Como publicado na Revista Bravo!
Existe algo de muito humano — quase irresistível — na fantasia de trocar de corpo com outra pessoa. Talvez seja curiosidade, talvez uma espécie de escapismo, ou quem sabe uma busca profunda por empatia. O fato é que esse desejo de viver a vida do outro, de enxergar o mundo com olhos que não são os nossos, acompanha a humanidade há séculos. Antes mesmo de o cinema existir, mitos e histórias populares já brincavam com essa ideia: deuses gregos se transformavam em humanos para viver experiências mortais, contos budistas falavam de almas trocando de corpo como forma de evolução espiritual, e até a literatura vitoriana flertava com a troca de identidades como forma de crítica social, como em O Príncipe e o Mendigo, de Mark Twain.
Mas foi no cinema que essa fantasia realmente encontrou um palco cativante. A ideia de duas pessoas — geralmente muito diferentes — acordarem de repente nos corpos uma da outra, e serem forçadas a viver com as dores, rotinas e segredos do outro, virou subgênero. Tudo começa em 1940, com Turnabout, que mostra um casal que troca de corpo por mágica e vê sua vida conjugal virar de cabeça para baixo (no Brasil tivemos um filme semelhante com Gloria Pires e Tony Ramos, Se eu Fosse Você). A fórmula voltou a aparecer na década de 1970 com o clássico Freaky Friday, da Disney, em que uma mãe e uma filha passam a viver uma no corpo da outra e são forçadas a compreender de verdade as pressões da adolescência e da maternidade. Foi um sucesso tão grande que o filme teve refilmagens em 1995, 2003 e, em breve, deve ganhar uma nova versão com as mesmas atrizes.

O auge do subgênero foi nos anos 1980. Hollywood praticamente se apaixonou pela ideia de trocas mágicas: pai e filho em Vice Versa, adolescentes e adultos em 16 Again! e até crianças que viram adultos de um dia para o outro, como em Big, com Tom Hanks. Essa ideia se estendeu para outras variações: trocas de idade, de gênero, de classe social. Em geral, tudo com muito humor, mas sempre com um toque de reflexão: o que a gente aprende quando se vê no corpo de alguém que leva uma vida completamente diferente da nossa?
Com o tempo, o conceito foi ganhando camadas. Vieram filmes como The Hot Chick, em que uma garota popular troca de corpo com um homem adulto (o choque cômico é óbvio), The Change-Up, em que dois amigos — um pai exausto e um solteirão inconsequente — passam a viver vidas trocadas, e até versões sombrias como Freaky, em que uma adolescente troca de corpo com um serial killer. E não dá pra deixar de fora Your Name (ou Kimi no Na wa), o belíssimo anime japonês que reinventou o conceito com sensibilidade, espiritualidade e emoção — talvez a versão mais poética da troca de corpos já feita no cinema.
Diante dessa demanda não é surpresa que teremos um novo Freaky Friday, reunindo mais uma vez Lindsay Lohan e Jamie Lee Curtis nos papéis que fizeram sucesso em 2003. Poucos imaginavam que aquele filme – uma refilmagem – seria tão marcante a ponto de, mais de duas décadas depois, ganhar uma continuação aguardadíssima. A trama da mãe controladora e da filha rebelde que trocam de corpo — em pleno caos da adolescência e da vida adulta — já era conhecida: tratava-se de uma regravação do clássico homônimo de 1976, estrelado por Jodie Foster e Barbara Harris. A ideia de explorar os conflitos geracionais através de uma troca mágica de corpos já havia sido adaptada algumas vezes pela Disney, mas foi a versão com Jamie Lee Curtis e Lindsay Lohan que se tornou um fenômeno cultural.

Parece tão longe, mas em 2003 Lindsay Lohan ainda era uma das maiores apostas teen de Hollywood e Jamie Lee Curtis consolidava sua reputação como atriz versátil, antes de seu Oscar de Atriz Coadjuvante. Essa versão de Freaky Friday de 2003 equilibrou comédia física, emoção familiar e uma trilha sonora pop que ficou na cabeça de uma geração (quem não lembra de “Ultimate”, tocada pela banda da personagem Anna?). O filme foi elogiado tanto pela crítica quanto pelo público e arrecadou mais de 160 milhões de dólares mundialmente. A química entre as protagonistas e o carisma das performances transformaram o longa em um clássico moderno das comédias familiares. Jamie Lee Curtis, inclusive, foi indicada ao Globo de Ouro por sua atuação.
Durante anos, fãs pediram por uma sequência, e a ideia começou a ganhar força real em 2022, quando Jamie Lee Curtis, em meio à divulgação de Everything Everywhere All At Once, revelou publicamente seu desejo de revisitar Tess Coleman. Lindsay Lohan também demonstrou interesse, justamente no momento em que ensaiava seu retorno às telas após um longo hiato. A Disney percebeu a oportunidade e oficializou a produção da continuação em 2023. Desde então, o projeto avançou rapidamente.
Agora, em 2025, Freaky Friday 2 está pronto e trazendo de volta Tess e Anna — agora mais velhas, com novas responsabilidades e desafios. A história parte da premissa de que o tempo passou: Tess está mais próxima da aposentadoria, e Anna, que já é adulta, pode estar casada ou lidando com sua própria filha adolescente. A troca de corpos, claro, acontece novamente — mas agora com uma camada geracional ainda mais complexa, possivelmente envolvendo uma terceira personagem (a neta?). A nova comédia deve explorar os dilemas modernos da maternidade, as diferenças entre as gerações digitais e analógicas, e as tensões que persistem entre o desejo de controle e a busca por independência.

A direção ficou a cargo de Nisha Ganatra (Late Night), e o roteiro é assinado por Elyse Hollander. A Disney promete um filme que conversa com o espírito do original dos anos 2000, mas com o frescor e as questões do mundo de hoje. Ao que tudo indica, Freaky Friday 2 chega como uma carta de amor aos fãs do primeiro filme e uma tentativa de apresentar essa história a uma nova geração. E com Jamie Lee Curtis e Lindsay Lohan reunidas — ainda com aquele timing cômico irresistível —, a nostalgia promete ser irresistível.
E quanto às trocas de corpos? Hoje, já existem mais de 40 filmes com essa premissa. E o número só cresce quando a gente inclui séries, episódios isolados de animações, novelas e produções orientais. Porque a verdade é que essa fantasia nunca envelhece. Ela pode ser engraçada, trágica, romântica ou até aterrorizante — mas sempre parte da mesma pergunta: quem seríamos se estivéssemos na pele do outro? E será que ainda reconheceríamos a nós mesmos?
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