Billy Joel: And So It Goes – Quando o homem vira a música

Billy Joel nunca foi exatamente um artista fácil de amar — ou de defender. Para quem cresceu ouvindo rock mais cru, ou se acostumou a desprezar o pop de rádio como produto diluído, ele podia soar como aquele tio virtuoso demais no piano, que fazia questão de mostrar que sabia tocar de tudo. E, no entanto, aqui estamos: com um documentário de cinco horas na HBO que, contra todas as expectativas (inclusive as dele), consegue não só nos lembrar por que Billy Joel foi gigante — mas também por que, apesar de tantos tropeços, ainda vale a pena prestar atenção nele.

And So It Goes é, antes de tudo, um mergulho profundo e sem verniz no legado de um cara que — por escolha própria — parou de compor música pop nos anos 90. E que desde então vem sustentando sua relevância no palco e nas memórias afetivas alheias. O mais interessante é que o documentário faz isso evitando os caminhos fáceis. Em vez de transformar Joel em um mito inalcançável ou um mártir da crítica musical, os diretores Susan Lacy e Jessica Levin se dedicam a esmiuçar como as dores, os deslizes e as decisões erradas de Joel acabaram moldando a música — e não o contrário.

O tom é de franqueza quase surpreendente. O cantor, famoso por ter devolvido milhões de dólares à editora HarperCollins por não querer publicar suas memórias, topou dar dez entrevistas aos realizadores e liberou seu repertório quase inteiro para ser usado como trilha — de forma orgânica, e não só ilustrativa. A música, como ele mesmo já disse, sempre foi a melhor maneira de contar sua história. E o filme respeita essa lógica.

Mas o mais revelador é o que não está exatamente dito. Joel fala de seus excessos com álcool, mas comedidamente. Quem entrega mais são as ex-esposas — todas as quatro — que aparecem para compor um retrato multifacetado do homem por trás das canções. Especialmente Elizabeth Weber, a ex-mulher e ex-empresária que, depois de 40 anos de silêncio, finalmente rompe o véu de mistério e admite tanto a potência quanto os conflitos da parceria. Ouvi-la falar de “Stiletto” ou “Just the Way You Are” — com um misto de carinho, ironia e ressentimento — vale mais que mil análises acadêmicas.

Outro acerto do documentário é não negligenciar a obra tardia, os discos menos celebrados ou as faixas “menores” — como “Vienna”, que virou hino da geração Z no TikTok e que aqui ganha nova luz como uma reflexão sobre o pai ausente. Sim, o documentário quer conquistar o fã raiz. Mas também se preocupa em dialogar com quem sempre torceu o nariz para Billy Joel. E faz isso não pedindo desculpas ou rebatendo críticas, mas mostrando — com depoimentos de Bruce Springsteen, Paul McCartney, Pink e até Nas — que o respeito entre pares nunca foi o problema.

Aliás, a presença de Nas é uma das surpresas mais bonitas do filme. Ele entrou na conversa por conta de um sample usado em “Disciple”, mas ficou pela afinidade emocional com “New York State of Mind”, favorita de seu pai. Essa ponte entre gerações, entre gêneros, diz muito sobre o que Joel representa para além do hit-parade dos anos 70 e 80.

O filme também não foge de questões espinhosas: a falência provocada por má administração financeira, os casamentos desfeitos, os surtos de depressão, os episódios de tentativa de suicídio pré-fama, o peso da herança judaica e até o ato político corajoso de usar uma estrela de Davi no paletó após os protestos neonazistas em Charlottesville. Nada disso é explorado como escândalo — mas como parte da textura de uma vida cheia de fissuras e acordes menores.

Se há algo frustrante é que o documentário evita alguns temas mais recentes — como a música lançada em 2023 ou o diagnóstico neurológico de 2025. Mas talvez isso seja coerente com o próprio Joel, um artista que vive entre o palco e o passado, e que nunca demonstrou muita pressa em provar que ainda tem algo novo a dizer.

No fim das contas, Billy Joel: And So It Goes funciona como deveria funcionar um grande documentário musical: ele não tenta reescrever a história, mas reescutá-la. E talvez, para muitos de nós, seja a primeira vez que a gente ouça essas músicas com o ouvido certo — o que aceita que, sim, é possível fazer arte popular, sentimental e ainda assim cheia de camadas.

Billy Joel pode não ter sido um herói do rock. Mas foi, por décadas, um cronista da alma americana. E, como nos lembra a música que dá nome ao filme, ele errou, amou, perdeu e seguiu adiante. And so it goes.


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