Em 1895, Oscar Wilde vivia o auge de sua carreira: com duas peças em cartaz simultaneamente nos teatros de Londres — An Ideal Husband e sua recém-estreada comédia A Importância de Ser Honesto — era aclamado por públicos e críticos, admirado ao redor do mundo, e vivia, quase abertamente, um romance intenso com um jovem aristocrata. Em poucos meses, porém, uma sucessão de decisões impensadas o levaria da glória à ruína. No centro dessa reviravolta trágica estava sua última peça: A Importância de Ser Honesto, que completa 130 anos desde sua estreia nos palcos.

A estreia triunfal e trágica de Oscar Wilde
No dia 14 de fevereiro de 1895, o St. James’s Theatre, no West End londrino, foi palco de um dos momentos mais brilhantes — e fatídicos — da vida do escritor e dramaturgo. Naquela noite de estreia de The Importance of Being Earnest, a elite cultural e aristocrática da Inglaterra, incluindo o próprio Príncipe de Gales, se reuniu para assistir ao que seria a quarta obra-prima consecutiva do autor em apenas três anos. O próprio Wilde estava presente, vestido com seu inseparável casaco de gola de veludo preto, um anel com escaravelho verde e a icônica cravina verde na lapela — símbolo velado de suas afiliações homoeróticas.
No palco, a peça foi um triunfo. Comédia elegante, espirituosa e absurdamente bem escrita, The Importance of Being Earnest parecia confirmar que Wilde era o grande cronista da sociedade vitoriana. Mas nos bastidores, o escândalo já fermentava. Em menos de três meses, Wilde veria seu nome riscado dos cartazes e da alta sociedade que o aplaudia. Acusado de “indecência grosseira” após uma série de reviravoltas judiciais envolvendo sua relação com Lord Alfred Douglas, Wilde seria condenado a dois anos de trabalhos forçados — uma sentença que o levaria à morte em Paris, cinco anos depois.
A verdade raramente é pura e nunca é simples.
Oscar Wilde, A Importância de Ser Honesto
A trama: trivialidade elevada à arte
The Importance of Being Earnest é, antes de tudo, uma sátira sofisticada dos costumes da aristocracia inglesa. A peça gira em torno de dois cavalheiros — John Worthing e Algernon Moncrieff — que adotam pseudônimos para escaparem das responsabilidades sociais e perseguirem romances em outras esferas da sociedade. John se apresenta como “Ernest” em Londres, enquanto mantém a fachada de um guardião responsável no campo. Já Algernon, ao saber da farsa, decide adotar o mesmo pseudônimo para conquistar a jovem Cecily Cardew.
A confusão de identidades se intensifica quando ambas as pretendentes — Cecily e Gwendolen Fairfax — declaram que só se casariam com um homem chamado “Ernest”. A peça culmina com a descoberta de que John, na verdade, se chama mesmo Ernest, o que transforma o jogo de farsas em um destino cômico. O título da peça, com seu trocadilho intraduzível entre o nome próprio “Ernest” e a virtude “earnest” (sério, sincero), é a chave do humor paradoxal da obra.

Bastidores de uma peça marcada pela destruição
A estreia de The Importance of Being Earnest ocorreu no ápice da notoriedade de Wilde, mas também no momento mais delicado de sua vida pessoal. Enquanto ensaiava a peça, Wilde viajava com Lord Alfred Douglas — o provocativo e mimado “Bosie” — para a Argélia. O relacionamento dos dois já era motivo de rumores. O pai de Bosie, o brutal e homofóbico Marquês de Queensberry, tentou assistir à estreia para lançar um buquê de vegetais podres ao palco. Foi impedido, mas sua humilhação se transformaria em vingança.
Em questões de grande importância, o estilo — não a sinceridade — é o essencial.
Oscar Wilde, A Importância de Ser Honesto
Pouco tempo depois, o Marquês deixou um cartão no Albemarle Club com os dizeres (mal escritos): “For Oscar Wilde, posing somdomite”. Wilde, incentivado por Bosie e contra os conselhos de amigos como George Bernard Shaw, processou o Marquês por difamação. Foi um erro fatal. Para se defender, o Marquês precisaria provar que Wilde, de fato, mantinha relações homossexuais — e ele tinha provas.
O julgamento expôs os escritos de Wilde, incluindo o homoerotismo presente em The Picture of Dorian Gray, e cartas de amor trocadas com Bosie. A defesa alegou que Wilde havia cometido atos de “indecência grosseira” com diversos rapazes — entre eles, prostitutos que testemunharam contra ele. Wilde perdeu o processo, foi preso e, mesmo aclamado por seu discurso de defesa sobre “o amor que não ousa dizer seu nome”, foi condenado a dois anos de prisão em Reading Gaol.

