5 Compositores que Transformaram Literatura em Música

Como publicado na Revista Bravo!

Contar histórias no cinema e na televisão não depende apenas das imagens ou das palavras. Há um elemento que atravessa tudo isso e se torna quase invisível, mas essencial: a trilha sonora. Ela é capaz de anunciar surpresas, dar corpo às emoções mais íntimas e, sobretudo, permanecer gravada na memória coletiva. Como esquecer o inesquecível Tema de Lara em Doutor Jivago? Ou evocar Hogwarts sem que imediatamente nos venham à mente as notas mágicas escritas por John Williams?

A música no audiovisual funciona como uma ponte entre a literatura e a experiência sensorial. Quando um romance é transportado para as telas, a trilha tem a tarefa delicada de recriar atmosferas que antes só existiam na imaginação dos leitores. Patrick Doyle fez isso como poucos, traduzindo Shakespeare, Agatha Christie e Jane Austen em melodias que equilibram intimidade e grandiosidade. Maurice Jarre, por sua vez, transformou Pasternak e Forster em epopeias musicais.

Alexandre Desplat trouxe ao século 21 a delicadeza de Louisa May Alcott e a fantasia sombria de Guillermo del Toro, mostrando que a música continua sendo o fio invisível entre o livro e a tela. Ennio Morricone, que assinou mais 400 trilhas sonoras na carreira, não apenas marcou o cinema, mas deu ao audiovisual literário uma dimensão própria com O Nome da Rosa (1986), inspirado no romance de Umberto Eco, por exemplo.  

Em tempos mais recentes, nomes como Ramin Djawadi e Bear McCreary provaram que a música também é linguagem de mundos inteiros na TV. Djawadi, com Game of Thrones e House of the Dragon, não apenas acompanhou a grandiosidade de George R.R. Martin, mas criou hinos que se tornaram parte do nosso imaginário. McCreary, por sua vez, trouxe para Outlandere The Rings of Power a fusão entre tradição e modernidade, mostrando que a trilha sonora é capaz de dar identidade a universos que atravessam séculos.

Sabe o que é difícil? Falar de somente cinco compositores, mas aceitei o desafio. Separei entre os meus favoritos e mais impactantes quando se trata de musicar livros nas telas. Pode ser que a lista ate surpreenda, mas tenho certeza que vai concordar comigo! Cada um dos finalistas nos faz lembrar que a literatura não chega ao cinema apenas pelas palavras, mas também pelas melodias que dão corpo às histórias.

Patrick Doyle

Poucos compositores são tão intimamente associados às adaptações literárias quanto Patrick Doyle. Escocês, parceiro artístico de Kenneth Branagh, ele criou uma verdadeira identidade sonora para Shakespeare no cinema. Eles começaram juntos com o brilhante Henry V (1989), onde a sinfonia criada por Doyle se sustenta como uma peça independente. É absolutamente obrigatória em qualquer coleção (mas um pouco mais difícil de encontrar).

A mais popular dele com Branagh, é a alegre e romântica Much Ado About Nothing (1993), onde ele canta Sigh No More Ladies, uma canção sugerida na peça, mas que com a melodia de Doyle passou a ser definitiva. Seu trabalho em Hamlet (1996), mais sinfônico também é grandioso. Doyle conseguiu transformar a cadência da poesia shakespeariana em música acessível, sem perder delicadeza. E se há outra trilha que considero icônica e importante é sua contribuição para Frankenstein de Mary Shelley (1994), um filme que não fez sucesso, mas que a música é inegavelmente emocionante.

É difícil me controlar com Doyle porque sou muito fã. Seus trabalhos com Alfonso Cuarón também navegam pela literatura: A Pequena Princesa (1995) e Grandes Esperanças (1998) são de elevar a alma. E se não bastassem essas dobradinhas, no trabalho com Emma Thompson sua sensibilidade também brilhou em Razão e Sensibilidade (1995), onde traduziu Jane Austen em melodias de uma elegância atemporal.

No universo mais pop, sua contribuição para o filme dirigido por Cuarón: Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, inclui o tema de amor do nosso bruxo favorito. Poderia continuar, mas aí ficaria apenas com um compositor. Porque sim, até nas adaptações de Agatha Christie trouxeram melodias inesquecíveis. Patrick Doyle é insuperável.

