The Gilded Age: Gladys e a Luta pelo Autoconhecimento

Das várias personagens femininas de The Gilded Age, a jovem Gladys Russell tem uma trajetória particularmente curiosa e dramática. À primeira vista, pode parecer apenas mais uma jovem herdeira presa nas amarras das expectativas sociais e familiares. Mas, conforme a trama avança, fica evidente que ela é muito mais complexa do que um simples retrato de rebeldia juvenil.

Gladys é uma jovem mulher cuja jornada se desenha como uma busca profunda e, muitas vezes, conflituosa, pela liberdade — não apenas a liberdade física ou social, mas sobretudo a liberdade emocional e identitária. E a virada? Nos últimos episódios da 3ª temporada.

A Primeira Temporada: O Reflexo de Um Conflito Interno

No começo, Gladys aparece como uma jovem sob pressão. Filha de uma mãe superprotetora e controladora, Bertha, ela se vê empurrada para um destino que parece não ter sido feito para ela. Tratada como criança por sua mãe, ela sonha em poder ser apresentada para a sociedade, começar a paquerar, a encontrar um marido. Mas Bertha insiste que ainda não é a hora.

Mesmo controlada, Gladys demonstra frustração e questiona repetidamente por que continua sendo infantilizada, mesmo já sendo uma jovem adulta. Mesmo falando em tom contido, representa uma resistência silenciosa e crescente à autoridade de Bertha.

E, de alguma maneira, mesmo sob vigilância, Gladus começa um relacionamento discreto com Archie Baldwin — um pretendente de boas intenções, mas sem a posição social ideal para Bertha. Mesmo sabendo da rigidez da mãe, ela arrisca-se emocionalmente e esconde o namoro, algo impensável para alguém em sua posição.

Quando Bertha descobre e destrói a relação, Gladys não se dobra completamente. Ela demonstra indignação, e embora não enfrente Bertha de forma explosiva, a mágoa e o desapontamento deixam claro que ela está começando a enxergar a mãe de outra forma.

Para deleite de Bertha, Gladys se torna a melhor amiga de Carrie Astor (e também se aproxima de Marian Brook), mas isso acaba sendo um trunfo que ela usa como negócio para finalmente conseguir entrar para o círculode Caroline Astor, a temida Dra. Astor que dita as regras da sociedade em Nova York.

E, quando finalmente é “lançada” à sociedade, Gladys não age como uma boneca decorativa, mas com dignidade e presença. Ela sabe que é um evento coreografado pela mãe, mas ainda assim consegue brilhar por si mesma. Sua postura elegante, o olhar direto, os sorrisos controlados — tudo demonstra que ela sabe quem é, mesmo que ainda não tenha total liberdade.

Mas ao deixar claro que Archie Baldwin não era o que queria, Bertha abre a porta para o que sabemos que vai eventualmente traçar o destino de sua filha como uma figura decorativa no jogo social das “dólar princesses”, as americanas novas-ricas que buscavam status por meio do casamento com aristocratas europeus falidos.

G;adys, claro, não quer se casar sem amor e sua proximidade com o pai, George, e o irmão, Larry, a encoraja a deixar sua vontade conhecida. Seu comportamento nos bastidores revela uma jovem cheia de nuances. Gladys demonstra uma personalidade que mistura ceticismo, humor e uma certa irreverência, que se manifesta especialmente nas interações com suas amigas e, de forma mais privada, consigo mesma.

O Desejo de Liberdade: O Motor da Transformação

Como a atriz Tassia Farmiga aponta, a grande ânsia de Gladys é pela liberdade — principalmente da opressão materna. Essa busca não é simples nem linear. É um processo permeado por descobertas dolorosas, concessões e, acima de tudo, uma crescente consciência do poder que pode ter sobre seu próprio destino, mesmo dentro de uma estrutura social rígida e limitante.

A liberdade que Gladys almeja não se resume a fugir da mãe ou a rejeitar o casamento arranjado; é, antes, um anseio por construir uma identidade que vá além do rótulo de “herdeira” ou “esposa de”. Isso a torna uma figura de empatia para o público, pois seu conflito ressoa como o de tantas mulheres reais — ainda hoje — que lutam para reconciliar expectativas externas e seus desejos internos.

Uma Mulher Que Assume as Rédeas

Com o desenrolar da série, Gladys começa a demonstrar uma força surpreendente. Em conversas com o irmão Larry, especialmente na segunda temporada, Gladys revela que sabe das liberdades que ele tem e ela não — e não hesita em apontar essa injustiça. Isso revela não só autopercepção, mas também uma crítica clara ao sistema patriarcal e ao duplo padrão que a cerca.

Angustiada e ansiosa por liberdade, flerta com a possibilidade de aceitar a proposta de casamento de Oscar Van Rhijn, que só queria uma união de aparência, como objetivo de sair do controle de Bertha. George interfere e a convence de não agir intempestuosamente. Ele vai aceitar um casamento de amor, desde que o eleito seja digno e ela realmente esteja apaixonada. E claro que logo se apaixona por outro.

