A Química Criativa de Autumn de Wilde e Florence Welch

Existem encontros artísticos que parecem inevitáveis. Mais cedo ou mais tarde, duas sensibilidades se reconhecem e se tornam espelhos uma da outra. Foi exatamente isso que aconteceu quando Florence Welch encontrou em Autumn de Wilde alguém capaz de traduzir em imagens o que já existia em sua música: intensidade, excesso, beleza e uma pontada de misticismo que nunca se resolve por completo.

Autumn de Wilde já tinha um nome consolidado como fotógrafa e diretora antes dessa parceria. Americana, cresceu cercada pelo universo da música e se tornou referência ao registrar artistas como Beck, Fiona Apple e Elliott Smith. Sua fotografia sempre teve algo de teatral — nunca apenas um clique documental, mas um olhar que inventa cenários e conta histórias. No cinema, ela reafirmou essa estética ao dirigir Emma. (2020), adaptação de Jane Austen que parecia uma pintura em movimento, elegante e exuberante.

Florence Welch, por outro lado, sempre foi um corpo em estado de catarse. Desde os primeiros álbuns, a líder do Florence + The Machine construiu sua persona artística como uma mistura de sacerdotisa pop, musa trágica e feiticeira barroca. Ela canta como quem invoca — e sua presença no palco transforma cada performance em um ritual coletivo.

Quando essas duas linguagens se cruzaram em Dance Fever (2022), ficou claro que era um encontro maior do que a soma de partes. Autumn não apenas fotografou a capa do álbum: ela deu forma à atmosfera que Florence já criava em som. Nos clipes de “King”, “Heaven Is Here”, “My Love” e “Free”, vemos essa fusão acontecer em tempo real. Florence aparece como figura espectral, cercada por símbolos, dançarinos, imagens que lembram tanto o expressionismo alemão quanto a iconografia renascentista. Em “Free”, a presença de Bill Nighy interpretando a ansiedade da cantora é um toque cinematográfico que só uma diretora como Autumn poderia articular.

Essa colaboração seguiu em frente. Em 2025, com o lançamento de “Everybody Scream”, Autumn voltou a assumir não só a estética visual como o próprio imaginário do projeto. A continuidade dá a sensação de que o Florence + The Machine vive hoje um momento audiovisual tão forte quanto musical — e isso acontece porque existe confiança mútua. Florence entrega a Autumn o seu mundo interior, e Autumn devolve esse mundo em imagens grandiosas, densas, mas nunca gratuitas.

As duas compartilham um gosto pelo exagero refinado. Florence, nos vocais, nos temas que misturam amor, morte e transcendência. Autumn, nas imagens que parecem sempre maiores que a vida, mas que guardam uma intimidade por trás da beleza monumental. É uma parceria que lembra inevitavelmente o que Anton Corbijn fez com o Depeche Mode: mais do que dirigir videoclipes ou assinar capas, ele ajudou a construir uma identidade, um mito visual inseparável da banda. Florence e Autumn estão nesse mesmo território: quando pensamos em Dance Fever ou em “Everybody Scream”, não dá para separar o som das imagens.

E talvez seja esse o segredo da força dessa união. Florence teria sua música de qualquer forma, Autumn seguiria brilhando sozinha, mas juntas criaram algo raro: um universo compartilhado, onde voz e imagem falam a mesma língua. E claro, com fortes pitadas de Kate Bush!


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