Maurice Jarre

Nenhum outro compositor soube traduzir o épico literário como Maurice Jarre. Seu trabalho em Doctor Zhivago (1965) transformou o romance de Boris Pasternak em uma experiência romântica inesquecível, marcada pelo famoso Tema de Lara.

Anos depois, em Uma Passagem para India (1984), ele trouxe a prosa de E.M. Forster para a música, equilibrando exotismo e lirismo. Jarre era especialista em amplificar o peso da literatura, criando temas que se tornaram símbolos maiores que os próprios filmes.

John Barry

Elegância é a palavra que define John Barry. Seu estilo, ao mesmo tempo romântico e majestoso, o tornou um dos grandes nomes a transformar páginas em música. Em Entre Dois Amores (1985), baseado nas memórias de Karen Blixen, Barry criou uma trilha de beleza expansiva, que ganhou o Oscar e se tornou inseparável das paisagens do Quênia.

Anos depois, em Dança com Lobos (1990), inspirado no romance de Michael Blake, ele compôs um dos trabalhos mais célebres da carreira, novamente premiado com o Oscar. Em A Letra Escarlate (1995), adaptação do clássico de Nathaniel Hawthorne, Barry entregou uma trilha de lirismo intenso que sobreviveu melhor que o próprio filme.

Mas seu nome também está eternamente ligado a uma das sagas literárias mais populares do século 20: James Bond. Embora o tema original tenha sido criado por Monty Norman, foi Barry quem orquestrou, expandiu e consolidou a sonoridade de 007, assinando a música de 11 filmes da franquia. Ao fazê-lo, ele não apenas deu identidade musical ao espião de Ian Fleming, mas também criou um modelo de sonoridade que se tornaria sinônimo de cinema de espionagem.

 James Horner

James Horner foi o compositor que soube unir o coração popular às adaptações literárias. Em Coração Valente(1995), inspirado nas crônicas históricas sobre William Wallace, Horner construiu um hino de liberdade que ainda ecoa. Em Uma Mente Brilhante (2001), baseado na biografia escrita por Sylvia Nasar, ele usou piano e vozes etéreas para traduzir genialidade e fragilidade da saúde mental de um gênio da matemática.

Também esteve em Mar em Fúria (2000), adaptação do livro de Sebastian Junger, e em Lendas da Paixão (1994), baseado no conto de Jim Harrison. Sua música tinha a rara capacidade de ser grandiosa e, ao mesmo tempo, profundamente íntima, criando pontes emocionais entre literatura e espectador.

Alexandre Desplat

Francês e dono de uma sofisticação inconfundível, assim como Patrick Doyle, Alexandre Desplat se tornou o grande tradutor literário da música de cinema contemporânea. Sua obra equilibra leveza e densidade, como se cada nota fosse escrita para acompanhar palavras. Em O Despertar de Uma Paixão (2006), inspirado em Somerset Maugham, ele compôs uma partitura de delicadeza antiga, premiada com o Globo de Ouro. Em As Pequenas Mulheres (2019), encontrou um lirismo moderno para dar vida à prosa de Louisa May Alcott.

Também contribuiu para Harry Potter, nos filmes finais da franquia; a saga Twilight; assim como as trilhas de O Jogo da Imitação (2014); O Discurso do Rei (2010); A Garota Dinamarquesa (2015) e muitos outros filmes de Oscar. Mas é ao lado de Guillermo del Toro que tem nova exposição: já havia marcado presença em A Forma da Água (2017) e Pinóquio (2022), ambos tratados como fábulas musicais.

Agora, em 2025, retoma a parceria com Del Toro em Frankenstein, adaptação do clássico de Mary Shelley. Sua trilha tem sido descrita como emotiva, grandiosa e poética — não um horror musical, mas um canto lírico para a criatura e seu criador. Desplat confirma, assim, seu lugar entre os compositores que mais souberam transformar literatura em música no cinema recente, criando atmosferas que são ao mesmo tempo íntimas e universais.

Todos os citados aqui compõem um retrato da diversidade de vozes que transformaram livros em música. Do Shakespeare sinfônico ao lirismo africano, da melancolia medieval ao heroísmo épico, suas trilhas são memórias que resistem ao tempo, lembrando que literatura e cinema sempre encontram sua alma na música.


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