My Mom Jayne: A Jornada de Mariska Hargitay

Em My Mom Jayne, Mariska Hargitay escava as ruínas afetivas e públicas de sua própria origem com coragem e delicadeza. A atriz, conhecida por interpretar a detetive Olivia Benson em Law & Order: SVU, estreia como diretora de documentário em um projeto que é ao mesmo tempo carta de amor, pedido de reconciliação e libertação pessoal. A figura central é sua mãe, a atriz e símbolo sexual Jayne Mansfield, morta tragicamente em um acidente de carro em 29 de junho de 1967 (há exatos 58 anos hoje), quando Mariska tinha apenas três anos — e estava dentro do carro, ferida mas sobrevivente.

O filme, que teve estreia no Festival de Cannes de 2025, não pretende apenas contar a história de uma estrela de Hollywood, mas sobretudo desmistificá-la. Jayne Mansfield ficou conhecida como uma “Marilyn de segunda linha” — exuberante, voluptuosa, fotogênica até a caricatura. Mas sob o brilho rosa-choque dos figurinos e a voz artificialmente esganiçada, havia uma mulher complexa, poliglota, musicista e ambiciosa. A própria Mariska define o documentário como uma escavação arqueológica, na tentativa de resgatar quem sua mãe realmente foi.

A necessidade dessa escavação é pessoal. Para Mariska, crescer sob a sombra de Mansfield foi mais constrangimento do que orgulho. Educada em escolas católicas, aspirando a uma figura materna mais convencional, ela se via diante de uma mulher que vivia nos arquivos da imprensa sensacionalista — eternamente de maiô, seios à mostra, sendo olhada com julgamento ou lascívia, como na famosa foto onde Sophia Loren a fita com reprovação. “Eu só queria uma mãe como as outras. Eu queria menos seios, menos escândalo, menos exagero”, admite no filme.

A narrativa ganha ainda mais profundidade com a revelação de um segredo guardado por décadas: a paternidade biológica de Mariska. Apesar de ter sido criada por Mickey Hargitay — fisiculturista húngaro e ator, casado com Mansfield na época do nascimento da filha —, Mariska descobre na idade adulta que seu pai biológico é, possivelmente, o cantor brasileiro de cidadania italiana, Nelson Sardelli, com quem sua mãe teve um breve romance. A descoberta, negada por Mickey em vida, desestabilizou profundamente a atriz. “Era como se o chão tivesse desaparecido”, diz ela. Mas, ainda assim, decidiu permanecer leal àquele que a criou, mantendo o segredo por respeito.

A partir dessa teia de afetos, mentiras e memórias partidas, My Mom Jayne se constrói como um retrato íntimo de uma família que viveu sob o holofote — e sofreu no escuro. Hargitay entrevista os irmãos, tanto do lado Hargitay quanto do lado Sardelli, e mostra como a ausência da mãe e os traumas não ditos moldaram toda uma geração de filhos. O gesto mais comovente talvez esteja no encontro entre os dois lados dessa árvore genealógica: o momento em que todos assistem ao documentário juntos, de mãos dadas, finalmente capazes de encarar o passado como ele foi — não como foi disfarçado.

O filme também é uma chave de leitura para o próprio percurso de Mariska Hargitay. Sua escolha de papéis, especialmente o de Olivia Benson — uma das figuras maternas mais sólidas e compassivas da televisão americana —, ganha outra camada de sentido. Ao longo de 26 anos interpretando uma defensora de vítimas, Hargitay construiu a imagem oposta à da mãe hipersexualizada: a da mulher que protege, acolhe e escuta. Essa transição simbólica, do objeto ao sujeito, da mulher desejada à mulher que cuida, é central na trajetória da atriz.

Ao final, My Mom Jayne emociona por sua generosidade. É um filme que se recusa a demonizar ou idealizar. Não transforma Jayne Mansfield em mártir nem em monstro. Apenas em ser humano. Em tempos de narrativas polarizadas, esse gesto é revolucionário. É também uma reparação histórica: Mansfield, que passou a vida sendo vista e vendida como imagem, finalmente ganha voz — mesmo que por meio da filha que precisou superar a vergonha para escutá-la.


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