2025: O verão do britpop renascido?

Há algo de simbólico neste verão do hemisfério norte. Enquanto o mundo parece navegar em ciclos de crises, nostalgias e reinvenções, a música britânica resolveu revisitar os anos 90 com força total. E não foi de forma tímida: Oasis, Blur e Gorillaz, os três vértices mais icônicos da cultura pop inglesa daquela década, ressurgiram em narrativas que se entrelaçam entre rivalidade, reconciliação e reinvenção.

O acontecimento que roubou as manchetes foi, claro, a reunião do Oasis. Liam e Noel Gallagher, após anos de ofensas públicas, acusações fraternas e a crença quase universal de que jamais dividiram o mesmo palco novamente, voltaram para uma turnê de estádio que se tornou um fenômeno instantâneo. Ingressos esgotados em minutos, preços astronômicos no mercado secundário, multidões cantando em uníssono — tudo parece uma catarse coletiva, um ritual de reconciliação não apenas entre os irmãos, mas entre toda uma geração e sua própria juventude. Mais do que música, é a experiência de revisitar um tempo em que o britpop parecia dominar o mundo e os Gallagher encarnavam a arrogância divertida de um Reino Unido ainda confiante de si.

Mas falar em Oasis sempre puxa inevitavelmente a memória de seus rivais de juventude, o Blur. A chamada Battle of Britpop, encenada em 1995, foi talvez o último grande duelo midiático da música, quando se vendiam discos e jornais com a mesma intensidade. Blur era visto como o sofisticado, urbano e intelectual, enquanto Oasis se apresentava como direto, working class, herdeiro espiritual dos Beatles. Foi um embate que dividiu famílias, escolas, revistas, e hoje soa quase inocente diante da escala das rivalidades virtuais. Três décadas depois, a guerra virou memória, e Damon Albarn não tem pudor em admitir que “Oasis venceu a batalha — venceram tudo”. O que já foi provocação agora é reconhecimento.

Ainda assim, Blur não desapareceu. Em 2025 lançaram The Ballad of Darren, o primeiro álbum em uma década, mostrando que a banda continua a dialogar com seu tempo, ainda que sem a mesma energia adolescente das provocações de outrora. Não há turnê prevista neste verão, mas o simples gesto de lançar um disco reforça como o britpop não está apenas congelado em museus da nostalgia: ele respira, ainda que em tons mais melancólicos.

Enquanto isso, Damon Albarn, inquieto como sempre, não se contenta em ser lembrança. Se Oasis reviveu a glória e Blur ofereceu novo capítulo, foi com o Gorillaz que Albarn consolidou sua permanência como artista do presente. O projeto que nasceu em 2000 como uma curiosidade — uma banda de desenho animado para escapar das pressões do Blur — tornou-se uma máquina de reinvenção global. E em 2025, ao celebrar 25 anos de existência, Gorillaz mostrou que não depende apenas da nostalgia para continuar relevante.

No Copper Box Arena, em Londres, Albarn, vestido como um vigário pop, conduziu uma celebração litúrgica de Demon Days (2005), talvez o ápice criativo do projeto. Com coro gospel, quarteto de cordas, vídeos alucinantes de Jamie Hewlett e participações de veteranos como De La Soul, o show não foi mera repetição: foi reinvenção. Feel Good Inc. explodiu em gargalhadas e beats, O Green World ganhou ares de frenesi, e o coro entoando “To the sun” sob vitrais projetados transformou a arena em templo profano. Como se o público estivesse participando de uma missa pop, com Albarn como sacerdote excêntrico. Paralelamente, a exposição House of Kong, imersiva e sensorial, expandiu essa celebração em imagens, sons e memória.

A ironia é que Gorillaz, que nasceu como fuga de um Damon Albarn cansado da guerra do britpop, hoje sobreviveu a ela e a superou em alcance global. Enquanto Oasis e Blur retornam como fantasmas majestosos de uma era, Gorillaz é corpo vivo — em constante mutação, em diálogo com novas gerações (basta notar a quantidade de crianças nos shows).

E os Gallagher, são amigos de Damon? Não exatamente. A rivalidade virou mito, piada de talk show, lembrança para documentários. Hoje há respeito — distante, talvez frio — mas respeito. Noel já colaborou com Albarn, Liam já baixou o tom das provocações. O que era munição virou anedota, e ninguém mais parece ter paciência para guerras de tabloide.

Este verão, portanto, não é apenas sobre música. É sobre memória e sobre o poder da cultura pop de se reciclar. Os fãs que hoje levam seus filhos para os shows de Oasis ou Gorillaz não estão apenas assistindo a bandas; estão participando de um ritual transgeracional, onde juventude e presente se encontram no mesmo refrão. O britpop, que nasceu da disputa feroz entre Manchester e Londres, entre arrogância e ironia, hoje renasce como celebração de um passado que, de alguma forma, ainda nos ajuda a entender o presente.


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