Ele acreditava no inexplicável.
Ela, no silêncio das cores.
Ele escrevia para ninguém.
Ela pintava para esquecer.
Nicholas Coughlan e Isabel Gore são duas almas solitárias, separadas por distância, tempo e tragédia — mas unidas por algo mais profundo que palavras: o destino. Em uma Irlanda à beira da transformação, envolta em névoa, vento e lembranças ancestrais, suas histórias se desenrolam como dois fios destinados a se entrelaçar, não importa quanto demorem.
Nicholas cresce em Dublin nos anos 1970, em um lar comum até o dia em que seu pai, William (interpretado por Pierce Brosnan), vê a luz bater sobre um papel mata‑borrão e interpreta isso como um chamado divino. Abandona tudo — o emprego no serviço público, a família — para se tornar pintor. É um gesto de fé ou egoísmo? Um delírio espiritual ou uma forma de libertação? Bette, sua esposa (vivida por Imelda May), mergulha lentamente na angústia, enquanto o jovem Nicholas, sério e introspectivo, observa o mundo ruir à sua volta, buscando consolo na escrita e em uma sensibilidade que ainda não entende.

Ao mesmo tempo, numa ilha remota na costa de Galway, vive Isabel (Ann Skelly), uma adolescente vibrante e sensível. Seu mundo também é marcado por uma ruptura inexplicável: seu irmão gêmeo, Sean (Donal Finn), sofre um colapso após uma misteriosa experiência religiosa e nunca mais fala, preso a uma cadeira de rodas. Isabel o ama profundamente, e o carrega para a praia em seu “último dia de infância”, antes de partir para um convento rígido no continente. Filha de um poeta melancólico, Muiris (Gabriel Byrne), e de uma mãe forte e prática, Margaret (Helena Bonham Carter, magnífica em cena), Isabel tenta resistir à dor criando beleza com pincéis — mas sua arte, como a de Nicholas, é menos refúgio do que presságio.
Desde o início, sabemos que Nicholas e Isabel se pertencem. É ele quem nos conta, em voz off, que essa será uma história de amor. A forma como isso acontecerá é o verdadeiro mistério.
Baseado no romance de estreia de Niall Williams, publicado em 1997 e sucesso internacional, Four Letters of Love ganha adaptação para o cinema com roteiro do próprio autor e direção sensível de Polly Steele (The Mountain Within Me). O filme evita os clichês grandiosos do gênero e se apoia na força das pequenas emoções — no não dito, no silêncio entre duas frases, na força de um olhar. Há realismo mágico e há poesia, há dor e há esperança. Há fantasmas — literais e emocionais — que assombram os caminhos de seus personagens.
A estética é um dos pontos altos: a cinematografia transforma a costa irlandesa num personagem por si só, com praias desertas, penhascos e campos ondulantes banhados por uma luz suave e quase sobrenatural. As casas modestas têm interiores pintados em tons joia, acolhedores e vívidos, como se os sentimentos dos personagens também habitassem aquelas paredes. Tudo é impregnado de atmosfera — de vento, sal, fé e perda.
Os atores entregam performances comoventes. Bonham Carter brilha ao dar vida à matriarca que “mantém tudo funcionando” sem perder ternura nem dignidade. Seus diálogos com Gabriel Byrne, que interpreta o pai de Isabel, sugerem décadas de cumplicidade e dor compartilhada. Brosnan, por sua vez, entrega um William enigmático: ora patético, ora profético, sempre crível em sua busca por sentido — mesmo às custas da família que deixa para trás.

O uso da narração literária (voz off) talvez divida opiniões: alguns verão como trapaça cinematográfica, outros como homenagem à linguagem do livro. Mas é ela que reforça o tom quase mitológico da jornada: Nicholas e Isabel não vivem uma história de amor qualquer, vivem uma que já estava escrita em outro lugar, antes mesmo de começarem.
Entre encontros perdidos, amores errados e momentos em que sexo é confundido com salvação, Four Letters of Love caminha em direção ao inevitável: o encontro entre dois seres que só se compreendem quando se olham. A conexão, quando finalmente acontece, pode parecer breve — ou apressada — mas carrega o peso de toda a espera, de todos os sinais, de todos os silêncios.
As “quatro cartas de amor” que dão título ao livro e ao filme talvez nunca sejam lidas em voz alta. Elas não são feitas de tinta e papel, mas de memória, sacrifício, saudade e desejo. Porque às vezes, o amor não é aquilo que se escreve — é aquilo que se guarda.
Destalhe especial – a música que sela a emoção
Como se não bastassem as imagens encantatórias e os silêncios carregados de sentido, o filme ganha ainda mais alma através da música. O ator e cantor Johnny Flynn — reconhecido por trabalhos em Emma e Ripley — co‑escreveu e interpreta a canção-título “Four Letters of Love”, em dueto com Katherine Priddy, numa composição assinada também por Anne Nikitin e o próprio Niall Williams . Lançada oficialmente em 18 de julho de 2025, a música é um lamento ancestral. Versos ecoam imagens dos personagens e do cenário:
“Island roads… madness grows…
A poet’s daughter came from the water…”

Sua voz rouca e delicada parece vir de um lugar além do tempo, como se o coração da Irlanda – e de Nicholas e Isabel – cantasse suas próprias cartas. Essa canção não apenas marca os créditos finais, mas sintetiza o sentimento do filme: fé, tempestade, arte e uma espera que se torna música.
Para quem está em busca de algo que toque a alma, entre um blockbuster e outro, esta é uma história para ser sentida mais do que explicada. Não há dinossauros, mas há milagres. E, talvez, eles sejam ainda mais difíceis de acreditar — e mais preciosos quando acontecem.
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
