Os Robber Barons e o Impacto das Ferrovias na América de The Gilded Age

Quando The Gilded Age estreou na HBO MAX, ficou claro que o verdadeiro protagonista da série não era apenas a opulência das mansões da Quinta Avenida, mas o poder silencioso e implacável do dinheiro — especialmente aquele vindo das ferrovias. Por volta de 1883, que é mais ou menos o ano retratado na terceira temporada, os Estados Unidos estavam no auge de sua expansão ferroviária, e personagens como George Russell incorporam perfeitamente os chamados robber barons, magnatas que moldaram (e exploraram) essa era de crescimento explosivo.

O boom das ferrovias nos Estados Unidos

Entre 1830 e 1900, os Estados Unidos passaram de poucas centenas de quilômetros de trilhos a mais de 300 mil quilômetros conectando o país de costa a costa. As ferrovias foram o motor da industrialização americana, transformando o transporte de pessoas e mercadorias, integrando mercados regionais e facilitando a migração para o oeste.

A grande virada aconteceu com a Primeira Ferrovia Transcontinental, concluída em 1869, que ligou o leste (a partir de Omaha, Nebraska) ao oeste (Sacramento, Califórnia), unindo o país após a Guerra Civil. A construção foi financiada com generosos subsídios do governo e concessões de terras, criando oportunidades gigantescas — e também muitos escândalos.

Nas décadas seguintes, centenas de novas linhas surgiram, muitas construídas de maneira apressada ou especulativa. Algumas se tornaram impérios duradouros; outras faliram rapidamente. Esse ambiente de riqueza súbita e ruína repentina é o pano de fundo ideal para uma série como The Gilded Age.

George Russell e o império sobre trilhos

Na série, George Russell é um personagem ficcional, mas inspirado em figuras reais como Cornelius Vanderbilt, Jay Gould, Collis P. Huntington, Leland Stanford e James J. Hill. Todos esses homens enriqueceram com ferrovias, operando muitas vezes em zonas cinzentas da ética e da lei. George, por sua vez, aparece em 1883 negociando com J.P. Morgan para obter financiamento para uma linha ferroviária que atravessaria o país — um empreendimento ambicioso e plausível para a época.

Embora a ferrovia transcontinental já estivesse concluída em 1869, o que George parece buscar é o controle de novas rotas paralelas, mais lucrativas, com acesso a regiões industriais e de mineração como Arizona (onde ele tenta comprar minas em Morenci). Na prática, ele quer construir um império integrado: trens, minérios, aço, transporte. Essa lógica verticalizada era típica dos barões do período, que buscavam eliminar intermediários e controlar todas as etapas da produção.

Quem eram os robber barons?

O termo robber baron (“barão ladrão”) começou a ser usado no final do século XIX para descrever industriais e financistas extremamente ricos que usavam práticas agressivas e muitas vezes antiéticas para acumular fortuna. A expressão tem uma carga ambígua: enquanto muitos os viam como gênios empreendedores, outros os viam como exploradores gananciosos.

Entre os mais famosos robber barons estavam:

  • Cornelius Vanderbilt – começou com barcos a vapor e se tornou o rei das ferrovias do leste.
  • Jay Gould – notório especulador ferroviário, envolvido em manipulações de mercado e escândalos financeiros.
  • Andrew Carnegie – dominou a indústria do aço (essencial para as ferrovias) e depois se reinventou como filantropo.
  • J.P. Morgan – não era um industrial, mas um banqueiro que financiava e consolidava impérios (como o de George na série).
  • Leland Stanford – cofundador da Central Pacific Railroad e figura política influente no oeste americano.

Eles enriqueceram como nunca antes na história americana — mas também deixaram um rastro de desigualdade, corrupção e monopólios. Foi por causa deles que surgiram as primeiras leis antitruste e as primeiras regulações de mercado.

A bolha ferroviária e suas consequências

O crescimento acelerado das ferrovias também levou a especulações desenfreadas. Empresas eram fundadas apenas para vender ações, não para operar trens. Muitos investidores perderam tudo quando bolhas estouravam — como na grande crise de 1873, causada por fraudes na construção da Northern Pacific Railroad.

Isso nos leva de volta a The Gilded Age, onde fãs insistem desde a 1ª temporada que se insinua que a jovem Marian Brook herdou ações ferroviárias do pai. Tom Raikes, o advogado encarregado do inventário, diz a ela que as ações não têm valor. Mas fãs especulam: e se ele estiver errado? Ou pior — e se tiver mentido?

A possível fortuna esquecida de Marian Brook

Na série, Marian é apresentada como uma jovem órfã e sem fortuna própria, vivendo de favor com as tias Agnes e Ada. Mas há uma pista importante: o pai dela teria investido em ferrovias. Historicamente, isso era uma das formas mais comuns de investimento para homens de negócios nas décadas de 1860 e 1870 — exatamente o período em que o pai de Marian teria acumulado patrimônio.

Tom Raikes, então apenas um advogado recém-formado, pode não ter entendido o real valor dos papéis, ou pode ter sido desonesto — lembrando que, na primeira temporada, ele tenta seduzir Marian e se aproximar da elite.

Mas há também um fator real da época: ações consideradas “sem valor” podiam, anos depois, se tornar valiosas. Se a ferrovia fosse comprada por uma maior (como George Russell, por exemplo), os antigos papéis poderiam ser convertidos em dinheiro, títulos ou ações de nova empresa. Além disso, dividendos atrasados podiam ser pagos retroativamente, ou a herança poderia incluir participação em ativos não contabilizados inicialmente.

Em resumo, é perfeitamente plausível — tanto historicamente quanto narrativamente — que Marian descubra que é herdeira de uma fortuna oculta.

A riqueza como motor dramático

Essa descoberta teria peso dramático: Marian, sempre colocada como subalterna e dependente, ganharia autonomia. Poderia desafiar as convenções sociais (e a tia Agnes), escolher um casamento por amor, ou mesmo se tornar investidora, algo raro mas não impossível para mulheres da época.

Além disso, essa virada pode servir como espelho da própria “era dourada” em que vivem: uma época em que pessoas comuns podiam, subitamente, se tornar milionárias — mas também perder tudo da noite para o dia.

Uma era movida a trilhos e ambições

The Gilded Age acerta em cheio ao explorar o fascínio e os perigos das ferrovias. George Russell é uma síntese brilhante dos robber barons: visionário, brutal, ambicioso. Já Marian Brook pode representar o outro lado dessa equação — a herdeira esquecida, símbolo das muitas pessoas comuns que, por acaso ou sorte, foram levadas pelas marés de uma economia em frenesi.

Se Marian descobrir que é milionária graças a ações que todos julgavam inúteis, não será apenas um golpe de sorte. Será um reflexo fiel de uma época em que o valor se escondia sob camadas de especulação, papelada e interesses ocultos. Uma época em que o ouro, como os trilhos, podia estar logo abaixo dos nossos pés — bastava saber onde pisar.


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