Eles voltaram. E se havia alguma dúvida de que a turnê Oasis Live ’25 seria tanto sobre catarse quanto sobre legado, bastou a primeira música da primeira noite em Cardiff para deixar tudo claro. O riff entra seco, a voz de Liam Gallagher vai surgir com aquele timbre rasgado de sempre e a arena inteira certamente respondendo como se não houvesse amanhã. A faixa de abertura? Acquiesce.
Escolher Acquiesce como a porta de entrada desse retorno histórico é mais do que um gesto inteligente — é uma declaração de intenções. Não era uma música comum nos inícios de show da banda (muito menos para abrir uma nova era), mas tem algo nela que encapsula tudo o que o Oasis foi, é e tenta ser de novo agora.

Para começar, o próprio título carrega peso. To acquiesce é aceitar algo relutantemente, sem lutar — como quem cede por exaustão, sem ter vencido nem perdido, apenas se rendido ao inevitável. Um verbo recorrente em campeonatos de soletração e conversas filosóficas, mas que caiu no colo de Noel Gallagher em uma ligação qualquer nos anos 90, enquanto ele esperava por horas um trem quebrado no interior do País de Gales. Ele escreveu boa parte da letra ali mesmo, preso no tempo, o que tem um toque quase poético pensando em onde estamos hoje: de volta ao País de Gales, décadas depois, começando tudo de novo com essa mesma música.
Acquiesce é uma das raras faixas em que Liam e Noel dividem os vocais — Liam nos versos, Noel nos refrões. E isso importa. Importa porque essa tensão vocal, essa alternância entre força e entrega, entre raiva e ternura, é a essência do Oasis. São dois irmãos que se amam, se odeiam, se suportam, se completam — e que talvez, como diz a música, saibam que “precisam um do outro” e “acreditam um no outro” mesmo quando fingem que não.
Porque precisamos um do outro
Acreditamos um no outro
E eu sei que vamos descobrir
O que está adormecido em nossa alma“Acquiesce”, Oasis

O fato de Noel ter escolhido o setlist inteiro da turnê também pesa. Esse sempre foi o território dele: as decisões, o repertório, o controle. Mas abrir com Acquiesce, uma faixa que nunca foi single oficial, que ficou relegada a B-side de Some Might Say, apesar de muitos (inclusive Alan McGee) acharem que deveria ter sido hit, mostra que ele está falando diretamente com os fãs. Ele sabe o que essa música significa. E talvez, só talvez, também esteja reconhecendo que há coisas que dormiram por tempo demais — como a própria banda — e que agora precisam acordar.
Há trechos da letra que soam quase proféticos hoje, como “I know we’re going to uncover what’s sleepin’ in our soul”. Há algo despertando nessa volta. Há uma chance, mesmo que mínima, de cura, de nostalgia que não fere, de memórias que podem ser revisitadas sem guerra.
E também há humor. Noel vive dizendo que a música não é sobre ele e Liam, e faz questão de zombar da leitura sentimental: “nunca dividi uma cama com o nosso kid, e se fosse dividir, com certeza não seria com ele”. Mas ele também sabe que o mito existe. E jogar com isso, como ele sempre fez, é parte do charme.
Começar com Acquiesce é um aceno ao passado, mas também uma provocação ao presente. É como se eles nos dissessem: aceitem, mesmo que com relutância, que estamos de volta — e que essa história, para o bem ou para o caos, ainda não acabou.
E se depender da reação em Cardiff, o que estava adormecido em nossas almas, acordou.
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