Supostamente, em The Gilded Age, Marian Brook é a grande mocinha da história, deixando personagens mais ambíguos, como Bertha Russell, em xeque diante de sua convicção de ser uma mulher forte em tempos em que a meta de qualquer uma era ter um bom casamento. “Bom” não queria dizer, necessariamente, feliz — sabemos bem disso.
Na sinopse original da 1ª temporada, Marian era apresentada como “heroína principal” e uma jovem encantadora e forte, que queria mais do que um casamento: queria fazer algo da vida. E chegamos à terceira fase da história vendo uma Marian ainda com esses mesmos princípios, mas já bastante transformada.

Criada diretamente da mente de Julian Fellowes, Marian não é como Lady Mary Crawley, de Downton Abbey — uma herdeira com títulos. É, na verdade, uma jovem do interior cuja virada do destino veio com a morte do pai, que a deixou com apenas 30 dólares e sem perspectiva de futuro. Sem opção, aceita viver com duas tias que jamais tinha conhecido. Assim chega a Nova York.
Nas minhas referências de autores da época, Marian parece mais uma personagem de Henry James do que de Edith Wharton, com fortes ecos de Isabel Archer, de Retrato de uma Dama — o que me assusta diante do sofrimento dessa personagem literária. Para quem não leu o clássico: Isabel é uma jovem americana, inteligente, curiosa e idealista, que viaja à Europa em busca de independência e autoconhecimento. Herdando uma fortuna inesperada, acredita que pode moldar seu próprio destino, recusando propostas de casamento convencionais. No entanto, suas escolhas — especialmente ao se casar com o manipulador Gilbert Osmond — a colocam num caminho de sofrimento e amadurecimento. Isabel é um retrato complexo da luta entre liberdade e as pressões sociais; entre o desejo de viver plenamente e os limites impostos pelo gênero e pela cultura.
A diferença aqui é que, na 1ª temporada, outra trama de James parecia estar no caminho de Marian: a de Catherine Sloper, protagonista de The Washington Square, cujo interesse romântico, Morris Townsend, lembrava em exageradas semelhanças Tom Raikes. O fato de que Raikes se casou com outra partiu o coração de Marian, mas também a fortaleceu.
A evolução de Marian ao longo da série tem sido uma delícia de acompanhar. Seus embates com sua tia Agnes, conservadora e opinativa, são inevitáveis — mas o interessante é que, aos poucos, mesmo contrariada, Marian escuta Agnes, compreende a lógica da sociedade e tenta se adequar aos seus conselhos.

A tímida, quase caipira, do início da história — cheia de cerimônia até mesmo dentro de casa — vem dando lugar a uma jovem mais à vontade, que, depois de uma vida triste ao lado de um pai viúvo e mal administrador, agora está cercada de amor e carinho das tias e do primo, Oscar. Esquecemos que a vida de Marian não foi fácil: perdeu a mãe ainda jovem e claramente lidou com o alcoolismo do pai, como pareceu mencionar veladamente na 2ª temporada.
A modernidade de Marian está em sua admiração por Peggy Scott, que a ajudou no momento mais desolador de sua vida e que tem testemunhado suas cabeçadas com carinho e empatia. Marian quer fazer algo, mas não tem talento ou preparo para nada em especial — o que a aproxima ainda mais de Isabel Archer. Por isso, continua sonhando com um casamento por amor (o que era moderníssimo para a época), mas sabe que não pode se lançar cegamente ao primeiro candidato — tecnicamente, o terceiro.
O pânico que a personagem vive hoje é coerente com sua trajetória: enfrentou a exclusão social de sua amiga, Sra. Chamberlain (que viveu com o marido sem se casar); quase fugiu com Raikes; e, na 2ª temporada, considerou se casar por conveniência com o viúvo Dashiell Montgomery, rompendo o noivado ao perceber que seria sufocada e anulada nessa união.
A paixão por Larry Russell era um desejo antigo dos fãs da série, mas jamais seria fácil. Embora Marian tenha uma conexão familiar mais sólida do que Larry, ele é o milionário — e ela, a pobre. Há muitas candidatas “melhores” do que ela para os casamentos estratégicos da época, e o casal terá que lidar com a oposição ferrenha da mãe dele, Bertha Russell.



Sabendo que não tem mais margem para erro, Marian está insegura em acreditar no amor por parte de Larry. Afinal, amor não era o principal elemento das uniões naquele tempo. Ele a apoia em sua escolha de dar aulas, mas é dependente financeiro dos pais — e obediente também. Vai exigir muita rebeldia e coragem de seu lado para ter Marian como esposa, se é isso mesmo que deseja. É incerto.
Há muito os fãs de Marian se dividem entre os que acreditam que ela é uma milionária sem saber (por conta de ações em ferrovias que teriam sido deixadas pelo pai) e os que acham que ela realmente não tem um tostão. Sou adepta da primeira teoria — e uma das iniciantes dela. É onde coloco minha fé para uma virada no jogo de The Gilded Age. Mais uma vez, penso em Isabel Archer.
O fato é que Bertha vai tentar separar Larry e Marian — e, até hoje, sempre conseguiu o que queria. Bertha sabe da ligação da jovem com Raikes, do noivado com Dashiell e, claro, da ausência de fortuna. Mesmo que Marian se tornasse repentinamente dona do mundo, Bertha não a consideraria suficiente para seu filho predileto. Isso nos faz temer por ela.
Há poucas alternativas materiais para salvar o casal: ou as ações das ferrovias têm valor (algo que Raikes descartou), ou Larry enriquece como sócio de Jack, podendo se impor a Bertha sem pestanejar. Ou mesmo as duas coisas!
Nas sinopses dos episódios 4, 5 e 6, veremos Marian ainda sem enfrentar Bertha diretamente, mas já bastante insegura em relação a Larry. Considerando que Gladys se casa ainda no episódio 4, será que teremos outra festa até o episódio 8?
Estou na torcida!

Como Marian Brook mudou ao longo de The Gilded Age?
A trajetória de Marian é, acima de tudo, um delicado amadurecimento — que não trai sua essência, mas a aprofunda. Ela começa como uma jovem romântica e deslocada, em busca de um lugar no mundo, presa entre o idealismo juvenil e as convenções de uma sociedade hostil às mulheres independentes. Ao longo das temporadas de The Gilded Age, seu olhar se torna mais crítico, suas escolhas mais conscientes, e sua postura mais firme — mesmo que marcada por dúvidas.
Marian aprende com seus erros: a traição de Raikes não a transforma numa cínica, mas a ensina a medir riscos. O quase casamento com Dashiell não destrói sua fé no amor, mas lhe mostra que liberdade e respeito também importam. Com Peggy, ela descobre outra América — uma que lhe ensina mais sobre privilégio e amizade do que qualquer lição da tia Agnes.

Se no início Marian era uma promessa, agora ela é uma mulher em construção, enfrentando o dilema eterno das heroínas de Henry James: a liberdade tem um preço — e nem sempre é aceito pelas estruturas ao redor. Sua maior mudança talvez seja essa: manter o desejo de fazer algo com a vida mesmo quando o mundo insiste em lhe oferecer muito pouco.
A graça de The Gilded Age está justamente em permitir que suas personagens femininas se moldem dentro de uma era que queria limitá-las. Marian não virou Bertha, nem Peggy, nem Agnes — mas encontrou nela mesma um pouco de cada. E essa complexidade silenciosa, longe do protagonismo barulhento, é o que faz dela uma das figuras mais intrigantes e, paradoxalmente, modernas da série.
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