Sessenta anos depois de sua estreia, The Collector (1965) continua sendo um daqueles filmes que não apenas resistem ao tempo, mas parecem ganhar ainda mais densidade a cada revisão. Dirigido por William Wyler, estrelado por Terence Stamp e Samantha Eggar, o longa nasceu do romance de estreia de John Fowles, publicado em 1963 — e juntos, livro e filme moldaram uma das narrativas mais perturbadoras já feitas sobre obsessão, aprisionamento e poder.

O romance: literatura como claustro
Fowles escreveu The Collector entre 1960 e 1962. Era sua estreia, e já trouxe um impacto imediato. Dividido em duas partes, o romance dá voz primeiro a Frederick Clegg, funcionário público solitário, colecionador de borboletas e socialmente inapto. Depois, alterna para os diários de Miranda Grey, estudante de arte sequestrada por ele e mantida em cativeiro no porão de uma casa em Sussex.
O contraste de vozes é brutal: o mundo calculado, infantil e obcecado de Clegg contra a vitalidade, as dúvidas e a evolução de Miranda, que amadurece em cativeiro — para, ironicamente, morrer antes de poder exercer qualquer liberdade real. Críticos apontaram no livro tanto a luta de classes (um trabalhador ressentido contra a jovem burguesa) quanto ecos existencialistas e absurdistas, próximos a Kafka e Beckett. Miranda até compara Clegg a Caliban, de A Tempestade de Shakespeare, e há ironia em ele se apresentar como “Ferdinand”, o herói romântico da peça. Mas, ao final, não há catarse: Miranda morre de pneumonia, e Clegg, frio, já pensa em sequestrar outra vítima.
O romance foi saudado como um dos grandes thrillers psicológicos do século 20. Mary Andrews, em The Guardian, chamou Clegg de “um dos personagens mais malignos da literatura”. E críticos como Shyamal Bagchee destacaram o paradoxo central: Miranda cresce e aprende sobre si mesma justamente quando a vida lhe escapa.

O filme de Wyler: pesadelo elegante
Wyler, mestre dos épicos, recusou A Noviça Rebelde para filmar O Colecionador. Escolheu o oposto: uma história fechada em dois personagens e um cenário claustrofóbico. Filmado em 1964, parte em estúdios de Los Angeles e parte em locações na Inglaterra, o longa inicialmente tinha três horas, mas foi reduzido para duas, a contragosto do diretor.
O processo foi duro. Samantha Eggar quase foi demitida: Wyler a mantinha isolada, sem contato com colegas, chegando a instruir Stamp a ignorá-la fora de cena para que ela transmitisse em câmera a sensação de aprisionamento. Eggar emagreceu mais de 6 quilos durante as filmagens. O resultado foi notável: em Cannes, Stamp e Eggar receberam os prêmios de Melhor Ator e Melhor Atriz, um feito inédito na história do festival. Eggar ainda ganhou o Globo de Ouro e foi indicada ao Oscar; Wyler também recebeu sua 12ª e última indicação como diretor.
A crítica, na época, se dividiu. Bosley Crowther, do New York Times, considerou o filme fascinante, mas monótono no final. Já a Variety o chamou de “sólido e elegante”. Outros o viram como excessivamente teatral. Mas o tempo só fortaleceu sua reputação: hoje é visto como uma das obras-primas do suspense psicológico.
Entre a Hammer e Hitchcock: o terror britânico dos anos 60
É curioso notar como The Collector dialogava com o cinema britânico de sua época. Enquanto a Hammer Films reinava com seus Dráculas e Frankensteins, Wyler escolheu o horror íntimo, psicológico. Nada de monstros: o vilão era um homem comum, educado, tímido — justamente o mais assustador. O filme também ecoa o cinema de Hitchcock, especialmente Psicose (1960), mas com outro tom: menos choque, mais espera, silêncio e manipulação. Curiosamente, o ator Anthony Perkins foi considerado para o papel (assim como Dean Stockwell, e, para o papel de Miranda, discutiu com as atrizes Natalie Wood e Sara Miles também).
Outras adaptações e ecos culturais
A força do livro se espalhou. Houve adaptações teatrais (até Marianne Faithfull interpretou Miranda em 1974 no West End). O romance inspirou filmes como o indiano Moodu Pani (1980) e o filipino Bilanggo sa Dilim (1986). E Stephen King, em Misery, cita The Collector diretamente.
Mas há também um lado sombrio: serial killers se inspiraram na obra. Leonard Lake batizou seu plano de sequestros e assassinatos de “Operação Miranda”. Christopher Wilder, morto em 1984, tinha um exemplar do livro consigo. Robert Berdella declarou que o filme foi inspiração direta. É o pesadelo da ficção se infiltrando na realidade.

Comparações com outros Fowles
Fowles voltaria a explorar obsessões em A Mulher do Tenente Francês, adaptado em 1981 com Meryl Streep e Jeremy Irons. Mas ali, em vez de um porão, o cárcere é social: Sarah Woodruff aprisionada em rótulos vitorianos. Se em The Collector a prisão é física, em A Mulher do Tenente Francês é simbólica. Em ambos os casos, Fowles expõe a impossibilidade de controlar o outro.
O legado aos 60 anos
Hoje, The Collector é lido como pioneiro do subgênero “cativeiro”. Antecipou filmes como Misery, Sleeping with the Enemy e Room. Mas se diferencia porque não há alívio, nem final redentor. É uma narrativa seca, gelada, elegante em sua crueldade.
Frederick Clegg é um dos vilões mais aterrorizantes porque não parece vilão. Ele é invisível, socialmente desajeitado, incapaz de lidar com afetos. Um homem que confunde amor com posse, desejo com coleção. Sessenta anos depois, o filme continua a ecoar debates contemporâneos sobre relacionamentos abusivos, masculinidade tóxica e obsessões doentias.
Wyler transformou um romance claustrofóbico em um clássico de horror psicológico. Não é um filme fácil de assistir, e nunca foi feito para isso. Mas é exatamente aí que reside sua força: The Collector permanece como um lembrete de que os maiores horrores não vêm de monstros sobrenaturais. Eles estão muito mais próximos — na banalidade de um vizinho tímido, de um rosto bonito, de um olhar que se recusa a deixar ir.
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