The Cure: Impacto e Legado de The Head on the Door

O The Cure é, sem dúvida, a minha banda favorita. Mesmo que eu os tenha descoberto em 1983, por meio de amigos e fitas que circulavam entre nós, foi com o álbum The Head on the Door que Robert Smith entrou na minha vida para ficar. E ficou mesmo. Ainda hoje me emociono com esse disco — ouço do começo ao fim com a mesma paixão e entrega de quando o descobri pela primeira vez. É um daqueles raros álbuns que parecem feitos sob medida para o nosso próprio universo interno, e ao mesmo tempo ampliam o mundo ao redor.

Lançado em 26 de agosto de 1985, The Head on the Door marca um ponto de virada na trajetória do The Cure. Até então, a banda já tinha uma reputação cult, conhecida por seus mergulhos existenciais nos álbuns escuros e densos como Faith e Pornography. Mas aqui, de repente, Smith resolveu abrir as janelas, respirar e permitir que outras cores, ritmos e texturas invadissem sua música. Foi como se o The Cure tivesse deixado de ser uma banda introspectiva e começado a conversar com o mundo — sem nunca perder a poesia melancólica que os tornou únicos.

Na época em que foi lançado, The Head on the Door causou impacto imediato. Era pop sem ser banal, era sombrio sem ser opressivo. Foi o disco que catapultou o The Cure para um novo patamar, fazendo com que deixassem de ser um fenômeno de nicho para se tornarem uma das bandas mais importantes do rock alternativo global. Mas para além da repercussão comercial, o que me toca é o quanto esse álbum parece pessoal. É um disco que abraça o estranho, o leve, o sombrio, o inocente e o angustiado — tudo isso de forma harmônica e inesperadamente dançante.

Produzido por Robert Smith e Dave Allen, o álbum foi gravado em Londres com uma nova formação que incluía o retorno do baixista Simon Gallup, a entrada definitiva de Porl Thompson nas guitarras e teclados, o baterista Boris Williams (ex-Thompson Twins) e Lol Tolhurst, agora exclusivamente nos teclados. Com essa configuração, o The Cure encontrou uma química rara e intensa, algo que transparece em cada faixa.

Smith escreveu todas as músicas sozinho, o que confere ao álbum uma unidade emocional poderosa. E, ao mesmo tempo, é um disco diverso. Cada faixa é um pequeno mundo: uma memória, um pesadelo, uma carta de amor, uma confissão ou um devaneio. O título do disco vem de um sonho recorrente de Smith, em que ele via uma cabeça flutuando atrás de uma porta — uma imagem que traduz bem as sensações de ansiedade, mistério e fragilidade que permeiam o álbum.

In Between Days, por exemplo, é para mim uma das maiores canções já feitas. Sua simplicidade é absolutamente eficaz. A batida, as guitarras acústicas, a urgência da melodia… tudo nela é visual, plástico, direto ao coração. Mesmo hoje, décadas depois, ela soa atual, fresca, como se tivesse sido composta ontem. E o clipe, com aqueles efeitos quase caseiros e a câmera girando em torno da banda, é inesquecível na sua humildade pop.

Close to Me é outro capítulo à parte. Quando vi o vídeo pela primeira vez — com a banda espremida num armário que despenca de um penhasco — fiquei fascinada. Aquela claustrofobia colorida, quase cartunesca, falava de medos reais com uma leveza trágica. A música, com seus teclados e sopros abafados, quase sem guitarras, mostrava o quanto o The Cure podia ser experimental sem perder o apelo melódico. O vídeo virou ícone instantâneo da MTV, mas mesmo isolada da imagem, a música continua perfeita: sufocante, doce, quase sussurrada.

Outras faixas também deixaram marcas profundas em mim. A Night Like This, com seu sax melancólico, parece escrita para ser ouvida à noite, em movimento, com a alma em suspensão. Push tem aquele crescendo instrumental que arrepia, como se estivéssemos correndo para reencontrar alguém que ficou no passado. E Kyoto Song – uma das minhas favoritas – carrega uma vibração oriental fantasmagórica, um suspense romântico que nunca se resolve.

