Não deixa de ser curioso — e até surpreendente para muitos fãs — que o setlist da reunião histórica do Oasis em 2025 tenha sido definido exclusivamente por Noel Gallagher. Ele, que tantas vezes foi descrito como controlador e perfeccionista, não só fez pessoalmente a seleção como deixou claro que não pretende alterar nada na perna internacional da turnê. Isso já gerou debate: por que justamente ele, que sabe da expectativa de se revisitar todo o cânone da banda, preferiu montar uma lista enxuta, com ausências gritantes? Onde estão Go Let It Out, Lyla, Stop Crying Your Heart Out, Songbird, Don’t Go Away ou mesmo All Around the World? Claro, em algum show específico pode haver uma surpresa, mas a probabilidade é reduzida.
Noel já teria confidenciado que está “satisfeito” com a escolha. Talvez a resposta esteja justamente na prática: por mais que os Gallagher dominem essas canções, não é trivial retomá-las depois de 15 anos afastados. Ensaios foram essenciais, e o repertório fixo é uma forma de manter o show afiado, sem espaço para improvisos arriscados.
Mas se por um lado há cortes dolorosos, por outro o setlist atual é uma verdadeira narrativa da vida dos Gallagher, quase como se cada canção fosse um capítulo desse livro feito de êxitos, brigas, dores e memórias. Vale olhar faixa a faixa:

1. Fuckin’ in the Bushes (intro)
O começo não poderia ser outro. Gravada para a trilha de Snatch (2000), essa faixa sempre foi um hino de abertura da fase final da banda. É um recado direto: Oasis voltou, e voltou com a agressividade intacta.
2. Hello
Abrir oficialmente o show com essa faixa do Morning Glory é quase um manifesto. “It’s good to be back” ecoa como nunca. É Noel reconhecendo a espera dos fãs e Liam, com seu carisma, assumindo o papel de anti-herói que nunca pediu desculpas.
3. Acquiesce
Uma das canções que melhor simboliza a relação dos irmãos. Noel escreveu sobre dependência mútua, e Liam canta como se fosse confissão. É inevitável pensar que, ao incluí-la tão cedo no show, Noel quis dizer: “a gente não se aguenta, mas também não vive sem o outro”.
4. Morning Glory
Energia pura. Um retrato da euforia juvenil do britpop, das drogas, da pressa dos anos 90. Ainda soa como catarse coletiva.
5. Some Might Say
O primeiro nº 1 do Oasis nas paradas britânicas. Foi a canção que consolidou o grupo como fenômeno. Noel a escolheu como lembrete do começo do império.
6. Bring It On Down
Um aceno direto às origens punk do Oasis. Uma faixa do Definitely Maybe que mostra Liam cuspindo as palavras como se fosse um garoto de Manchester em fúria. Retomar isso em 2025 é como dizer: “ainda somos os mesmos moleques raivosos”.
7. Cigarettes & Alcohol
O retrato cru da juventude britânica dos anos 90. Essa música é mais do que um clássico: é quase documento social. Ainda hoje, ouvir Liam cantar “Is it worth the aggravation to find yourself a job when there’s nothing worth working for?” tem outro peso.
8. Fade Away
Aqui entra a sensibilidade de Noel. É uma canção sobre sonhos perdidos, mas tocada com brutalidade. Reaparecer no setlist em 2025 a torna quase profética: quanto do sonho Oasis se perdeu nesses 15 anos?
9. Supersonic
Primeiro single, ainda hoje soando como a explosão que anunciou o Oasis ao mundo. Liam parece rejuvenescido quando a canta — e o público também.

10. Roll With It
Parte da batalha de singles contra o Blur em 1995. Tocá-la agora é revisitar não só a própria história, mas o auge da guerra do britpop.
11. Talk Tonight
Momento Noel. Canção intimista, escrita em um período de crise, quando pensava em largar tudo. Ele a resgata agora como símbolo de sobrevivência.
12. Half the World Away
Mais uma faixa delicada, que Noel canta como se fosse uma carta pessoal. Tornou-se quase autobiográfica: ele, que passou anos em turnês, longe de casa, e agora volta para o palco da reconciliação.
13. Little by Little
É Noel refletindo sobre erros, sobre crescer. Tocá-la em 2025 soa como mea culpa. Talvez nunca tenhamos Noel tão exposto quanto nessa letra.
14. D’You Know What I Mean?
A volta ao gigantismo do Be Here Now. Uma parede de som, símbolo da megalomania da banda. Voltar com ela agora é quase um lembrete: sim, exageramos, mas valeu cada minuto.
15. Stand by Me
Um Oasis mais vulnerável. Uma escolha que surpreende, por não ser sempre lembrada, mas que funciona como mensagem subliminar: os irmãos ainda estão, de certa forma, lado a lado.
16. Cast No Shadow
A homenagem a Richard Ashcroft e aos “homens quebrados”. Noel parece tê-la escolhido para dar um tom contemplativo ao meio do show.
17. Slide Away
Clássico absoluto de Definitely Maybe. Talvez a canção mais subestimada da banda. Liam a canta como se fosse confissão rasgada.
18. Whatever
O lado mais irônico e ao mesmo tempo otimista do Oasis. Um single avulso que se tornou mantra.
19. Live Forever
Aqui não tem discussão: é o hino do Oasis, a canção que os tornou lendas. E continua como clímax emocional de qualquer show.
20. Rock ’n’ Roll Star
Fechar o bloco principal com ela é quase uma volta ao ponto de partida: os moleques de Manchester que só queriam ser estrelas do rock. Hoje, eles são — e mais do que nunca.

Encore: as joias finais
- The Masterplan
Um presente para fãs de longa data. Nunca foi single, mas é vista como uma das maiores criações de Noel. A inclusão é quase um “eu sei o que vocês querem”. - Don’t Look Back in Anger
O hino coletivo. Noel assume os vocais e o público canta junto como se fosse oração. Mais emblemática do que nunca. - Wonderwall
A canção que eles amam odiar, mas não poderiam deixar de tocar. O maior hit global, o cartão de visitas do britpop. - Champagne Supernova
Fechar com ela é fechar com grandiosidade, melancolia e êxtase. É Oasis no seu estado mais épico.
O peso das escolhas e o silêncio das ausências
É verdade: muita gente esperava ouvir Stop Crying Your Heart Out, Go Let It Out, Lyla, Songbird, All Around the World. O que Noel quis, ao excluir essas faixas, foi montar uma narrativa coesa, menos sobre hits e mais sobre a identidade da banda. Ele fez questão de não se perder em nostalgia rasa. Ao mesmo tempo, há o lado prático: são essas as músicas ensaiadas, ajustadas à nova dinâmica entre os irmãos. Não se trata só de saber tocar — trata-se de reaprender a dividir o palco, a se escutar, a confiar no outro depois de tanto tempo de silêncio e rancor.
Os fãs podem reclamar, mas há uma lógica emocional e técnica no setlist. Noel parece finalmente satisfeito com a versão da história que escolheu contar. Talvez por isso ele não queira mexer em nada: depois de 15 anos, esse não é apenas um show do Oasis. É, de certa forma, o testamento vivo da trajetória dos Gallagher.
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