russell — é apresentada à elite através de sua imagem transformada em arte. O quadro que a retrata, atribuído a Sargent, carrega em si a citação visual direta ao vestido de Emiliana Concha de Ossa, mas com uma ironia elegante: na vida real, Sargent e Boldini eram rivais — e nesta cena ficcional, a personagem é apresentada ao mundo por meio de uma obra falsamente atribuída a um, mas inspirada no estilo do outro.

Com isso, The Gilded Age faz mais do que uma homenagem a uma estética — evoca um arquétipo feminino real: mulheres entre dois mundos, entre o retrato e a liberdade. Emiliana Concha de Ossa, com seu vestido branco imortalizado por Boldini, continua a nos falar através dos séculos — agora, na tela da ficção.


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário