Jessie Buckley não é exatamente uma desconhecida — críticos a reverenciam, diretores disputam sua intensidade e colegas a descrevem como uma intérprete magnética. Mas, curiosamente, ainda não é chamada de “estrela” no sentido popular do termo. Esse lugar pode mudar em breve. Com Hamnet, adaptação do livro de Maggie O’Farrell, Buckley interpreta Agnes Hathaway, a esposa de Shakespeare, numa performance que já gera burburinhos de indicação ao Oscar. O filme, elogiado pela crítica desde as primeiras exibições em festivais, destaca sua capacidade de se transformar: do olhar materno marcado pela dor até a força silenciosa de uma mulher que a história relegou a nota de rodapé, Buckley dá carne, voz e alma a uma figura que sempre viveu nas margens da narrativa de Shakespeare. É um papel que parece feito sob medida para ela — e que pode render sua segunda indicação ao reconhecimento da Academia.


Essa não seria sua primeira vez na disputa. Em 2022, Jessie já foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por The Lost Daughter, de Maggie Gyllenhaal, ao interpretar a versão jovem da personagem de Olivia Colman (com quem já trabalhou mais de uma vez, assim como Paul Mescal). Antes disso, já havia mostrado seu talento em Wild Rose (2018), como a cantora country escocesa recém-saída da prisão em busca de um sonho em Nashville. O filme não só rendeu aplausos universais, como consolidou sua imagem de atriz-cantora: Buckley gravou a trilha sonora e transformou a canção “Glasgow (No Place Like Home)” em hino emocional, vencendo o Critics’ Choice Awards de Melhor Canção Original.
A trajetória de Buckley sempre foi marcada pela escolha de personagens difíceis, contraditórios, à margem. Em I’m Thinking of Ending Things (2020), de Charlie Kaufman, mergulhou em uma narrativa fragmentada e quase intransponível, sustentando a densidade filosófica do filme. Em Women Talking (2022), brilhou em um elenco coral de atrizes poderosas, dando corpo a uma mulher que equilibra desespero e revolta. Não são papéis óbvios, e esse parece ser o traço que define sua carreira: Jessie Buckley não tem interesse em caminhos fáceis.


Nascida em 28 de dezembro de 1989, em Killarney, na Irlanda, filha de professores — sua mãe, também musicista, foi quem lhe apresentou o canto —, Buckley cresceu cercada de arte. Estudou em escolas católicas, cantou em coros, participou de musicais amadores e, ainda adolescente, já exibia um talento raro. Em 2008, ficou em segundo lugar no programa I’d Do Anything, concurso da BBC que buscava uma protagonista para o musical Oliver! no West End. O palco logo a recebeu: brilhou em A Little Night Music, de Stephen Sondheim, antes de ingressar na Royal Academy of Dramatic Art (RADA), em Londres.
No teatro, Buckley firmou-se como intérprete de fôlego. Atuou em peças da Royal Shakespeare Company e do National Theatre, mas dois trabalhos recentes se tornaram marcos. Eu a vi no palco, ao lado de Jude Law, na montagem de Henrique V, em 2014. Em Romeo and Juliet (2021), ao lado de Josh O’Connor, fez uma Julieta intensa, apaixonada e trágica em uma produção híbrida, gravada para TV durante a pandemia. A química entre os dois foi descrita como avassaladora e ajudou a modernizar o clássico. Já em Cabaret (2021), no West End, Buckley assumiu o papel de Sally Bowles ao lado de Eddie Redmayne como Emcee. Sua performance, descrita como devastadora e radicalmente original, reinventou a personagem para uma nova geração e lhe rendeu o Olivier Award de Melhor Atriz em Musical em 2022. Foi a prova definitiva de que Buckley é capaz de brilhar tanto em musicais quanto em drama puro.

E se o palco nunca a abandonou, a música também não. Em 2022, lançou o álbum For All Our Days That Tear the Heart, em parceria com Bernard Butler, ex-guitarrista do Suede. O disco, indicado ao Mercury Prize, foi saudado como um dos mais belos do ano, reafirmando sua recusa em se limitar a um único território.
Na vida pessoal, Jessie sempre foi discreta. Viveu um relacionamento com James Norton entre 2015 e 2017, mas prefere manter sua intimidade longe dos tabloides. Em entrevistas, fala mais sobre os papéis que aceita, sobre a necessidade de representar mulheres complexas e sobre como cada personagem deixa marcas nela.

O resultado é que Jessie Buckley está prestes a atravessar uma fronteira rara: a de artista reverenciada para artista consagrada. Entre um filme que a coloca novamente no Oscar, musicais que redefiniram personagens icônicos, discos que ecoam sua voz melancólica e performances que vão do experimental ao histórico, Buckley compõe um mosaico único. Ela é, ao mesmo tempo, atriz de prestígio, cantora premiada e intérprete de Shakespeare. O reconhecimento popular talvez ainda não tenha chegado em cheio, mas é apenas questão de tempo. Com Hamnet, esse tempo pode ser agora.
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