Mesmo as canções menos conhecidas, como Screw e Six Different Ways, mostram a ousadia do disco. É como se Robert Smith estivesse abrindo todas as janelas do seu cérebro e nos convidando a olhar para dentro — mesmo que o que víssemos fosse absurdo, infantil, estranho ou assustador.

O sucesso de The Head on the Door foi imediato. O disco chegou ao sétimo lugar nas paradas britânicas e entrou pela primeira vez na Billboard 200 nos Estados Unidos, sinalizando que o The Cure estava pronto para palcos maiores e públicos mais amplos. Mas nada disso teria importância se a música não fosse tão sincera, tão visceral, tão brilhantemente composta.

Mais do que um sucesso comercial, o álbum pavimentou o caminho para as obras-primas que viriam depois, como Kiss Me Kiss Me Kiss Me e Disintegration. Ao mesmo tempo, consolidou o The Cure como uma banda que sabia habitar tanto os porões da alma quanto as pistas de dança — e isso sem nunca soar oportunista.

E aí entra outro capítulo da minha história com a banda. Apenas dois anos depois, com Kiss Me Kiss Me Kiss Me, eles vieram pela primeira vez ao Brasil, lotando o Maracanãzinho. E eu perdi. Estava morando nos Estados Unidos naquela época e chorei como uma criança. Não só pela chance de não vê-los ao vivo, mas porque The Head on the Door ainda pulsava em mim como ferida aberta e afeto profundo. A sensação era de ter perdido um momento histórico e íntimo ao mesmo tempo.

E o padrão, infelizmente, se repetiu. Toda vez que o The Cure esteve no Brasil, eu estava em outro lugar, morando fora, em outro continente. Já começava a me conformar com a ideia de que talvez nunca os veria ao vivo, que minha relação com eles seria sempre sonora e emocional, mas distante fisicamente.

Mas o destino resolveu me devolver algo. Em 2012, enfim, quebrei o jejum. Assisti a um show completo, ao vivo, e foi tudo o que eu esperava — e mais. Eles tocaram os maiores sucessos de The Head on the Door no meio de tantos outros hits, como se cada faixa ainda fizesse parte do presente — e fazia. In Between Days, Push, Close to Me… todas estavam lá, como tatuagens sonoras de uma vida. Lembro de cada acorde como se fosse um reencontro, uma confirmação: eu tinha esperado, e a espera valeu.

Em 2023, vivi isso de novo. O show parecia uma celebração para os fãs de longa data. Ver aquelas músicas ganhando vida diante de milhares de pessoas, mas sentidas individualmente por cada um, foi algo que me marcou profundamente. Porque The Head on the Door, mais do que um álbum, é um lugar de memória — e estar ali, ouvindo aquelas canções ao vivo, era como caminhar de novo pelos meus próprios sentimentos de adolescente e adulta, tudo ao mesmo tempo.

Hoje, torço para ainda vê-los mais uma vez. Sei que é improvável. O tempo passa, as turnês se tornam raras, e a idade pesa tanto para eles quanto para nós. Mas com o The Cure, aprendi que o improvável é sempre possível. Eles me ensinaram que a melancolia pode ser bela, que o estranho pode ser familiar, e que um disco como The Head on the Door pode atravessar décadas intacto — não apenas sonoramente, mas emocionalmente.

Cada vez que ouço esse álbum, sinto como se estivesse reencontrando uma versão antiga de mim mesma — aquela que chorou escondida ouvindo In Between Days pela primeira vez, que se trancava no quarto para dançar com Close to Me em looping, que encontrou nas letras de Robert Smith não só consolo, mas identidade. E talvez seja por isso que esse álbum nunca envelhece. Porque ele está gravado não só em vinil ou CD, mas na memória emocional de quem o viveu — e continua vivendo.

E enquanto houver uma chance, por menor que seja, continuo esperando pela próxima porta a se abrir. Porque The Head on the Door não é só o nome de um disco. É um convite a atravessar mundos — por dentro e por fora.


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