Vestindo Peggy Scott: a narrativa oculta nos figurinos de The Gilded Age

Desde a primeira cena em que aparece, Peggy Scott deixa claro que seu figurino não é mero adorno de época — é linguagem. A forma como ela se veste diz tanto sobre a personagem quanto seus diálogos e gestos, e é impossível não notar o cuidado da figurinista Kasia Walicka-Maimone em fazer de cada vestido um capítulo da vida dessa jovem escritora negra no centro de um mundo que tenta constantemente delimitá-la.

A inspiração para o guarda-roupa de Peggy vem de um mergulho rigoroso na moda dos anos 1880, cruzando fontes históricas — como revistas de moda, fotografias de estúdio e vestidos preservados em museus — com a estética pictórica de artistas como John Singer Sargent e Giovanni Boldini. É dessa mistura que nasce o equilíbrio entre fidelidade histórica e apelo visual contemporâneo: as silhuetas permanecem fiéis ao período, mas a câmera encontra nelas um frescor cinematográfico.

A estrutura dos trajes segue a lógica da época: cinturas marcadas por espartilhos, saias com volume concentrado na parte traseira e o onipresente bustle, que moldava o corpo segundo o ideal vitoriano de elegância. No entanto, o que poderia parecer rígido se torna, nas mãos da equipe de figurino, uma extensão da personalidade de Peggy. Os tecidos — sedas em tafetá e cetim, veludos profundos, brocados e rendas — são escolhidos não apenas pelo luxo, mas pelo poder narrativo. Cada textura conta algo: a rigidez de um tafetá pode simbolizar contenção e autocontrole; a fluidez de uma seda leve, abertura e liberdade momentânea.

A paleta de cores que envolve Peggy é particularmente reveladora. No núcleo familiar e em cenas de vida doméstica, predominam tons mais claros e suaves — cremes, rosas empoeirados, azuis lavados — que dialogam com a ideia de respeitabilidade e delicadeza que a sociedade branca esperava de uma mulher negra “aceitável” na classe média alta do Brooklyn. Mas, quando ela se desloca para ambientes onde precisa afirmar presença e autoridade — como as casas aristocráticas de Nova York ou os salões de Newport — surgem os azuis-joia, os verdes profundos, os borgonhas e até detalhes em dourado. São cores que ocupam espaço, projetam confiança e recusam a invisibilidade.

Os motivos e bordados que decoram seus vestidos também funcionam como pistas visuais. Borboletas, flores e padrões delicados aparecem como símbolos de feminilidade e transformação, mas também revelam acesso a mão de obra qualificada e ateliês de alto padrão — um detalhe importante para marcar sua origem social e a rede de suporte familiar. O uso de estampas mais ousadas ou aplicações elaboradas é cuidadosamente dosado: nunca excessivo, mas suficiente para que Peggy se destaque sem violar as regras não ditas do código social que navega.

Essa atenção aos detalhes não é gratuita. A evolução do figurino acompanha milimetricamente a trajetória da personagem. No início, vemos Peggy em roupas práticas, bem cortadas, mas de cores mais discretas, adequadas ao papel de filha e de jovem profissional tentando consolidar seu espaço. Com o avanço da narrativa e o aumento de sua visibilidade — seja no jornalismo, seja em eventos sociais de maior prestígio — as roupas ganham complexidade: entram mais camadas, mais texturas, mais adornos. É como se cada novo passo no seu caminho fosse costurado na barra de suas saias.

O mais interessante é como esse arco de evolução não é linear nem puramente ascendente. Em momentos de crise pessoal ou conflito, o figurino recua: cores mais sóbrias, cortes mais contidos, tecidos menos chamativos. É um lembrete visual de que, para uma mulher negra na Nova York da Gilded Age, o vestir era também uma estratégia de sobrevivência. Escolher um tom neutro ou um chapéu menos elaborado podia significar evitar olhares hostis ou comentários maldosos — e a série traduz isso com sutileza, sem precisar verbalizar.

A simbologia final dos figurinos de Peggy é a de uma narrativa que se costura por dentro e por fora. Por fora, temos a superfície brilhante da alta moda oitocentista: a silhueta, os tecidos luxuosos, as cores exuberantes possíveis graças às novas anilinas sintéticas da época. Por dentro, há um código particular, quase íntimo, que fala sobre identidade, ambição, resistência e a arte de negociar espaços. Peggy não veste apenas vestidos; ela veste mensagens. E, na leitura atenta de cada pregas, plissados e bordados, está o retrato de uma mulher que recusa a invisibilidade e usa a moda como uma de suas armas mais afiadas.

Esse é o verdadeiro poder do figurino em The Gilded Age: não apenas reconstruir um tempo, mas revelar camadas de uma personagem que sabe, talvez melhor que ninguém, que a roupa certa pode abrir portas — ou fechá-las para sempre.


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