Esme Creed-Miles: A nova Marianne Dashwood

Poucas jovens atrizes despertam uma sensação tão imediata de intensidade quanto Esme Creed-Miles. Há algo nela — no olhar incisivo, na postura instável, na voz rouca e resoluta — que parece sempre prestes a explodir ou desaparecer. Filha da atriz Samantha Morton, uma das intérpretes mais talentosas e inquietas do cinema britânico das últimas décadas, Esme poderia ter seguido caminhos mais seguros, confortáveis, previsíveis. Mas desde os primeiros passos na carreira, deixou claro que não está interessada em ser “apenas uma filha de”, nem em se moldar a qualquer molde que não tenha escolhido.

Nascida em 2000, Esme cresceu cercada por arte, política e intensidade emocional. Sua mãe, indicada ao Oscar e conhecida por papéis devastadores em filmes como Sweet and Lowdown e Morvern Callar, e claro, destaque recente como a super Rainha Serpente, sempre rejeitou os estereótipos de Hollywood. E é difícil não enxergar esse mesmo impulso rebelde em Esme, que começou a atuar ainda adolescente, mas só se tornou um nome internacional ao protagonizar a série Hanna (2019–2021), do Amazon Prime Video.

Em Hanna, Esme interpretava uma jovem criada em um programa de treinamento militar secreto, tentando escapar de seu passado enquanto descobria o mundo — e a si mesma. O papel exigia não apenas fisicalidade e resistência (ela fez grande parte das cenas de ação sem dublê), mas também um mergulho profundo em estados de vulnerabilidade emocional. Esme entregou uma performance que transitava entre a brutalidade e a ternura, entre o instinto de sobrevivência e o desejo adolescente de pertencimento. Foi ali que muita gente começou a prestar atenção: havia algo nela que não era treinado, nem ensaiado demais. Havia verdade. Havia presença.

Sua participação em Sandman, da Netflix, também foi significativa. E desde então, seus projetos têm sido escolhidos com cuidado. Nada de comédias românticas fáceis ou papéis decorativos. Esme parece atraída por personagens que estão em fratura, que não sabem muito bem quem são — mas estão dispostas a descobrir, mesmo que o caminho seja torto. Ela já afirmou em entrevistas que se interessa por histórias “sobre margens, sobre quem vive em deslocamento”. E talvez seja essa busca que a levou a aceitar seu novo e mais inesperado desafio: dar vida a Marianne Dashwood na nova adaptação cinematográfica de Razão e Sensibilidade, de Jane Austen.

Marianne, a irmã impulsiva, romântica, destrutiva e brilhante — muitas vezes tratada como coadjuvante na sombra da sensata Elinor — ganha agora, nas mãos de Esme, uma nova chance de existir em toda a sua complexidade. A produção, que será dirigida por Georgia Oakley (Blue Jean), contará com Daisy Edgar-Jones como Elinor e promete uma abordagem emocionalmente mais densa e menos enfeitada das heroínas de Austen. E é difícil imaginar alguém melhor do que Esme para encarnar uma Marianne que não seja apenas jovem e apaixonada, mas também furiosa, desiludida, à beira do colapso — e, por isso mesmo, absurdamente real. (Há rumores que os papéis masculinos de Edgar Ferrars e John Willoughby contem com Paul Mescal e Josh O’Connor).

Não se trata de fazer uma “Marianne moderna” com celular na mão e discurso feminista óbvio. A aposta aqui parece ser outra: revelar que Marianne já era, em 1811, uma jovem fora de seu tempo. Que sua recusa em esconder o que sente, seu desprezo por convenções, seu mergulho cego no amor — tudo isso a torna radical. E que talvez, em 2025, a audiência esteja finalmente pronta para entendê-la sem paternalismo. Com sua expressão inquieta e voz que nunca parece completamente domada, Esme pode nos entregar uma Marianne diferente de tudo o que já vimos no cinema: menos adorável, mais errática; menos decorativa, mais viva.

Além do talento evidente, há também em Esme uma espécie de dignidade artística rara em sua geração. Ela se envolve nos projetos como quem constrói algo maior do que si mesma. Tem interesse por direção, escreve poesia e já declarou que quer trabalhar com mulheres cineastas que não tenham medo do desconforto. Não à toa, Razão e Sensibilidade terá uma equipe majoritariamente feminina — e parece pronta para mergulhar nas contradições da vida emocional das mulheres sem suavizá-las.

Se há algo que define Esme Creed-Miles, talvez seja essa coragem de não querer ser simpática. De escolher papéis que sangram, que falham, que buscam — e que não têm medo de quebrar a narrativa idealizada do feminino. Ela não busca aprovação: busca significado.

E ao assumir o papel de Marianne Dashwood — uma heroína que ousou amar demais em um mundo que só valorizava o controle —, Esme encontra um espelho histórico à sua altura. Uma personagem que, como ela, jamais será esquecida ou ignorada. Que arde. Que incomoda. Que permanece.


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