Como mencionei ainda em fevereiro de 2025, um filme sobre o relacionamento proibido entre Kim Novak e Sammy Davis Jr. está em pré-produção. Vivido de forma clandestina e considerado “escandaloso” para a época, o filme promete revelar muitos segredos “quase” esquecidos. E claro, já está envolto em polêmicas.

Isso porque a atriz Sydney Sweeney será responsável por interpretar Novak, enquanto David Jonsson dará vida a Davis Jr., sob direção de Colman Domingo em seu primeiro longa como diretor. Mas em setembro de 2025, a própria Kim Novak, que estava em Veneza para receber o Leão de Ouro pelo conjunto da obra, manifestou sua preocupação sobre como o filme irá retratar essa história. Pois é, não está feliz.

Em entrevista ao The Guardian, Novak afirmou que jamais considerou o relacionamento como escandaloso: para ela, foi uma conexão real, marcada por afinidades profundas e pelo desejo de serem aceitos pelo que eram, e não pela aparência. O receio é que a adaptação reduza tudo a uma questão meramente sexual.

O caso entre os dois começou em 1956, no programa The Steve Allen Show, quando Novak já despontava como uma das estrelas de Hollywood. Mas o romance enfrentou barreiras pesadas. Naquele período, relações interraciais eram um tabu social e legalmente segregadas em muitos estados norte-americanos. A ligação com Davis Jr., além de despertar a curiosidade da imprensa, provocou a ira de Harry Cohn, poderoso chefe da Columbia Pictures, com quem Novak tinha contrato de exclusividade. Cohn teria recorrido até à máfia para ameaçar Davis Jr., forçando-o a se afastar da atriz — episódio revelado em documentário da BBC.

Essa pressão externa encerrou a história de amor antes que pudesse florescer. É justamente essa ferida histórica que Domingo pretende abordar em Scandalous!, definido por ele como uma “história de amor fraturada”, sobre duas pessoas tentando preservar a intimidade e a humanidade em meio ao olhar vigilante da sociedade. O diretor afirma querer criar um filme doce e sensível, sobre a possibilidade do amor em tempos de repressão.

O envolvimento de Colman Domingo com histórias complexas e biográficas, porém, não se limita a Novak e Davis Jr. Ele também integra a aguardada cinebiografia Michael, de Antoine Fuqua, que contará a trajetória de Michael Jackson. No projeto, Domingo interpreta Joe Jackson, o patriarca da família, e tem recebido apoio direto de Paris Jackson, filha do cantor, e de seu irmão Prince, que acompanham de perto o desenvolvimento do filme. O ator destacou a importância dessa colaboração, ressaltando que a família Jackson representa não apenas Michael, mas toda uma herança musical responsável por moldar a memória coletiva de gerações.

A produção de Michael tem sido marcada por atrasos, polêmicas e até a decisão de dividi-la em duas partes, mas a presença de Domingo garante um olhar firme para os dilemas familiares que atravessam a narrativa. Assim, de um lado, ele estreia na direção com Scandalous!, sobre um romance proibido, e de outro, dá corpo a uma das figuras mais controversas do show business em Michael. Duas histórias de amor e poder, diferentes em tom e contexto, mas que dialogam com a forma como a vida privada e a pressão pública moldam destinos.

Enquanto Novak é homenageada em Veneza e revê sua própria trajetória no documentário Kim Novak’s Vertigo, Domingo se afirma como um dos artistas mais inquietos de sua geração, disposto a revisitar memórias dolorosas para dar a elas uma nova dimensão no cinema.

No fim, a preocupação da atriz não é apenas pessoal, mas simbólica: trata-se de como Hollywood escolhe revisitar suas próprias feridas. Ao transformar histórias reais em espetáculo, o risco é apagar nuances em nome do escândalo. Novak pede que seu romance seja lembrado como ele realmente foi — um gesto de afeto e coragem em tempos de intolerância. E talvez esse seja o maior desafio de Colman Domingo: filmar não apenas o escândalo, mas a humanidade que sobreviveu a ele.