Amanda Knox reacende um dos casos mais controversos do século

O Disney+ estreia agora em agosto, dia 20, A História Distorcida de Amanda Knox (The Twisted Tale of Amanda Knox), uma minissérie dramatizada que promete ir muito além da simples reencenação de um crime. Trata-se do resgate emocional, político e profundamente humano de uma jovem que a foi legalmente reconhecida como injustamente acusada, condenada e depois absolvida, que segue tendo sua verdade colocada em dúvida até hoje.

Criada por K.J. Steinberg (This Is Us), com produção da 20th Television e da The Littlefield Company, a série tem oito episódios e chega com peso emocional e rigor dramático — não apenas porque conta uma história real, mas porque a própria Amanda Knox é uma das produtoras executivas. Junto com seu marido Chris Robinson, Amanda colaborou ativamente no processo de desenvolvimento e roteiro. Ela teve a chance de moldar, pela primeira vez com liberdade criativa total, a maneira como sua história seria contada para o grande público.

A inocente que o mundo quis odiar

A história real por trás da série é conhecida, mas, segundo ela, ainda profundamente mal compreendida. Em 2007, Amanda Knox tinha 20 anos e estava em Perugia, na Itália, para um intercâmbio universitário. Apenas algumas semanas depois de sua chegada, sua colega de quarto, a britânica Meredith Kercher, foi brutalmente assassinada no apartamento em que ambas dividiam. Era o tipo de tragédia que chama atenção — e logo atraiu a mídia internacional.

Com base em comportamentos interpretados como “inadequados” — ela ria, beijava o namorado, não parecia chorar o suficiente — Amanda foi rapidamente vista como suspeita, depois acusada formalmente e, junto com seu então namorado, Raffaele Sollecito, condenada. Passou quatro anos na prisão e só foi absolvida de forma definitiva em 2015, quando a Suprema Corte Italiana reconheceu que o caso havia sido construído sobre “lacunas e contradições dramáticas”. Havia, afinal, um culpado confesso — Rudy Guede, condenado pelo assassinato e libertado em 2021 — e nenhuma prova física ligava Amanda à cena do crime.

Mas o estrago já estava feito. A imagem da jovem americana “femme fatale”, manipuladora, “sem empatia”, alimentou tabloides do mundo inteiro. Amanda virou personagem de uma narrativa global sobre crime, sexo e moralidade — em que o veredito legal pouco importava. E é isso que a série procura desconstruir: não apenas o erro judicial, mas a maneira como a sociedade inteira, inclusive os meios de comunicação, transformaram uma vítima em vilã.

Quantas vezes essa história já foi contada?

É impossível listar todos os documentários e telefilmes sobre Amanda Knox. Além da cobertura jornalística exaustiva na época, a Netflix lançou em 2016 um documentário marcante (Amanda Knox, dirigido por Rod Blackhurst e Brian McGinn), no qual a própria Amanda, pela primeira vez com mais calma e distanciamento, expõe os bastidores do julgamento e da manipulação midiática.

Antes disso, a história já havia sido adaptada para a TV em produções como Amanda Knox: Murder on Trial in Italy (2011), com Hayden Panettiere no papel principal. Mas nenhuma dessas versões teve o envolvimento criativo direto da própria Amanda — algo que, agora, muda completamente o tom da narrativa.

Grace Van Patten como Amanda

Na nova minissérie, quem assume o papel de Amanda é Grace Van Patten, conhecida por seu trabalho em Tell Me Lies e Nine Perfect Strangers. Grace entrega uma performance sensível, emocionalmente devastadora em alguns momentos — especialmente na sequência do interrogatório, que foi uma das mais difíceis de filmar também para Amanda Knox nos bastidores.

Amanda esteve presente durante as gravações dessa cena, e, segundo entrevistas recentes, se emocionou profundamente ao assistir Grace reviver aquele momento traumático, em que foi submetida a mais de 50 horas de interrogatórios sem advogados e sem tradução adequada. Ali nasceu o que ela chama de sua primeira “ruptura com a realidade”. Reviver isso, mesmo que de fora, foi um dos momentos mais catárticos — e dolorosos — do processo.

A força da distorção

A minissérie tem um título propositalmente provocativo. Não se trata apenas da história de Amanda, mas da história distorcida de Amanda Knox — uma mulher cuja imagem pública foi sequestrada por estereótipos, nacionalismos, misoginia e pela obsessão da sociedade por narrativas fáceis e personagens arquétipos.

Ela foi transformada em símbolo de tudo o que as pessoas queriam condenar numa mulher jovem, livre e confiante. Os tabloides italianos e ingleses a chamavam de “Foxy Knoxy”, reduzindo sua personalidade à sexualidade. Muitos jamais leram uma linha sobre a ausência de provas — ou sobre as inúmeras irregularidades processuais que marcaram seu julgamento.

Mesmo hoje, há quem ainda acredite em sua culpa. Seja por desconhecimento, por teimosia ou por não aceitar o desconforto de reconhecer que uma vida inteira pode ser destruída por um erro judicial amplificado por preconceitos. A série não tem como objetivo convencer os céticos, mas restaurar a complexidade da humanidade de Amanda.

A reação em Perugia e da família de Meredith

Durante as gravações, a produção enfrentou protestos em Perugia, cidade onde o crime aconteceu. Moradores penduraram cartazes exigindo respeito à memória de Meredith Kercher. A própria família da vítima também demonstrou desconforto com mais uma adaptação, com receio de que a nova narrativa minimizasse a dor da perda.

O prefeito da cidade chegou a pedir desculpas públicas por ter autorizado as filmagens, alegando que, ao permitir, poderia ao menos acompanhar de perto o tom do projeto. Esses protestos são compreensíveis — Meredith Kercher, muitas vezes esquecida no turbilhão midiático, é uma vítima real e merece respeito. A série, segundo seus criadores, não tenta apagar isso, mas sim expôr como múltiplas vítimas foram criadas por uma justiça falha e uma mídia sensacionalista.

Amanda, ainda hoje

Por que Amanda Knox ainda revisita essa história, quase duas décadas depois? Porque ela nunca teve a chance de deixá-la para trás. Até hoje, mesmo absolvida, é lembrada, julgada, condenada por olhares silenciosos. Ao participar da série, ela tenta tomar de volta a própria narrativa — um gesto de coragem, mas também de sobrevivência.

A História Distorcida de Amanda Knox não é um thriller policial nem uma reconstrução investigativa. É um retrato íntimo de trauma, manipulação e resistência. Uma denúncia contra os julgamentos que fazemos sem provas. E um lembrete de que, por trás de cada manchete, há vidas que nunca mais voltam a ser as mesmas.


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