A cena constrangedora na WorldCon 2025, quando um fã perguntou diretamente a George R. R. Martin se outro autor deveria terminar The Winds of Winter antes que ele morresse, foi mais do que um episódio isolado de grosseria. Ela escancarou uma ferida que já estava aberta há anos: a relação difícil entre um criador e a expectativa de milhões de fãs que aguardam, com cada vez menos paciência, por uma obra inacabada. O autor deixou o palco visivelmente abalado, e o público também reagiu em choque. O fã pediu desculpas depois, mas a verdade é que a questão ficou pairando no ar. Até que ponto a cobrança é legítima, e quando ela se transforma em crueldade?

George R. R. Martin empacou em sua gigantesca saga, que deixou de ser apenas popular para se tornar um fenômeno cultural sem precedentes. O sucesso de Game of Thrones levou a pressão a outro patamar, e justamente no auge da série ele teria se afastado da produção — ainda na quarta temporada — para tentar finalizar os livros. O problema é que a adaptação televisiva seguiu seu curso até a oitava temporada, terminou há quase dez anos, e até agora o aguardado sexto volume não chegou às mãos dos leitores. Em seu blog, Martin se defende, atualiza de forma fragmentada, fala de capítulos terminados, mas também anuncia outros projetos, outros livros, outras séries. Sua honestidade em compartilhar esse processo talvez o tenha colocado numa posição ainda mais vulnerável: ao mesmo tempo em que abre o bastidor, alimenta o ressentimento de quem sente que o escritor está se dedicando a tudo, menos ao que realmente importa.

Esse embate não é exclusivo do universo literário. Robert Smith, líder do The Cure, conhece bem esse território de frustrações. Quando prometeu novos álbuns e demorou mais de dez anos para cumpri-los, chegou a reconhecer que estava se complicando com os fãs. Quando finalmente lançou Songs of a Lost World em 2024, após um hiato de 16 anos desde o último trabalho inédito, brincou que tinha músicas suficientes para mais dois discos, mas logo se corrigiu com ironia: “ih, lá vou eu me enrolar de novo”. Ao contrário de Martin, que muitas vezes responde de maneira mais ríspida às cobranças, Smith aprendeu a usar a autoironia como válvula de escape. Ainda assim, viveu a mesma pressão sufocante de um público que quer novidades imediatas e esquece que o processo criativo não obedece a calendários.
Essa ansiedade coletiva cria fenômenos estranhos, típicos da era digital: os “hate follow” e “hate watch”, quando fãs seguem acompanhando um artista ou uma obra mesmo com raiva, mesmo com o desejo de criticar cada passo. É um paradoxo curioso: o vínculo é tão forte que a decepção se transforma em obsessão. Martin se tornou um alvo constante desse tipo de acompanhamento tóxico, onde cada pequena atualização vira motivo para surtos de frustração, enquanto Smith, mais cínico, prefere transformar a espera em parte do espetáculo.

No fundo, a pergunta que paira é onde está o limite entre expectativa e cobrança abusiva. O público tem direito de esperar, mas até que ponto esse direito se converte em chantagem emocional sobre o criador? Martin chamou The Winds of Winter de “a maldição da minha vida” e é fácil entender por quê. Ele não é mais apenas o autor de uma saga: virou refém de um mito coletivo, de uma obra que já não pertence só a ele. Robert Smith, por sua vez, encontrou uma maneira de rir da própria demora, mas também sentiu na pele a fúria e a cobrança.
A tensão entre fãs e criadores talvez seja inevitável quando se trata de obras que ultrapassam o limite do entretenimento e se transformam em fenômenos culturais. Mas ela também revela um risco: quando a espera vira cobrança, quando o amor pelo que foi criado se converte em ressentimento, o vínculo pode se perder. O episódio da WorldCon foi um lembrete cruel desse dilema. O fã pediu desculpas, mas deixou à mostra a impaciência de muitos. Talvez seja essa a grande tragédia dos tempos atuais: amamos tanto uma obra que acabamos sufocando quem a criou.
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