Como publicado no Blog do Amaury Jr./Splash UOL
No dia 27 de agosto de 2025, o presidente Lula assinou o decreto que regulamenta a TV 3.0 no Brasil. Pode parecer apenas mais uma sigla, mas estamos falando de uma verdadeira revolução na forma como milhões de brasileiros assistem televisão. O que começou como um projeto técnico, debatido por especialistas do Fórum do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD) desde 2023, agora sai do papel com a oficialização do padrão ATSC 3.0. Na prática, é a chegada da televisão aberta à era da internet e da interatividade.
O que significa para o público
Para o consumidor, a grande notícia é que a TV aberta continua sendo gratuita, mas com um salto tecnológico enorme. A promessa é de imagem que pode chegar a 8K, som imersivo, legendas ajustáveis, Libras em tempo real e audiodescrição aprimorada. Isso significa que a televisão vai se tornar mais inclusiva, acessível e adaptada às diferentes necessidades dos espectadores.
Outro ponto essencial: não será preciso trocar de aparelho imediatamente. Assim como aconteceu na transição da TV analógica para a digital, quem não tiver uma TV nova poderá usar conversores (set-top boxes) para adaptar o sinal. Isso garante que ninguém fique de fora desse avanço por questões financeiras, mantendo a televisão aberta como um espaço democrático.
Mas a grande virada está na interatividade. Em vez de apenas receber um sinal, a TV passa a dialogar com o espectador. Será possível votar em programas de entretenimento, escolher ângulos de câmera em jogos, acessar serviços públicos digitais diretamente pela tela — inclusive o Gov.br — e até realizar compras pela televisão (o chamado T-commerce). Em outras palavras, a TV deixa de ser uma via de mão única e se transforma num ecossistema digital em que o telespectador tem mais controle.
O que significa para as emissoras
Se para o público a transição é quase transparente — basta ligar a TV e aproveitar os novos recursos —, para as emissoras o desafio é gigantesco. A TV 3.0 muda completamente o modelo de transmissão. Em vez de depender apenas da grade linear, baseada em canais numerados, as emissoras vão operar dentro de um ambiente de aplicativos. Isso aproxima a experiência do que já conhecemos nas plataformas de streaming.
Essa mudança obriga as redes de televisão a investir em tecnologia e inovação de conteúdo. Será preciso repensar formatos, explorar o potencial da interatividade e criar novas formas de monetização. Reality shows poderão se beneficiar com votações instantâneas; o jornalismo pode ganhar camadas extras de dados, mapas e participação ao vivo do público; e a publicidade poderá ser segmentada de forma mais eficiente, aproveitando os recursos de personalização que o padrão tecnológico permite.
Em resumo, a TV 3.0 transforma as emissoras em produtoras de conteúdo multiplataforma. Não basta mais apenas “colocar o programa no ar” — é necessário pensar em experiências completas, que misturam vídeo, dados, engajamento e serviços digitais. É uma reinvenção comparável à chegada do streaming, só que agora dentro do espaço gratuito e aberto da televisão.
Cronograma e expectativas
Segundo o governo, a fase preparatória da TV 3.0 será concluída até o fim de 2025. As primeiras transmissões começam já no primeiro semestre de 2026, em grandes capitais, e a expectativa é que coincidam com a Copa do Mundo. A expansão para todo o país será gradual e pode levar até 15 anos, justamente para que a transição seja feita sem exclusão social.
O investimento inicial de R$ 7,5 milhões é apenas o começo. A expectativa é que a inovação movimente a indústria criativa, gere empregos, fortaleça a soberania digital do Brasil e garanta que a televisão aberta continue relevante num mundo cada vez mais dominado por serviços de streaming. Vale lembrar: apesar da concorrência com Netflix, YouTube e outras plataformas, 60% do tempo de consumo de vídeo no Brasil ainda é dedicado à TV aberta. Ou seja, estamos falando de uma mídia que permanece central no cotidiano de milhões de famílias e que agora ganha ferramentas para se atualizar sem perder sua essência.
Um futuro mais interativo e inclusivo
O decreto da TV 3.0 não é apenas um avanço tecnológico. Ele simboliza a tentativa de manter a televisão como espaço público, gratuito e acessível, mas adaptado ao século 21. Para os consumidores, é sinônimo de mais qualidade, mais opções e mais inclusão. Para as emissoras, é um chamado para a reinvenção e para a disputa de atenção num cenário em que a TV aberta e a internet deixam de ser rivais para se tornarem uma só tela.
Minha visão
Se a TV 3.0 vai “vencer” o streaming? Eu não acredito que esse seja o objetivo. Netflix, Prime Video e tantas outras já fazem parte da rotina do espectador — mas a televisão aberta ainda é a linguagem mais familiar, mais imediata e mais democrática do Brasil. A chegada da nova tecnologia não significa substituir o streaming, e sim somar: abrir portas para quem ainda não vive no universo digital e criar experiências híbridas para quem já transita entre as duas telas.
O futuro, portanto, não será de exclusão, mas de convivência. A TV 3.0 pode não transformar cada brasileiro em “streamer”, mas vai garantir que a TV gratuita continue central, conectada e viva. Se der certo, o impacto será muito maior do que simplesmente mudar de canal: será mudar a forma como a televisão se relaciona com o país.
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