Um mistério de true crime na música clássica? Pois é, dá para contar assim: a fofoca de que Antonio Salieri teria envenenado Mozart nasceu praticamente junto com a morte precoce do compositor. Mozart morreu em Viena em 1791, aos 35 anos, de uma doença súbita e mal explicada. O atestado de óbito falava em “febre miliare”, um diagnóstico tão genérico que mais confundia do que explicava. E como toda morte mal esclarecida, não demorou para surgirem boatos.
Alguns começaram a insinuar que Mozart não havia morrido por acaso, mas vítima de conspirações na corte imperial. E quem estava lá, com cargo alto, prestígio e poder? Antonio Salieri, o compositor oficial da corte, muito mais respeitado institucionalmente do que Mozart, que era visto como um jovem irreverente e difícil de lidar. O cenário estava pronto para que a fofoca florescesse: o gênio morto cedo, o rival posicionado no centro do poder, a corte cheia de intrigas.

O rumor poderia ter morrido ali, como tantas outras lendas de bastidores. Mas em 1830, quase quarenta anos depois, ele ganhou combustível artístico. O poeta russo Alexander Pushkin escreveu uma pequena peça chamada Mozart e Salieri, em que retratava Salieri como um homem corroído pela inveja, incapaz de aceitar que Mozart, apesar do comportamento infantil e vulgar, recebia diretamente de Deus o dom da música. Na peça, Salieri envenena o rival. Pushkin transformou fofoca em mito.
A história só se espalhou mais quando Rimski-Korsakov musicou o texto e criou a ópera Mozart e Salieri (1898). A ideia de que o compositor medíocre teria assassinado o gênio começou a se fixar como verdade cultural.
E aí veio o episódio que coroou o boato. Já idoso, no início do século 19, Salieri teve problemas mentais e chegou a dizer, em momentos de delírio, que havia envenenado Mozart. Testemunhos dessa época registram essas “confissões”, e claro que a frase correu como pólvora: o próprio acusado admitindo o crime! Só que não era tão simples. Em seguida, Salieri negou, disse que jamais havia feito mal ao rival e, em seu leito de morte, reafirmou sua inocência. Ou seja: as “confissões” eram mais fruto de confusão mental do que de revelação. Mas quem resiste a uma boa frase maldita? Foi o suficiente para consolidar a lenda.


E por que essa fofoca pegou tão forte? Porque dramatizava um dilema universal: o ressentimento diante do gênio. Salieri era respeitado, disciplinado, reconhecido. Mozart era escandaloso, infantil, mas insuperável na música. O contraste era perfeito demais para não virar narrativa. E o romantismo do século 19 adorava um gênio incompreendido, perseguido e morto cedo. A morte precoce de Mozart caiu como uma luva nesse imaginário.
Daí para a cultura pop foi um passo. Peter Shaffer bebeu dessa fonte em 1979 quando escreveu Amadeus, e depois o cinema, em 1984, levou essa versão literária ao auge, transformando a fofoca em tragédia shakespeariana. Hoje sabemos, com base em estudos médicos, que Mozart provavelmente morreu de complicações de uma febre reumática, infecção bacteriana ou problemas renais — nada de veneno. Mas, como em todo bom caso de “true crime” histórico, a lenda ficou muito mais saborosa que a verdade.
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

1 comentário Adicione o seu