George Russell, Henry Clay Frick e o Preço da Fortuna

Desde o início de The Gilded Age, George Russell sempre foi o retrato mais fascinante da nova elite industrial americana — não apenas por sua presença física imponente ou por sua imensa fortuna, mas pela forma como a série constrói, com paciência e cuidado, um personagem que encarna todas as contradições da Era Dourada. Agora, com seus negócios prestes a ruir, com traições internas e riscos calculados saindo do controle, fica ainda mais evidente que George não é só uma figura dramática: ele é um espelho direto dos barões ladrões da vida real, homens como Henry Clay Frick — que, aliás, sobreviveu a um atentado a tiros, dirigiu uma guerra contra trabalhadores em greve, construiu um palácio na Quinta Avenida e terminou como patrono da arte clássica. A semelhança é tão marcante que parece profética o fato de a HBO ter colocado o elenco de The Gilded Age posando exatamente dentro do Frick Collection, o museu nova-iorquino que hoje ocupa a antiga mansão de Frick. Estava tudo ali, anunciado desde o começo.

Frick nasceu em 1849, no interior da Pensilvânia, e fez sua fortuna no setor de coque, essencial para a produção de aço. Foi o parceiro mais temido de Andrew Carnegie, responsável por aplicar medidas impiedosas de corte de custos e repressão trabalhista. Seu nome ficou eternamente ligado à greve de Homestead, em 1892, quando ele contratou os agentes armados da Pinkerton para esmagar os grevistas que ocupavam uma das usinas da Carnegie Steel. O confronto virou uma chacina. Dias depois, Alexander Berkman, um jovem anarquista russo, entrou no escritório de Frick em Pittsburgh e disparou duas vezes contra ele — à queima-roupa — além de esfaqueá-lo três vezes. Frick não só sobreviveu, como recusou ser levado ao hospital imediatamente. Continuou dando ordens, de terno manchado de sangue, como se nada tivesse acontecido. A tentativa de assassinato, longe de destruí-lo, cimentou sua reputação de homem inquebrável. Ironicamente, foi também o ponto de inflexão que consolidou sua imagem pública como vilão — e o forçou a buscar redenção, ou pelo menos uma memória mais nobre.

Décadas depois, ele construiu sua mansão definitiva em Nova York, na esquina da Quinta Avenida com a 70ª Rua, de frente para o Central Park. Mandou trazer pedra calcária de Indiana, contratou o renomado arquiteto Thomas Hastings e encheu os salões com pinturas de Rembrandt, Vermeer, Goya e Velázquez. Nada ali era aleatório: Frick queria ser lembrado não apenas como um titã industrial, mas como um patrono da civilização ocidental. Quando morreu, em 1919, sua casa se transformou no que hoje é o The Frick Collection, um dos museus mais prestigiados da cidade. Um monumento ao poder convertido em cultura.

George Russell, claro, não é Henry Clay Frick — mas a série se alimenta do mito dele. Como Frick, George é um self-made man que vê o sistema financeiro como um jogo a ser vencido com lógica fria e risco calculado. Ele é temido por seus concorrentes, implacável com seus aliados, e movido por um desejo não apenas de enriquecer, mas de ser aceito, respeitado, elevado. Sua esposa, Bertha, é sua cúmplice nessa missão — e também uma força própria. Juntos, constroem não apenas uma mansão, mas uma narrativa de ascensão. Quando, nos episódios mais recentes, vemos George enfrentando uma tempestade financeira que ameaça todo seu império, a tensão não vem apenas do dinheiro — mas da identidade. O que acontece quando um homem que construiu tudo com as próprias mãos percebe que pode perder tudo por causa da ambição dos outros? E o que ele fará para impedir?

É nesse ponto que o paralelo com Frick deixa de ser decorativo e se torna estrutural. Assim como Frick enfrentou seu momento de crise máxima com uma mistura de rigidez, frieza e brutalidade — e sobreviveu —, o arco de George parece caminhar na mesma direção. Os roteiristas sabem disso. E é por isso que a campanha promocional da temporada usou como cenário o interior do próprio Frick Collection. Não é apenas bonito, nem apenas luxuoso. É simbólico. É o palácio do barão que sobreviveu a tiros, insultos, greves e escândalos — e transformou sua fortuna suja em arte eterna.

Sim, é verdade que George foi inicialmente desenhado como uma síntese dos grandes titãs do capitalismo americano — com ecos evidentes de Jay Gould, William H. Vanderbilt e até dos Rockefellers. Jay Gould era o especulador genial, implacável e odiado, o tipo que manipulava ferrovias e ações com frieza matemática. Já William Vanderbilt herdou e expandiu o império ferroviário de sua família com uma atitude de “business is business” que ecoa em George, mas sem o mesmo senso de urgência e de pertencimento social que a série constrói tão bem. Esses homens servem de pano de fundo, sim. Mas o centro emocional da construção de George — o desejo de aceitação, o confronto direto com os trabalhadores, a transformação de poder bruto em legado duradouro — tudo isso pertence, com muito mais nitidez, à trajetória de Frick.

Frick combina a origem provinciana e o instinto voraz de Gould com a ambição aristocrática de Vanderbilt. Mas ele oferece algo a mais: uma curva narrativa trágica e grandiosa, com atentado, sangue, sobrevivência, queda e reinvenção. É exatamente esse arco que George parece destinado a seguir. Ele está sendo preparado, episódio a episódio, não apenas como um símbolo do novo dinheiro — mas como alguém que, mesmo rejeitado, mesmo ameaçado, se recusa a desaparecer. Um homem que quer ser lembrado, que quer deixar algo mais duradouro do que cifras.

Se Henry Clay Frick conseguiu sair de sua época como um nome gravado em mármore e molduras douradas, George Russell está lutando, dia após dia, para garantir que o seu não seja apagado pela lama. Mesmo que, para isso, precise se tornar exatamente o que seus inimigos sempre disseram que ele era. E talvez, ao final de tudo, isso seja exatamente o que o tornará inesquecível.


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