A peça após o escândalo: silêncio, ressurreição e glória
Após a prisão de Wilde, seu nome foi retirado dos créditos da peça. Mesmo assim, The Importance of Being Earnest resistiu. O público seguiu lotando o teatro, incapaz de ignorar o brilho da comédia. Críticos contemporâneos reconheceram a peça como “uma joia de estrutura dramática” e um compêndio das máximas mais espirituosas da era vitoriana.
A peça só retornaria oficialmente aos repertórios com o nome de Wilde após sua morte, quando o mundo começou a reavaliar o autor como mártir cultural. Hoje, The Importance of Being Earnest é considerada uma das maiores comédias da língua inglesa — frequentemente encenada e eternamente estudada por sua combinação de leveza e crítica social.
No Brasil, A Importância de Ser Prudente (como frequentemente foi traduzida) já teve diversas montagens. Nos anos 1960, foi encenada por Paulo Autran, e em 1989, Marco Nanini interpretou Lady Bracknell em uma montagem memorável dirigida por Maurício Sherman, reafirmando a plasticidade cômica e crítica da obra.
No cinema, destaque para o romance e nem tanto para as críticas
Em 2002, The Importance of Being Earnest ganhou uma luxuosa adaptação cinematográfica dirigida por Oliver Parker, que já havia levado outras obras de Oscar Wilde ao cinema, como An Ideal Husband (1999). Batizada como Armadilhas do Coração, tinha um elenco estelar liderado por Colin Firth no papel de Jack Worthing e Rupert Everett como Algernon Moncrieff — repetindo a parceria de Another Country e se reencontrando após o sucesso de Shakespeare Apaixonado — o filme apostou numa estética refinada, com figurinos exuberantes e locações idílicas da Inglaterra eduardiana. Frances O’Connor e Reese Witherspoon completaram o quarteto central, nos papéis de Gwendolen e Cecily, respectivamente, enquanto Judi Dench emprestou sua autoridade cômica à inesquecível Lady Bracknell.

Apesar do prestígio do elenco e da fidelidade ao espírito espirituoso do texto original, o filme dividiu a crítica. Alguns elogiaram sua leveza e charme visual, enquanto outros apontaram um excesso de reverência ou uma certa frieza formal que atenuava a subversão satírica da peça. Ainda assim, a versão de Parker permanece como a mais conhecida entre o público contemporâneo e é frequentemente usada como porta de entrada para o universo teatral de Wilde, funcionando tanto como homenagem quanto como tradução cinematográfica de uma obra essencial.
Relevância cultural e legado
Mais de um século após sua estreia, The Importance of Being Earnest permanece um símbolo do brilhantismo de Oscar Wilde, e um lembrete sombrio do preço pago por desafiar normas sexuais e sociais de uma sociedade hipócrita. A peça consegue rir da elite sem parecer panfletária, rir do amor sem parecer cínica, e rir da própria linguagem sem se esvaziar de sentido.

Foi a última obra de Wilde encenada em vida. De sua cela em Reading, ele revisou o texto e o publicou em livro, mesmo já destituído de cidadania, fortuna e saúde. A peça sobre homens que mentem para amar e mulheres que amam nomes se tornou seu epitáfio artístico: um retrato da comédia humana com a melancolia de quem riu da própria queda.
E assim, The Importance of Being Earnest segue viva — nos palcos, nas telas e nas páginas — como uma comédia que, por trás de sua leveza, revelou o peso de um tempo, de uma sociedade, e de um destino trágico.
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