Há momentos em que Gladys sutilmente impõe limites a pretendentes e à própria mãe. Em uma cena-chave, quando Bertha tenta sugerir discretamente um novo pretendente com pedigree, Gladys retruca com frieza contida, dizendo algo como “Talvez eu tenha outros planos,” e esse “talvez” é calculado — não por falta de convicção, mas como estratégia para não acender uma guerra direta com Bertha… ainda.

No meio da segunda temporada, durante a “guerra das óperas”, o destino de Gladys toma um curso assustador – sem seu conhecimento- quando mais uma vez Bertha a usa deliberadamente como se fosse de posse dela. Sem que nem mesmo George saiba, Bertha faz um acordo com o Duque de Buckingham em troca do casamento dele com Gladys: ele terá acesso ao dote milionário da jovem.

Quando descobre, claro, Gladys ensaia uma rebelião, ainda mais porque quer se casar com Billy Carlton, um jovem de uma família tradicional de Nova York. Ela tenta fugir, chorar, brigar, mas nada funciona.

George tenta ajudar sem ter que se indispor com Bertha, mas nesse jogo, ninguém é mais astuto que ela. Eventualmente o acordo financeiro é feito entre os Russells e o Duque, Gladys se vê forçada a aceitar que não tem argumentos. Ela aceita se casar como Bertha decidiu.

Embora o casamento seja imposto, a narrativa não se limita a mostrá-la como uma vítima passiva do sistema. Pelo contrário, Gladys começa a assumir as rédeas de sua vida matrimonial, encontrando maneiras de negociar seu papel e seu poder dentro daquela relação e daquele contexto social.

Essa transição é emblemática. Ela revela uma mulher que, longe de sucumbir, transforma sua situação em palco para sua própria ascensão pessoal e emocional. Gladys pode — e provavelmente vai — surpreender aqueles ao seu redor ao mostrar que é capaz de ser mais do que a soma das expectativas que a sociedade depositou nela.

O Potencial de Brilhar Mesmo Sob Pressão

A grande beleza do arco de Gladys reside no fato de que sua transformação não depende apenas do rompimento com o passado ou da fuga, mas sim de um florescimento interno. É a demonstração de que, mesmo quando o caminho parece traçado por terceiros, a protagonista pode encontrar maneiras de brilhar, com inteligência, determinação e autenticidade.

Ela pode se tornar uma mulher que influencia sua própria narrativa, que negocia sua liberdade e poder de dentro para fora, e que surpreende tanto a sua mãe Bertha — inicialmente uma figura antagonista e opressora — quanto a si mesma. Esse brilho não está necessariamente em desafiar ou romper com tudo, mas em se afirmar dentro da complexa teia de relações e expectativas, mostrando que firmeza e adaptabilidade podem caminhar juntas.

Ao chegar em sua nova casa, na Inglaterra, Gladys esbarra com outra “Bertha”, sua cunhada, Lady Sarah, que a humilha, pressiona e isola. Infeliz, a jovem mandar um telegrama para casa pedindo socorro. A essa altura, magoado com a esposa por ter vendido a filha, George e Bertha já não estão mais alinhados como antes. Bertha garante que pode ajustar tudo.

O Que Vem Pela Frente: Uma Mulher Que Se Redefine

A intervensão de Bertha é, como Tassia Farmiga tinha alertado antecipadamente, um ponto de virada entre as duas. Invertendo o hábito de todas as temporadas até aqui, Bertha insiste que Gladys sabe e tem força para se impor a Lady Sarah, lembrando à cunhada quem é a Duquesa. E é o que acontece, deixando em aberto para o próximo episódio, onde Gladys e Hector (o Duque), se aproximam e começam a estabelecer ao menos uma amizade.

À medida que a série avança, a jornada de Gladys promete se aprofundar ainda mais. O que parecia ser um destino escrito a ferro e fogo pode ser ressignificado pela força de sua personalidade. Seu relacionamento com a mãe, que parecia apenas um obstáculo, pode se transformar em um terreno fértil para crescimento mútuo — como a própria atriz sugere, ao dizer que a busca por liberdade acaba aproximando mãe e filha de formas inesperadas.

Mais do que uma figura coadjuvante em meio às intrigas e glamour do alto escalão, Gladys tem potencial para se tornar um símbolo de transformação feminina, uma personagem que desafia as limitações de seu tempo ao afirmar sua autonomia emocional, social e até mesmo política, dentro das possibilidades do seu contexto.

Gladys não é apenas uma jovem rica e abastada, submissa aos caprichos da sociedade vitoriana; ela é uma mulher que representa a luta por identidade, liberdade e poder feminino em um tempo que pouco permitia tais aspirações. Sua trajetória, desde a insegurança inicial até o firme posicionamento diante do casamento e da mãe, promete ser uma das mais surpreendentes e inspiradoras de The Gilded Age. Ao tomar as rédeas de um casamento que não escolheu, Gladys pode, sim, brilhar — e fazê-lo à sua maneira, revelando-se muito mais do que uma simples “dólar princesa”: uma mulher à frente de seu tempo.

Se a série seguir a lógica da construção lenta de personagens como Julian Fellowes costuma fazer (vide Lady Sybil em Downton Abbey), é bem possível que Gladys esteja sendo preparada para um momento de ruptura muito maior — onde poderá, enfim, tomar o controle da própria vida. Será?


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