Presumed Innocent muda tudo: nova temporada, nova história, nova protagonista

Depois do grande sucesso de crítica da primeira temporada de Presumed Innocent (eu, sinceramente, não entrei na onda da série), tudo indicava que a Apple TV+ seguiria investindo na história de Rusty Sabich. O personagem, criado por Scott Turow em 1987, é um dos ícones da literatura jurídica norte-americana, e sua trajetória não parou no livro original: Turow escreveu sequências, e outras adaptações já foram feitas — inclusive um filme para TV com Bill Pullman, baseado no livro Innocent. No cinema, a história de Rusty foi levada às telas por Harrison Ford em 1990, num suspense sombrio e elegante que marcou época. Ou seja, o terreno para uma saga contínua estava posto.

A primeira temporada da série, com Jake Gyllenhaal no papel de Rusty, conseguiu trazer frescor à trama já conhecida, atualizando seu tom para o streaming de prestígio, com episódios semanais, estética caprichada e um elenco de peso que incluía Ruth Negga, Peter Sarsgaard, Renate Reinsve e O-T Fagbenle. O desempenho foi sólido — a Apple chegou a anunciar que era sua série dramática mais assistida até então — e, naturalmente, a renovação veio rápido. Mas, nos bastidores, algo já começava a mudar.

Tanto Jake Gyllenhaal quanto Peter Sarsgaard decidiram não retornar. Peter foi o primeiro a se manifestar, explicando em entrevistas que não tem interesse em projetos de longo prazo. “Sou uma pessoa de uma temporada só”, declarou ao IndieWire, deixando claro que sua prioridade é a liberdade criativa, e não contratos extensos. Gyllenhaal, por sua vez, não comentou diretamente, mas confirmou que seguiria apenas como produtor executivo, sem voltar a interpretar Rusty. Ou seja, o núcleo central da primeira temporada evaporou. E, com isso, a adaptação direta das continuações literárias — como Innocent (2010) e Presumed Guilty (2025) — também perdeu sentido.

Foi aí que entrou em cena a versatilidade de David E. Kelley. Advogado de formação, Kelley é uma lenda das séries jurídicas. Ele criou sucessos como The Practice, Boston Legal, Ally McBeal, Goliath, além de flertar com o drama psicológico em Big Little Lies e o noir judicial em Lincoln Lawyer. Diante da saída das estrelas e da liberdade narrativa conquistada, ele decidiu dar uma guinada total: transformar Presumed Innocent numa série antológica. A partir de agora, cada temporada contará uma história completamente diferente — mas sempre ambientada no universo da justiça criminal, com foco em julgamentos intensos, personagens ambíguos e dilemas morais em alta voltagem. É o modelo que consagrou séries como Fargo, True Detective e The White Lotus, todas bem-sucedidas em reinventar-se a cada temporada com novos elencos e tramas inéditas.

O curioso é que essa mudança se deu antes mesmo de qualquer sequência de Turow ser adaptada — o que mostra que Kelley e a Apple preferiram o risco de algo novo ao conforto de uma história já conhecida. Para sua nova temporada, Presumed Innocent vai se basear em Dissection of a Murder, romance de estreia da britânica Jo Murray, que sequer foi lançado. O livro está previsto para maio de 2026 pela Pan Macmillan e será lançado de forma quase simultânea à série, numa estratégia que combina mídia, publishing e audiovisual de forma inédita.

A trama é puro Kelley: uma jovem advogada, Leila Reynolds, é colocada como defensora de um réu enigmático, Jack Millman, acusado de assassinar um juiz. Leila não tem experiência suficiente para um caso tão midiático, mas o acusado insiste que só será defendido por ela — e se recusa a dizer uma palavra sequer. Para complicar ainda mais, Leila é casada com o promotor que vai conduzir a acusação no tribunal. E, claro, ela também guarda segredos que podem vir à tona no meio do julgamento. Ou seja: não é só uma questão de inocência ou culpa. É uma guerra psicológica onde todos têm algo a esconder.

Quem foi escalada para viver a protagonista? Rachel Brosnahan, que brilhou por cinco temporadas em The Marvelous Mrs. Maisel e recentemente assumiu o papel de Lois Lane em Superman. A escolha é certeira: Brosnahan tem presença, inteligência cênica e carisma para sustentar uma protagonista ambígua e cheia de nuances. Em julho de 2025, Jack Reynor, conhecido por Midsommar e The Perfect Couple, também foi confirmado no elenco, num papel ainda envolto em mistério.

A segunda temporada ainda não tem data de estreia, mas deve repetir o formato de episódios semanais, o que ajudou a impulsionar a discussão da temporada anterior nas redes sociais e na crítica especializada. E, se a série conseguir manter o nível de produção e roteiro — agora com a liberdade criativa de não seguir nenhum livro específico já lançado —, Presumed Innocent pode encontrar um novo fôlego, talvez até mais instigante que o anterior.

No fim das contas, o que parecia um desvio de rota pode ter sido a melhor escolha. Com Kelley no comando, Presumed Innocent agora se reinventa como uma plataforma de histórias intensas e imprevisíveis sobre o sistema judicial — onde, como já dizia a primeira temporada, ninguém é completamente inocente. Nem o réu. Nem a defesa. Nem quem assiste.


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